A 18 de outubro de 2024, o Movimento de Resistência Islâmica (Hamas) confirmava a morte do líder de seu birô político, Iahia Sinuar. Considerando a heroica luta que o povo palestino, sob a direção do próprio Hamas, vem levando adiante desde 7 de outubro de 2023, esse fato em si já deveria ser tratado com grande relevância pela esquerda mundial. Mas não se trata apenas disso.
A morte de Sinuar foi vista em todo o mundo árabe como uma demonstração inigualável de abnegação revolucionária. As imagens divulgadas pelas forças sionistas de ocupação, que visavam desmoralizar Sinuar, mostraram um homem dedicado a combater “Israel” até o último suspiro de vida. Sinuar, o líder máximo do Hamas, foi visto trocando tiro com os sionistas, sendo morto lutando de armas na mão e vestindo uniformes militares e um quefié.
A forma como Sinuar foi morto também não encerra a grandeza do fato. Sinuar já era tido como um gigante, como uma liderança de uma verdadeira revolução árabe. Ele era reconhecido, tanto por “Israel” como pelos palestinos, como o grande arquiteto por trás da Operação Dilúvio de Al-Aqsa. Um homem que passou mais de duas décadas na prisão e que saiu dela decidido a liderar seu povo em uma luta de libertação nacional até as últimas consequências. Sinuar está para a revolução palestina assim como Che Guevara está para a revolução cubana.
Apesar disso, muito chamou a atenção o fato de que o martírio de Sinuar passou praticamente em brancas nuvens para a esquerda brasileira. Ao consultarmos diversos órgãos de comunicação de partidos e organizações de esquerda, constatamos que o assassinato de Sinuar sequer é mencionado na maioria dos veículos. Para fazer esse levantamento, consultamos, além deste Diário, os órgãos Esquerda Online, do grupo Resistência/PSOL, o Opinião Socialista, do PSTU, o Esquerda Diário do MRT, os portais oficiais do PSOL, do PCB, da UP, do PCBR e da CUT, a Revista Movimento, do MES/PSOL, A Verdade, do PCR, o Vermelho, do PCdoB, o Marxismo.org, da OQI, A Nova Democracia, A Hora do Povo, do antigo MR8 e os portais das tendências psolistas LSR, Insurgência e Rebelião Ecossocialista. Destes, apenas quatro veículos — Diário Causa Operária, A Nova Democracia, A Hora do Povo e Esquerda Diário — mencionaram a morte de Sinuar, sendo que a citação do Esquerda Diário foi uma menção puramente burocrática.
Apenas DCO, A Hora do Povo e A Nova Democracia foi o único a tratar o martírio de Sinuar com a seriedade que o gesto revolucionário merece. O artigo intitulado “Mártir heroico, nunca recuou” – Eixo de Resistência homenageia Yahya Sinwar exalta o sacrifício do líder palestino, destacando sua coragem e compromisso com a libertação do povo palestino até o último suspiro. Já A Hora do Povo, em sua matéria “Coragem de Sinwar inspira a luta de libertação do povo palestino”, afirmou a importância do exemplo de Sinuar para o movimento Hamas e a luta de libertação nacional, colocando-o como um símbolo de resistência ao genocídio sionista. O DCO, por sua vez, vários artigos reconhecendo a importância do líder da revolução palestina, inclusive citando homenagens feitas pelo presidente do Partido da Causa Operária (PCO), Rui Costa Pimenta, para quem Sinuar era “um colosso”.
A nota do Esquerda Diário é uma vergonha maior que o silêncio do restante da esquerda. O artigo intitulado “Enquanto avança limpeza étnica do norte de Gaza, imperialismo norte-americano tenta lavar as mãos do genocídio que financia“, cita a morte de Sinuar de forma tão protocolar que, além de ignorar o papel histórico do líder palestino, acaba fazendo uma propaganda positiva do sionismo, na meida em que apresenta a resistência como derrotada.
É inacreditável ver como a esquerda, que, no passado, apoiou a luta armada e revoluções na América Latina, agora hesita em apoiar a resistência palestina contra o sionismo. A morte de Sinuar, que se tornou um símbolo de resistência para milhões de árabes, foi praticamente ignorada pelos veículos de comunicação da esquerda brasileira. O Vermelho, do PCdoB, não publicou uma única linha sobre o martírio de Sinuar, assim como o Esquerda Online, do PSTU, que nem mesmo se deu ao trabalho de produzir uma nota oficial. A esquerda pequeno-burguesa dos dias de hoje, de tanto ceder terreno ao imperialismo, vai demonstrando sua distância absoluta de tudo aquilo que é combativo e revolucionário.
Se Che Guevara tivesse morrido hoje, não seria lembrado pela esquerda. De tanto capitular diante do imperialismo, a esquerda pequeno-burguesa se tornou completamente incapaz de reconhecer uma revolução, mesmo quando ela passa diante de seus olhos. É inaceitável que a esquerda brasileira, que, há meio século, assistiu às brutais ditaduras militares na América Latina, se omita agora diante da heroica luta palestina. A operação liderada por Sinuar deveria ser celebrada como um exemplo épico de resistência e coragem, mas em vez disso, é ignorada ou tratada de forma burocrática por aqueles que deveriam ser os primeiros a reconhecer a importância de sua luta.
Enquanto Sinuar é celebrado como um herói no mundo árabe, a esquerda brasileira se cala, mostrando que, para muitos, a luta do povo palestino não passa de um incômodo, algo a ser varrido para debaixo do tapete.