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Coluna

Robin Hood às avessas

Sem mobilização popular, o governo fica à mercê das ameaças da burguesia financista da avenida Faria Lima

Mais um ano chega ao fim e o governo, embora apresente bons números no cenário macroeconômico, parece não converter esse sucesso em uma realidade mais palpável para a população, nela incluída a classe média, que também sente o peso das contas, sempre maiores que os salários achatados. A ideia de isentar de imposto de renda aqueles que recebem até R$ 5.000 seria um passo importante para ampliar a base de apoio do governo, dando um respiro para essa fatia da sociedade. Acontece que, para fechar as contas, a burguesia teria de pagar um pouco mais – e é aí que a porca torce o rabo.

A burguesia brasileira está acomodada numa posição muito confortável, pagando menos impostos que a classe média. Os contribuintes com renda mensal superior a 320 salários mínimos pagam uma alíquota efetiva de imposto de renda de apenas 5,25%. Essa distorção ocorre porque uma fatia expressiva da renda dos mais ricos é recebida na forma de lucros e dividendos, que são isentos de imposto de renda desde 1996.

Além disso, há muitas empresas que gozam de isenção fiscal. Recentemente o próprio governo divulgou uma lista delas: Braskem: R$ 2,27 bilhões; Syngenta: R$ 1,77 bilhão; TAM: R$ 1,70 bilhão; Yara Brasil Fertilizantes: R$ 1,23 bilhão; Azul Linhas Aéreas: R$ 1,04 bilhão; Samsung: R$ 1 bilhão; OCP Fertilizantes: R$ 975,9 milhões; BASF: R$ 907,6 milhões; Arcelormittal: R$ 801,9 milhões; Philco: R$ 730 milhões.

Sob Jair Bolsonaro, foi criado o programa Perse (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos) para socorrer restaurantes, bares e o setor de eventos, que foram particularmente afetados durante a pandemia de Covid-19. Curiosamente, o maior beneficiário dele é o iFood, que usufruiu de renúncia fiscal de R$ 336,11 milhões em benefícios entre janeiro e agosto de 2024. Sim, a pandemia acabou, mas a isenção continuou. Vale notar também que empresas de entrega, como o próprio iFood, tiveram crescimento no período, quando a população deixou de ir aos restaurantes e passou a pedir comida em casa.

O programa também beneficia a empresa Play9, fundada pelo “influenciador” Felipe Neto, que, neste ano, deixou de pagar R$ 14,3 milhões em tributos. O programa também garantiu renúncia fiscal de mais de R$ 30 milhões até agosto para oito influenciadores digitais. Virgínia Fonseca, por exemplo, que é dona das empresas Virginia Influencer e Talismã Digital, declarou ter obtido R$ 7,2 milhões em renúncia fiscal neste ano graças ao mesmo programa.

A lista dos beneficiários famosos inclui, entre outros, Sabrina Sato e Rodrigo Faro, os humoristas Tirulipa e Whindersson Nunes e as atrizes Giovanna Ewbank e Marina Ruy Barbosa – esta última acaba de adquirir apartamento na planta de um empreendimento de R$ 600 milhões (cada unidade custa, no mínimo R$ 6 milhões).

O governo tentou descontinuar essa isenção, mas o Congresso não deixou. E vida que segue. Felipe Neto, sempre tão cioso de se mostrar “do lado certo”, poderia dar o exemplo e abrir mão do benefício. Mas não. O governo não consegue tirar um centavo desse pessoal, inclusive dos que se dizem de “esquerda”, como o referido “influenciador”. Só consegue tirar do BPC, que estaria inchado por causa das fraudes de gente pobre, que não tem para onde correr.

E mais: os caríssimos hospitais da elite são registrados como sociedades beneficentes sem fins lucrativos e, por isso mesmo, também não pagam impostos. No caso deles, a renúncia fiscal é aplicada na saúde pública sob a gestão deles próprios.

Mesmo assim, o jornal oficial da Faria Lima – Folha de S. Paulo – ameaça Lula, que considera estar fazendo “gastança” com programas sociais:

“Lula ainda pode decidir o desfecho da economia, embora a margem para erros esteja se estreitando. Encapsular-se na teoria do almoço grátis vai conduzi-lo para um fiasco parecido com o de Dilma Rousseff, o que seria uma pena, pois em quase todos os outros setores o governo atual supera o de Jair Bolsonaro (PL)”.

É na ponta do lápis que a burguesia mostra quem é. Enquanto isso, partidos de esquerda, em vez de despertarem nos trabalhadores a consciência de classe, contentam-se com as políticas identitárias que, de modo geral, não passam de um afago psicológico. A burguesia apoia esse movimento exatamente porque ele mascara a luta de classes. Povo sem consciência de classe não se mobiliza. Sem mobilização popular, o governo fica à mercê das ameaças da burguesia financista da avenida Faria Lima. O ano novo promete ser de luta.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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