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Venezuela

Quem traiu o chavismo é quem defende o golpe – Parte 3

Aldo Fornazieri cita ex-ministros de Chávez em seu ataque a Nicolás Maduro. Eles, contudo, capitularam ao imperialismo, e sequer denunciam as sanções asfixiantes ao país

Chegamos a nossa parte 3 na polêmica com o artigo “Madurismo e a traição ao chavismo”, publicado no portal Brasil 247, e assinado pelo sociólogo Aldo Fornazieri. Na parte 1, abordamos os argumentos do próprio autor, mais diretamente, e a citação que o mesmo faz a Pepe Mujica, no ataque ao presidente venezuelano Nicolás Maduro. Na parte 2, contrapusemos figuras ditas “chavistas” citadas por Fornazieri, e apontadas como próximas, a nível pessoal, do comandante Hugo Chávez. Nesta parte 3, atacaremos os pontos indicados pelo acadêmico como vindos de ex-ministros no governo Chávez, começando por:

“Gustavo Márquez, ex-ministro do Comércio Exterior de Chávez e ex-embaixador, denunciou várias vezes a falta de legitimidade de Maduro. Afirmou que Maduro e Juan Guaidó são duas faces da mesma moeda. Sustentou que Maduro e os generais promoveram a partilha do bolo do petróleo entre empresas americanas, a China e a Rússia. Com efeito, além dos russos e chineses, agora o regime tem novos parceiros no negócio do petróleo: a Chevron americana, a britânica Shell, a Repsol espanhola e a francesa Maurel & Pron. Para Márquez, esse regime oligárquico aprofunda o rentismo petroleiro, tornando ‘mais barato importar do que produzir’ e estabelecendo controles que destruíram a economia do país.”

As posições apresentadas pelo ex-ministro Gustavo Márquez não são de hoje, mas de fevereiro 2019. Naquele ano, em meio a plena ofensiva golpista, com Juan Guaidó se autoproclamando o presidente da Venezuela, Márquez, junto a outros ex-ministros, foi reunir-se com ele para mediar uma transição. Repitamos ressaltando pontos essenciais: mediar uma transição no governo da Venezuela com o fantoche dos EUA em meio a uma operação golpista. O fizeram, é claro, afirmando-se críticos a Guaidó, mas a favor da paz e do diálogo, uma posição em que apenas um completo boçal acreditaria.

O apontamento de que ambos seriam faces da mesma moeda é claramente absurdo. No detalhe, Guaidó seria um capacho dos EUA, e Maduro levaria a frente um governo com apoio militar, mas contra a população venezuelana. Restaria saber como um governo militar, antipopular, se sustentaria sem o apoio do imperialismo, mas declaradamente contra ele. Tal posição é parte da farsa que busca caracterizar os países não-alinhados, ou inimigos declarados do imperialismo, como ditaduras contra seu povo. Até hoje, as únicas ditaduras militares contra os trabalhadores que estiveram de pé, foram aquelas fabricadas, financiadas e apoiadas pelo imperialismo.

Já a atuação das petroleiras estrangeiras é regulada por lei, o que as força a estabelecer operações conjuntas com a estatal PDVSA (e apenas assim elas podem operar), em que esta mantém maioria de 60%, e com altas taxas de impostos, com 33% de royalties para a PDVSA, e 50% de imposto de renda para o Estado venezuelano. Tal política foi empregada também por Hugo Chávez, não se trata de uma novidade na política ou na economia venezuelanas. Mais, considerando as sanções a que a Venezuela está submetida, esse tipo de exploração conjunta pode servir como forma de driblar o bloqueio internacional quando são intensificadas as sanções, não comentadas.

O último ponto, contudo, de que o rentismo petroleiro estaria intensificado, e que seria mais barato importar do que produzir petróleo, não tem pé na realidade. A economia é baseada em petróleo largamente, já o refino, que se apresenta como uma questão mais problemática, exige o desenvolvimento ou importação de tecnologia, algo enormemente dificultado com o bloqueio econômico. Por sua vez, os controles colocados sobre a economia, que supostamente destruíram a economia do país (e que não são definidos de maneira clara), são justamente as medidas que fazem do chavismo, representado hoje por Nicolás Maduro, um opositor do imperialismo, e um defensor da soberania nacional da Venezuela.

