Com os conflitos na Ásia Ocidental e na Ucrânia, somados à rebelião de países africanos contra sua dominação, o imperialismo atravessa uma crise sem precedentes. Dentre os principais países do bloco que impõe uma ditadura ao restante do mundo, o Reino Unido é aquele que se encontra numa situação mais crítica.
A crise não é de hoje e suas raízes são profundas. O produto interno bruto (PIB) do país, em 2007, era de aproximadamente US$ 3,1 trilhões, mesma marca atingida em 2022, segundo o sítio que agrega dados econômicos Trading Economics. A estagnação de mais de uma década foi superada apenas em 2023, quando o PIB atingiu US$ 3,34 trilhões. Ao longo desse período, a inflação teve picos de mais de 5%, tendo atingido 11,1% em outubro de 2022. O colapso econômico somado à perda acentuada do poder de compra certamente não passou despercebida pela população e a crise emergiu do âmbito econômico para a política.
Polarização nas ruas
Neste sábado (26), dezenas de milhares de pessoas foram às ruas para se manifestar, por um lado, contra a detenção de Tommy Robinson, um militante de extrema-direita e, por outro, contra a mobilização de seus apoiadores, em ato organizado pelo Stand Up to Racism. Esta mobilização está longe de ser um evento isolado, dadas as gigantescas manifestações em defesa da Palestina realizadas em Londres e em outras cidades do Reino Unido desde a Operação Dilúvio de Al Aqsa, organizada no dia 7 de outubro de 2023 contra a ocupação sionista da Palestina.
A própria mobilização deste final de semana já é consequência de violenta mobilização de extrema-direita instigada por Robinson em resposta a um ataque contra jovens na cidade de Southport, no dia 29 de julho. Segundo Robinson, um imigrante muçulmano seria o responsável pelo ataque. A manifestação xenofóbica entrou em choque com uma contra-manifestação de esquerda, no que se desenvolveu em motins com saques a lojas em diversas regiões de Londres e outras cidades britânicas.
Brexit
A revolta no país é generalizada, e não é de hoje. Em 2016, cidadãos britânicos tiveram que decidir sobre a saída ou permanência do país na União Europeia. Os dois pilares do imperialismo britânico, o Partido Trabalhista e o Partido Conservador, colocaram-se em favor da permanência do Reino Unido no bloco, que tinha Londres como centro de seu sistema financeiro. A permanência, porém, era tão impopular que balançou essa estrutura política.
Pela direita, Boris Johnson cresceu para se tornar o líder do Partido Conservador ao lado de Nigel Farage, que nas eleições para o parlamento europeu de 2019 viu seu partido, o Brexit Party, vencer tanto em número de assentos (29) como de votos (30,5%). Pela esquerda, Jeremy Corbyn, militante e parlamentar eleito pelo Partido Trabalhista, ganhou destaque por política contra a austeridade e por sua posição cética em relação à União Europeia. Em 2015, logo após derrota do trabalhismo nas eleições, foi eleito o novo líder do partido.
A campanha em torno da saída do Reino Unido da União Europeia foi marcada pela polarização e por violência política, o que culminou com o assassinato de Joanne Cox, uma parlamentar eleita pelo Partido Trabalhista. Com a vitória da saída da União Europeia em 2016, Theresa May foi a indicada pela burguesia britânica a comanda o Partido Conservador nessa amarga derrota. Em 2019, novamente em eleições altamente polarizadas, Boris Johnson tornou-se líder do Partido Conservador e concorreu contra Corbyn em derrota acachapante para a esquerda, fruto da posição diletante do líder trabalhista em relação à União Europeia em nome de crédito eleitoral não concretizado.
Novo “Novo Trabalhismo”
Passadas as eleições de 2019, a burguesia imperialista organizaria um expurgo da ala corbynista do Partido Trabalhista, sob acusação de que o então líder do partido e seus apoiadores fossem antissemitas. Corbyn sempre defendeu e ainda defende a luta do povo palestino contra os ocupantes sionistas e isso foi usado contra ele mesmo antes da Operação Dilúvio de Al Aqsa. O portal catari Al Jazeera produziu excelente documentário sobre a influência do sionismo dentro do Partido Trabalhista e seu papel nesse expurgo.
Atualmente, o Partido Conservador não é mais comandado por Johnson, mas também não se recuperou dessa ruptura interna. O Partido Trabalhista venceu as últimas eleições gerais sob o comando de Keir Starmer, político britânico ligado às agências de inteligência do Reino Unido. Starmer trouxe o Partido Trabalhista de volta ao “Novo Trabalhismo” de Tony Blair dos anos 1990, preparando a organização para representar politicamente o imperialismo britânico.
Sua vitória eleitoral, porém, foi magra: com pouco mais de um terço do voto popular, Starmer garantiu uma maioria absoluta no parlamento com 63% dos assentos. O Partido Conservador foi praticamente varrido do mapa, tendo perdido 251 assentos, caindo para apenas 18% de controle parlamentar em número que reflete melhor sua votação de 23,7%.
Regime político em xeque
O que mais demonstra a crise do regime político britânico é a votação dos demais partidos. Entre Reforma Reino Unido, novo partido de Nigel Farage, Democratas Liberais, Verdes e Partido dos Trabalhadores, apenas os Democratas Liberais elegeram parlamentares, apesar de terem recebido quase 3,5 milhões de votos (12,2%). O partido de Farage recebeu mais de 4 milhões de votos e não elegeu um parlamentar sequer, demonstrando o caráter anti-democrático das eleições britânicas. Como destaque pela esquerda, o Partido dos Trabalhadores, do ex-trabalhista George Galloway, tornou-se a sexta maior força política britânica com mais de 210 mil votos. Galloway havia vencido eleições de meio de mandato em seu distrito meses antes das eleições gerais, mas não conseguiu a reeleição. Sua vitória e a votação expressiva de seu partido demonstram a crescente polarização no Reino Unido. Finalmente, Corbyn voltou ao parlamento inglês, desta vez como independente, em importante vitória contra o trabalhismo imperialista.
A polarização se manifesta de forma distorcida na política institucional, principalmente devido ao controle exercido pela burguesia sobre o processo eleitoral. As ruas, por outro lado, demonstram a crescente instabilidade no país e um ambiente revolucionário diante de um imperialismo cada vez mais decadente e fraco.