Está consagrada no Brasil a expressão “pedir ajuda aos universitários”. Tal expressão se consagrou a partir do programa Show do Milhão, em que os participantes podiam pedir a ajuda de universitários quando não sabiam a resposta para alguma pergunta feita. Pedir a ajuda dos universitários era um sinônimo de acerto, algo como “buscar ajuda de alguém que sabe do que está falando”. Infelizmente, isso está cada vez mais raro.
Recentemente, assisti a um dos episódios da nova temporada do Show do Milhão. A falta de conhecimento dos universitários saltou aos olhos. No episódio 3, foi feita a seguinte pergunta: “Antônio Conselheiro esteve envolvido em que importante conflito da História do Brasil?”. As opções eram Guerra do Paraguai, Guerra de Canudos, Revolta da Chibata, ou Revolução Mineira. Uma das universitárias não quis opinar, pois disse não ter certeza da resposta. Os dois outros universitários, hesitantes, disseram que achavam que era Guerra de Canudos. Seguindo as indicações dos universitários hesitantes, o participante do programa acertou a resposta. Menos mau.
Decidi ver outros episódios. No episódio 6, a seguinte pergunta foi feita: “o estado de São Paulo não faz divisa com qual destes estados?”. As possibilidades de resposta eram: Mato Grosso, Paraná, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul. Com convicção, os universitários responderam que a opção correta era Mato Grosso do Sul. O participante, desavisado da crise do ensino dito superior no Brasil, confiou nos universitários. Errou a resposta e ficou incrédulo, sem entender como era possível que alguém recomendasse a resposta errada com tanta veemência como foi feito ali. Procurem e vejam vocês mesmos.
Hesitar e defender ideias erradas com veemência são atos que representam bem o cenário da universidade no Brasil atualmente. A hesitação se dá por medo da censura, um efeito do clima ditatorial instaurado no país. Já a defesa apaixonada de ideias notoriamente erradas é consequência da crescente ignorância que se instaura no país, em que a história nacional é sistematicamente falsificada e grandes autores são ignorados ou deliberadamente ocultados, como é o caso de Marx, Lênin ou Trótski.
O cenário é deplorável, mas não poderia ser diferente. O que esperar de uma educação quase totalmente privatizada e cada vez mais à distância? Há no Brasil hoje mais de 4 milhões de estudantes matriculados em cursos na modalidade Ensino à Distância (EAD). O número vem crescendo exponencialmente a cada ano, e entre 2011 e 2021, a quantidade de ingressantes em cursos superiores na modalidade EAD cresceu 474%. Por que esse crescimento desenfreado? A resposta é fácil: porque o EAD é uma mina de ouro.
Assim como praticamente tudo no capitalismo, a superexploração no EAD é absoluta. Os professores, como sempre, são contratados em número insuficiente para atender à demanda. Os poucos professores contratados recebem salários de fome para ter turmas com em média 500 alunos. Já os alunos, nessas turmas com 500 alunos, são jogados ao deus-dará, praticamente sem tempo para tirar dúvidas e com livros didáticos de qualidade altamente duvidosa. E o pior: o preço de uma graduação EAD é praticamente o mesmo de uma graduação presencial. Os alunos estão pagando rios de dinheiro para as universidades sem que elas precisem pagar todo mês contas de luz, água, zeladoria, e outros custos normais de uma instituição.
Tudo isso é fruto do fomento da educação privada em detrimento da educação pública. Em vez de adotarmos o modelo de ingresso universal ao ensino superior, vigente em países como Argentina e México, em que basta terminar o ensino médio e ir com a carteira de identidade em uma universidade pública para se matricular, aqui impera o reino do vestibular, que condena os pobres a pagarem para estudar em universidades privadas, ou pagarem anos de cursinho para tentarem ingressar em uma universidade pública. Quem se beneficia disso não é a classe trabalhadora, mas sim os grandes capitalistas do Brasil, como Jorge Paulo Lehmann e seus vassalos como o atual Ministro da Educação Camilo Santana.
É preciso ser claro: a educação privada só interessa aos donos desses grandes grupos empresariais que controlam universidades com fins lucrativos. Para que a ajuda dos universitários volte a significar alguma coisa, é preciso acabar com o vestibular e modificar radicalmente o formato do EAD, para que não seja mais um caça-níquel, mas sim algo que efetivamente contribui para o desenvolvimento nacional.