As informações que chegam sobre as chuvas no Rio Grande do Sul são tão chocantes que até mesmo os setores mais conservadores da política nacional decidiram apontar o dedo para o Poder Público. Afinal, chove todo ano, frequentemente com intensidade, e já são amplamente conhecidas as suas consequências.
Embarcando no que já se tornou senso comum, o portal Esquerda Online, editado pelo grupo Resistência, corrente interna do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), publicou o artigo Do Negacionismo Climático como política de Estado e da Solidariedade como ação no Rio Grande do Sul.
Conforme o próprio título indica, segundo o Resistência, o grande problema no Rio Grande do Sul, que teria causado quase 100 mortes, seria o “negacionismo climático”. E o que seria isso? O artigo insinua, mas não explica:
“O caso do Rio Grande do Sul é a demonstração do negacionismo climático dos governos. O governador e presidenciável Eduardo Leite, do PSDB, destinou 50 mil reais – você não leu errado, nem eu escrevi com equívoco de valores – para equipar a Defesa Civil Estadual. Esse valor não compra um bote inflável.”
Quando o Resistência apresenta os números do governo de Eduardo Leite, acerta. O problema está aí. A culpa não é “da chuva”, mas sim da falta de infraestrutura e de assistência. E ambos, por sua vez, são pela falta de dinheiro.
Mas o que é realmente incrível é que o artigo credita essa falta de recurso ao tal “negacionismo”. Isto é, Leite não destinou a verba que deveria à contenção dos estragos causados pelas chuvas porque ele “nega” alguma coisa. Nega o quê? Nega que exista o clima? Que exista a chuva?
O Resistência não responde. Independentemente do que passa pela cabeça do autor do artigo, o fato é que a ideia de que haveria um “negacionismo climático” serve apenas para fornecer um verniz ideológico à inação de Eduardo Leite. Serve apenas para ocultar as razões materiais que fazem com que o governador do Rio Grande do Sul ignore as necessidades da população de seu estado. Ao dizer que há um “negacionismo”, o Resistência dá a entender que bastaria “convencer” Eduardo Leite de que é necessário investir em infraestrutura, e não que seria necessário levar adiante uma luta política que garanta que o orçamento público seja utilizado em benefício da população.
O tal “negacionismo climático” aparece, assim, para ocultar a questão de classe envolvida. Eduardo Leite age – ou deixa de agir – não por ignorância, mas porque é um representante do setor mais parasitário da sociedade. O governador gaúcho é um funcionário do grande capital, dos grandes bancos. E um banco não age por “ideologia”, mas sim por interesse. Para um banco, o orçamento público deve ser todo comprometido com dívidas do Estado para com essas instituições vampirescas. E é tão somente por isso que impedem que o dinheiro do Estado seja utilizado para saúde, educação, infraestrutura, saneamento básico etc.
A vontade de ocultar a participação dos bancos nessa operação é tão grande que o artigo acaba apelando para questões subjetivas como solução para a crise no Rio Grande do Sul:
“A solidariedade é um ato humano e só a humanização dos nossos dias poderá combater a política do neoliberalismo que nos trata como coisas dispensáveis, sujeitos à dó e ao lamento, mas não à proteção antecipada e planejamento político. E as que se solidarizam temos uma grande tarefa: a solidariedade ativa. Aquelas e aqueles que têm treinamento e condições físicas e emocionais de se somarem às equipes de apoio da Defesa Civil, devem fazê-lo. Os demais – que não têm treinamento básico e para não se pôr em risco – devem dedicar-se às campanhas para recomposição das perdas materiais: água – afinal, nesses momentos, há corte de energia e de distribuição de água por questões de segurança – roupas, kits de higiene (incluindo fraldas, absorventes, escova e pasta de dentes e papel higiênico) e alimentos, lonas e cobertores. Para quem perdeu tudo, todo gesto é grandioso. Quem não pode exercer presencialmente este processo, uma pequena doação faz toda a diferença. Sim, o valor daquela cerveja a mais no bar compõe, aos poucos, uma grande corrente de auxílios.”
Diante de uma crise como essa, não há problema algum em ser solidário com a população. Fazer tudo o que estiver ao alcance para amenizar o sofrimento daquela população é o mínimo a se esperar do ponto de vista humanitário. O que chama a atenção, no entanto, é que o próprio trecho resume o problema como um conflito entre “os bons” e “os maus”. Entre os que “têm consciência” e os que “não têm”. E, com isso, acabam evitando apontar o dedo para os verdadeiros responsáveis pelos mortos e desabrigados.