Gustavo Márquez chegou ainda a afirmar naquele momento, e essa frase não é colocada por Aldo Fornazieri, o leitor verá por quê. Ele declarou que Nicolás Maduro, que o governo da Venezuela:

Assumiu o modelo estatista fracassado de Cuba.

A colocação fala por si mesma, e ajuda a compreender de que controles tratava-se a posição anterior: Márquez é a favor de uma abertura do mercado, de um fim dos controles que hoje impedem a rapina do país pelo imperialismo. Em outras palavras, Gustavo Márquez é um traidor de seu país e de sua posição política anterior, caso tenha sido legítima. Já Aldo Fornazieri, ao não apresentar esse pequeno ponto muito revelador, pode também ser apontado como mais um desonesto serviçal do imperialismo, com um disfarce mambembe de esquerdista.

Continuemos:

“Rafael Ramirez, ex-ministro do Petróleo da Venezuela foi mais longe: disse que Maduro promove eleições com o medo, a fome e a manipulação. Não se pode ter eleições livres ‘com a pistola apontada para as cabeças das pessoas’. Ele foi um dos primeiros a dizer que Maduro não é chavista: ‘El gobierno de Maduro no se puede definir de otra manera que um Gobierno de derecha’, afirma categórico ao denunciar a corrupção e o caráter militar e policialesco do regime. Acrescenta que o fato de esquerdistas apoiarem Maduro em várias partes do mundo representa ‘uma desfiguração dessas esquerdas’, pois ‘muitas abordagens de um partido que se diz de esquerda coincidem com as abordagens de direita’.”

Novamente, vemos acusações vazias. O que é promover eleições com o medo, a fome e a manipulação? O que seria a pistola apontada para as cabeças? Nas ruas, Maduro goza de amplo apoio popular. Onde, concretamente, estaria toda essa intimidação? A não apresentação concreta das acusações é demonstração de sua falsidade. Se existe uma repressão incrivelmente disseminada, por que não há nada de concreto a se dizer sobre ela? Por que as centenas de observadores internacionais presentes no país não relataram nada do gênero?

A abordagem das esquerdas é já um ponto mais interessante. Como esses ditos chavistas, como Aldo Fornazieri, e como um amplo setor dito da esquerda também no Brasil e em vários países, se entende que a esquerda deve prezar não pelo enfrentamento concreto ao imperialismo, pela defesa dos interesses materiais dos trabalhadores, pela soberania dos povos, mas deve se orientar por noções vagas de democracia definidas pelo imperialismo, e pouco mais que isso. A desfiguração das esquerdas, seu não alinhamento a esse entendimento “democrático”, apontada por Ramirez é, na realidade, condição necessária para que essas esquerdas permaneçam como tal, e não sejam reduzidas a meros apêndices internacionais do imperialismo.

Em meio a tantas acusações, temos o seguinte: “Noam Chomsky foi taxativo em afirmar que a Venezuela não é socialista e que ‘o capitalismo privado se manteve’.” Ora, uma colocação que não demonstra coisa alguma, além do que é público e notório: a burguesia não foi completamente expropriada na Venezuela. O ponto, porém, a que se direciona essa colocação, é não o aprofundamento do chavismo, sua radicalização, e a continuidade da revolução com a expropriação total do patronato, mas o contrário. Fornazieri coloca essa caracterização como um ataque ao governo, com vistas a vê-lo derrubado. Aquele hoje em condições, em plena ofensiva golpista contra Maduro, no entanto, é o imperialismo.

Na próxima e última parte, a ser publicada em breve neste Diário Causa Operária, veremos maiores paralelos entre o golpe de 2016 no Brasil, e a ofensiva golpista na Venezuela apoiada por Aldo Fornazieri. Além dos atores, os métodos do golpe são em grande medida os mesmos, e Fornazieri ataca Maduro por, dando continuidade ao chavismo, e ao contrário de Dilma Rousseff (PT), defender com firmeza seu próprio governo.

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