No Brasil 247, o colunista Aldo Fornazieri apontou que “as eleições municipais de 2024 definiram algumas novas características e tendências da política brasileira”. Segundo ele, “a mais notável” foi o “fim da bipolarização entre bolsonarismo e lulismo”, pois “as eleições marcaram o fortalecimento da multipolarização e do pluripartidarismo, com uma clara inclinação para a centro-direita”.
Essa primeira concepção, no entanto, é completamente falsa. A situação política brasileira continua polarizada entre Bolsonaro e Lula, as duas principais forças políticas do Brasil. O resultado eleitoral expressa isso pelo lado de Bolsonaro, cujo partido, PL, teve uma votação esmagadora; mas não pelo lado do PT, que, apesar de ter ganho mais prefeituras, essas se resumiram quase totalmente – com exceção de Fortaleza, única capital conquistada – a cidades inexpressivas no cenário nacional.
Em grande medida, o crescimento da “centro-direita”, representada principalmente pelo PSD, se deu justamente pelo fracasso da política petista, já analisada pelo Diário Causa Operária. Principalmente, pela política de alianças com essa direita.
Aldo afirma que “os candidatos bolsonaristas radicais, com exceção de Fortaleza, foram derrotados por candidatos de partidos de centro-direita (Belo Horizonte, Curitiba e Goiânia), com o apoio velado ou explícito da esquerda”. E destaca, em seguida, que “a centro-direita, em algumas cidades (São Paulo, Porto Alegre etc.), disputou com candidatos de esquerda. Há um limite eleitoral para o discurso extremado do armamentismo, do machismo e de preconceito, principalmente entre as mulheres”.
Assim, tira a conclusão que “a mais notável tendência consiste no processo de deslocamento do eixo gravitacional da política brasileira para a centro-direita. A derrota de Bolsonaro para Lula em 2022 havia enfraquecido o bolsonarismo. Esse enfraquecimento agora se amplia e Bolsonaro perde capacidade de atração de aliados porque a sua perspectiva de poder futuro minguou”.
Quer dizer, a conclusão seria de que o bolsonarismo estaria sendo derrotado, ou enfraquecido, sendo substituído pela “centro-direita”. Naturalmente, a esquerda também estaria sendo substituída por esse setor.
No entanto, se podemos, de fato, afirmar que a esquerda está mergulhando de cabeça numa política fracassada, ajudando a recuperar o setor tradicional da direita, o mesmo não pode ser dito sobre o bolsonarismo, cujos resultados da eleição mostraram um avanço.
Aldo reconhece o fracasso da esquerda. Ele diz que “nesses quase dois anos de governo sofrível e confuso [Lula], sem capacidade de conferir um sentido e um rumo estratégicos ao país, e com o resultado das eleições municipais, Lula ficou enfraquecido na perspectiva de poder futuro e enquanto centro de atração de aliados. Lula, ao contrário do PT e da esquerda, não saiu propriamente derrotado das eleições, mas saiu enfraquecido pelas derrotas de seus apoiadores mais fiéis e históricos”.
O motivo do fracasso da esquerda apresentado por Fornazieri, entretanto, é falso. Finalmente, o PT não conseguiu ganhar votos em cima da polarização porque se aproximou cada vez mais da direita dita democrática, ou seja, da tal “centro-direita”. O PL fez o contrário, foi cada vez mais à direita, aproveitando o apoio que teve em âmbito nacional nas eleições de 2022.
Sua análise sobre a direita também é equivocada. “A centro-direita, contudo, tem dois grandes problemas: 1) não tem um líder que a unifique e nem tende a tê-lo; 2) Não há coesão nem entre os partidos e nem dentro dos partidos. Por exemplo: tanto no MDB, quanto no PSD, seus representantes do Nordeste e Norte tendem mais para o campo progressista, enquanto no centro-sul, tendem mais para o campo conservador. A questão que se coloca é se o Tarcísio de Freitas poderia ser esse líder agregador. Ele saiu fortalecido com a vitória de Nunes, mas com a imagem arranhada ao cometer crime de abuso de poder contra a campanha de Boulos. Mostrou que não tem afeição com a democracia”.
“O PL, o quinto em número de prefeituras conquistadas, fará uma opção de extrema-direita em 2026. Assim, o PSD, o MDB, o PP e o União Brasil, os quatro primeiros colocados pela ordem, terão papeis importantes na definição do cenário das eleições presidenciais no campo de centro-direita. Gilberto Kassab, que já declarou que estará com Tarcísio em qualquer circunstância, será um dos grandes caciques nesse processo”, afirma.
Finalmente, com as próprias questões colocadas por Aldo, não se pode chegar à conclusão que o bolsonarismo está se enfraquecendo, pois os partidos da “centro-direita” são justamente os partidos que serão a base de apoio político ao bolsonarismo. Aliás, se comparado com 10 anos atrás, a tal “centro-direita” deu uma guinada muito mais à direita. Não apenas pelo deslocamento para o PSD, o PP e o União Brasil e o enfraquecimento do bloco MDB-PSDB, como os próprios políticos desses partidos estão mais direitistas.
O caso de São Paulo, por exemplo, é enganoso. A vitória de Ricardo Nunes (MDB) é uma vitória do bolsonarismo no sentido de que sua votação se deu, em grande medida, devido ao apoio de Bolsonaro a sua candidatura. São votos, consequentemente, para a extrema direita, e não para a “centro-direita”. Sem contar no fato de que a política de Nunes está cada vez mais próxima da extrema direita.
Acreditar, portanto, num enfraquecimento do bolsonarismo é cair no conto da fantasia cor-de-rosa que o PT tenta apresentar. Dizer “tudo está bem” quando tudo está mal.
Aldo ainda afirma que “Lula está numa encruzilhada” e, “para garantir a governabilidade dos dois últimos anos terá que ceder ainda mais espaço nos ministérios aos partidos de centro-direita. Caso contrário terá grande dificuldade de aprovar qualquer coisa no Congresso”.
Quer dizer, mesmo reconhecendo o fracasso da política do governo do PT, Aldo insiste em aprofundar a mesma tática falida: a política de acordos institucionais para tentar conquistar algumas migalhas para o povo. Como temos visto, isso tem fracassado absolutamente.
Por tirar a conclusão errada de que a “centro-direita” venceu as eleições deste ano, Aldo tira a conclusão errada também no que diz respeito à política do PT e de Lula. As eleições de 2022 mostraram que o único apoio de Lula é o povo e, portanto, se quer adotar o programa pelo qual foi eleito, o presidente precisa se apoiar na mobilização popular e ir cada vez mais à esquerda.