A Suprema Corte da Argentina decidiu, na última quinta-feira (5), que a ex-presidente do país, Cristina Kirchner, será julgada sob a acusação de supostamente ter acobertado a participação de iranianos no caso da Associação Mutual Israelita Argentina (AMIA), ocorrido em Buenos Aires, em 18 de julho de 1994. Na ocasião, 85 pessoas foram mortas e centenas ficaram feridos.
A acusação contra Kirchner foi feita com base no memorando de entendimento que ela firmou com o governo do Irã em 2013, durante seu mandato presidencial. O acordo propunha criar uma “Comissão da Verdade” com juristas internacionais para investigar o ataque.
Segundo o promotor Alberto Nisman, que liderava a investigação, o objetivo do memorando era proteger os iranianos acusados de envolvimento no caso, em troca de benefícios comerciais para a Argentina, como o fornecimento de petróleo em meio a uma crise energética.
O promotor sionista acusou funcionários do governo iraniano, como o ex-ministro da Defesa Ahmad Vahidi, o ex-assessor Mohsen Rezai e o diplomata Moshen Rabbani. Em 2007, a Interpol incluiu esses nomes em sua lista de alerta vermelho, solicitando sua captura internacional.
Nisman, que havia trabalhado no caso AMIA desde 2004, apresentou em 2015 uma denúncia contra Kirchner e outros membros do governo peronista. O promotor acusou a ex-presidente de, supostamente, ter “negociado, decidido e organizado” um plano para garantir a impunidade dos iranianos. Ele afirmou que o memorando era a culminação de um esquema para suspender os alertas da Interpol e que incluía acordos secretos com Teerã, tecendo comentários políticos em sua acusação, como os abaixo:
“Enquanto o Poder Executivo falava de justiça e verdade, tinha acertado impunidade. Procurava se aproximar geopoliticamente do Irã, trocar petróleo por cereais e até vender-lhe armas. Para isso, o chanceler Timerman fez acordos secretos com Teerã, logo reconhecidos publicamente pelo ex-chanceler iraniano Salehi, e se comprometeu a fazer cessar o alerta vermelho [ordens de busca e captura da Interpol] contra os terroristas iranianos foragidos, o que não pôde cumprir em razão da firme oposição da Interpol.”
A denúncia de Nisman não se limitava a Kirchner. Também foram implicados Héctor Timerman, ex-ministro das Relações Exteriores; líderes políticos como Luis D’Elía e Fernando Esteche; e até representantes da comunidade iraniana na Argentina. O relatório pedia o embargo de bens da ex-presidente no valor de 200 milhões de pesos, alegando que o governo argentino estava comprometido em trocar cereais por petróleo iraniano e até vender armas ao regime de Teerã.
Ex-secretário de Presidência, Aníbal Fernández criticou a intromissão do promotor nos acordos externos firmados pela Casa Rosada (sede do governo argentino): “a presidenta tem a prerrogativa de firmar acordos, e o Congresso precisa aprová-los. É um contrassenso o que está acontecendo. Não tem fundamento”, disse.
No último dia 5, a Suprema Corte da Argentina rejeitou os recursos apresentados pela defesa de Kirchner e confirmou que ela será julgada pelo suposto acobertamento a cidadãos iranianos. A defesa argumentou que o memorando de entendimento era um ato de política externa, dentro das competências do Executivo, e que a Justiça não deveria interferir.
O tribunal, no entanto, defendeu que o caso da AMIA, assim como o ataque à embaixada de “Israel” em Buenos Aires em 1992, que deixou 29 mortos, foi ordenado pelo governo iraniano e executado pelo Hesbolá, organização que teria recebido suporte operacional e financeiro de Teerã.
Atualmente a principal líder da oposição na Argentina, Kirchner enfrenta uma série de processos judiciais que seus aliados denunciam como perseguição política. Além do caso AMIA, ela foi condenada a seis anos de prisão e inabilitação política em um caso de corrupção relacionado a obras públicas na província de Santa Cruz com muitas similaridades entre os métodos da Lava Jato, onde a burocracia judicial nada fazia para esconder as relações dos promotores e juízes com opositor do peronismo, e ex-presidente, Mauricio Macri.