Ascânio Rubi

Ascânio Rubi é um trabalhador autodidata, que gosta de ler e de pensar. Os amigos me dizem que sou fisicamente parecido com certo “velho barbudo” de quem tomo emprestada a foto ao lado.

Coluna

Silvio Santos não é Delfim Netto

Morte de Silvio Santos faz esquerda pequeno-burguesa mostrar seu caráter elitista

Morreu, aos 96 anos de idade, Delfim Netto, o todo-poderoso ministro do regime militar, e, menos de uma semana depois, aos 93, partiu Silvio Santos, o mais popular apresentador de programas de entretenimento da TV brasileira. Depois de Lula lembrar que, em seu governo anterior, veio a público pedir desculpas a Delfim por tê-lo criticado durante 30 anos, a intelectualidade da esquerda resolveu esculhambar o Silvio Santos, que, na expressão de um articulista da revista Jacobina, estaria associado ao “populacho trumpista e bolsonarista” e ajudaria a explicar o “fenômeno do bolsonarismo”.

O ator Pedro Cardoso, que é conhecido por ter interpretado por muitos anos o personagem Agostinho Carrara no programa humorístico “A Grande Família”, manifestou-se em rede social e ganhou repercussão na Folha de S. Paulo ao chamar os dois recém-falecidos de “abusadores do Brasil”. Estarão os dois no mesmo nível?

Delfim, homem forte da ditadura, signatário do AI-5, chegou a dizer, 50 anos depois do golpe, que nunca se arrependera de ter assinado a edição do documento que retirou todos os direitos da população e deu aos militares salvo-conduto para cometerem toda sorte de ilegalidades, inclusive perseguição e tortura de oponentes. Disse mais: assinaria de novo se a situação se apresentasse outra vez. Por óbvio, Delfim é admirado pela direita, tanto a bolsonarista como a do golpe de 64 e a do golpe de 2016, cujas diferenças aqui não parecem relevantes.

Silvio Santos, no entanto, foi, de fato, popular. Recebia o povo na televisão e fazia dele as suas atrações. Estava sempre rindo, falava espontaneamente e tinha o famoso carisma, uma característica difícil de explicar, mas fácil de reconhecer. Houve gente na esquerda que se comoveu com a partida do dono do Baú da Felicidade, talvez por ele estar associado as recordações de pessoas queridas, como a mãe, a tia, a avó, em geral, uma personagem feminina que não deixava de bater cartão aos domingos na frente da TV. Os “intelectuais”, porém, viram na morte de Sílvio o momento para fazer a crítica ao baixo nível de seus programas e, é claro, ao fato de ele ter enriquecido à custa do seu Baú da Felicidade, por meio do qual “vendia ilusões” etc. etc.

Não é que a crítica esteja errada em seus termos, mas parece um tanto hipócrita e, por isso mesmo, soa injusta. O jeito de conquistar o povo para a fruição de uma cultura mais elevada é pôr os bens culturais ao seu alcance, garantir boa educação e, obviamente, assegurar condições materiais de existência que lhe permitam desenvolver-se em todas as suas dimensões. Sílvio Santos, nesse caso, é mais efeito do que causa. Delfim, este sim, está entre os causadores da miséria da população; era por suas mãos que passavam as decisões da economia do país durante o golpe, que arrocharam salários e operaram grande concentração de riqueza na mão da burguesia.

De resto, de lá para cá, outros tentaram seguir os passos de Sílvio no mesmo gênero de entretenimento. Luciano Huck, por exemplo, embora ocupe as tardes de domingo na emissora de Roberto Marinho, onde os programas seguem o proverbial “padrão Globo”, nada faz além de tentar copiar o Silvio Santos, embora não tenha os atributos do mestre. E as relações da Rede Globo com a ditadura são muito conhecidas.

No entanto, Huck passa incólume pelo crivo da intelectualidade, mesmo protagonizando episódios lamentáveis, como o da abertura da Copa do Mundo, quando puxou o coro que xingou a presidenta Dilma, e agora uma entrevista com o palhaço que se instalou no governo da Ucrânia e, como um ditador, resolveu ficar no cargo após o fim do mandato.

Também acusam Silvio Santos de ganhar dinheiro enganando o povo com os carnês do Baú. Certo. De fato, os carnês, desde que pagos em dia, davam à pessoa a chance de ser sorteada para participar das gincanas do programa, que rendiam ao ganhador uma boa soma em dinheiro. Naturalmente, eram poucos os chamados ao programa e muitos os pagadores, que, não sendo sorteados, podiam trocar o carnê quitado por eletrodomésticos nas “lojas do Baú”. Os produtos eram superfaturados e Senor Abravanel ia tirando seu lucro, alimentado pelo próprio carisma, que, ao fim e ao cabo, garantia a fidelidade da clientela. Nas palavras dele, “o pobre é o melhor pagador que existe”.

Durante os programas, costumava atirar aviõezinhos feitos com notas de R$ 50 ou R$ 100 para a plateia, o que incomoda sobremaneira a esquerda pequeno-burguesa, que acha feio explicitar o apreço pelo vil metal. Coisa de gente coxinha, que vê nisso “humilhação dos pobres”. Pergunte a qualquer um que aviste no chão uma nota de R$ 100 se ele se abaixa para pegar. “Vocês querem dinheiro?”, perguntava Silvio, com a mão no bolso, prestes a distribuí-lo. Qual é a diferença moral entre disputar uma cédula no auditório do Sílvio e ganhar uns trocados no bingo ou na “bet”?

Muito bem. Silvio ludibriou a população? Salvo engano, a melhor maneira de ganhar dinheiro no sistema capitalista é amealhar o dinheiro alheio e investir, coisa que os banqueiros conhecem bem. Não apenas os bancos, mas todas as empresas de seguros e planos de saúde, por exemplo, funcionam segundo esse mesmo princípio. A maioria dos contratantes de seguro paga por um produto que nunca é usado; no caso dos planos de saúde, em geral, dá-se o mesmo (quando o paciente custa caro, a empresa de saúde o expulsa da carteira). O dinheiro se multiplica nos investimentos, daí o apoio desses empresários ao tal Banco Central independente do governo, que mantém taxas altas e elevadíssimos rendimentos para quem tem em mãos o que aplicar.

Sendo dinheiro o assunto, um influenciador de internet, como um Felipe Neto, que não oferece absolutamente nada em termos culturais, enriqueceu graças à audiência de seus programas, que se tornaram um suporte de publicidade. Felipe Neto, como os que se tornam milionários nesse tipo de atividade, descobriu uma fórmula de dar inveja aos pais da retórica clássica. Em resumo, basta dizer coisas muito simples, que são exatamente o que “o populacho” quer ouvir. Não acrescenta nada, passa longe da alta cultura, não faz ninguém rir ou se divertir e, mesmo assim, é ovacionado por certa intelectualidade de rede social desde que emita uma “opinião” anti-Bolsonaro ou coisa que o valha.

Melhor deixar o Silvio Santos descansar em paz. Se o povo (ou o “populacho”, como diz o intelectual de esquerda) gosta dele e quer homenageá-lo, que o faça. O que parece injusto é colocá-lo no mesmo patamar de Delfim Netto, como fez o humorista ranzinza metido a “intelectual”.

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