O artigo A única obstrução de que Bolsonaro entende é a intestinal, escrito por Alex Solnik para o Brasil 247, é, ainda que muito curto, uma demonstração de como a esquerda, capitulando diante do bolsonarismo, abriu mão por completo da defesa de qualquer princípio democrático.
O texto tem apenas três parágrafos:
“Só no Brasil um ex-presidente da República indiciado por tentativa de golpe de estado contesta abertamente a prisão preventiva de outro indiciado pelo mesmo crime por obstrução de Justiça.
Deve estar procurando sarna para se coçar, pois incitar seus simpatizantes contra o STF, tal como fez durante seu mandato, pode configurar ameaça à ordem pública, outro motivo para prisão preventiva.
A única obstrução de que Bolsonaro entende é a intestinal.”
Antes de qualquer coisa, chama a atenção o escândalo que Alex Solnik faz diante da expressão “tentativa de golpe de Estado”. Alguém tentar dar um golpe de Estado contra um governo de esquerda é, de fato, algo grave. Mas não porque é um “atentado contra a democracia”, mas porque essa pessoa é, naturalmente, um inimigo político. Alguém que deveria ser combatido.
Vendo a coisa deste ponto de vista, há milhares de pessoas e organizações que já se mostraram abertamente inimigos da esquerda e dos trabalhadores. É o caso da rede Globo, do Supremo Tribunal Federal (STF), da Polícia Federal (PF) e da maioria dos deputados e senadores, que se juntaram para derrubar o governo de Dilma Rousseff (PT). Alex Solnik propõe um combate a eles?
Não. Pelo contrário, ao falar de “tentativa de golpe de Estado”, Solnik está preocupado, na verdade, em defender essas instituições apodrecidas que foram responsáveis pelo golpe – acima de tudo, o STF. Já a partir deste momento, fica clara a capitulação do jornalista: assustado com o avanço da extrema direita, Solnik se atirou ao colo dos piores inimigos da esquerda, que são aqueles que representam o imperialismo no Brasil.
A ideia de que “só no Brasil um ex-presidente da República (…) contesta abertamente a prisão preventiva de outro” é ainda mais grotesca. Trata-se de uma defesa apaixonada não apenas das instituições golpistas, mas do regime como um todo. Quando Solnik ridiculariza a ideia de contestar a prisão de alguém, está, na prática, dizendo que o Estado é infalível. Que ele está acima de seus cidadãos. É uma exaltação de um regime que é uma verdadeira ditadura, como era a ditadura militar de 1964. Afinal, quem, naquela época, poderia contestar a prisão de alguém?
Ao fazê-lo, Solnik esquece por completo o que é ser de esquerda. O papel da esquerda nunca foi a de defender um regime que é arbitrário por natureza, uma vez que é controlado pela classe dominante. O papel da esquerda é denunciar as arbitrariedades e garantir que os direitos da população sejam resguardados contra a ditadura do Estado. Se uma prisão não pode ser contestada, então estamos diante de uma ditadura total.
A capitulação é tanta que Solnik esquece algo ainda mais difícil de esquecer. Que o presidente que ele apoia esteve preso por 580 dias há menos de 5 anos. Lula, que hoje ocupa o Palácio do Planalto, esteve encarcerado por mais de um ano nas masmorras da Polícia Federal de Curitiba (PR), como consequência de um dos processos mais grotescos que já se viu. E, antes disso, foi ameaçado de ser preso por várias vezes, mesmo antes de ser condenado. Por acaso Dilma Rousseff, que era ex-presidente, estaria errada em denunciar a perseguição a Lula?
O caso de Solnik revela claramente que, se a esquerda fizer de sua política defender o regime para combater a extrema direita, acabará deixando de ser uma esquerda.