A campanha da imprensa burguesa contra o Irã aumenta conforme o país se torna uma potência de destaque no Oriente Médio. A grande guinada aconteceu no dia 14 de abril, quando o Irã atacou “Israel” pela primeira vez em sua história, mudando a correlação de forças na região. Uma das principais calúnias da imprensa é que governo é uma teocracia. O jornal O Globo publicou o artigo O Irã fundamentalista é aqui, querendo relacionar os evangélicos brasileiros, que seriam uma espécie de fanáticos bolsonaristas, com o governo do Irã, que seria o representante dos fanáticos islâmicos.
O artigo começa: “com um pouco de exagero, o conservadorismo brasileiro pode ser equiparado ao fundamentalismo iraniano”. Ele segue: “em outra mão, o conservadorismo se reflete nos índices de violência. Os comunicados da ONU, dada nossa diminuta relevância mundial, pouco se referem às chacinas habituais ocorridas nas cidades brasileiras ou no campo e só citam por vezes o trágico extermínio dos povos originários. Reflexo do descaso planetário provocado pelo reconhecimento de que o Brasil é de fato um lugar estranho. Haja vista que a extrema direita agora deseja tirar a praia dos pobres. Vai-se o fio dental, e ganha-se um pastor”.
A relação dos evangélicos com a privatização da praia é um tanto exagerada. Mas mostra as tendências do artigo, de afirmar que tudo que é de direita seria ligado ao movimento neopentecostal. O que não é uma realidade, pois a pior direita brasileira, o PSDB, os monopólios da imprensa, os banqueiros, não são evangélicos – são, inclusive, os responsáveis pelo Globo.
O artigo segue: “numa régua simples, o Brasil aos poucos se transforma no Irã da América Latina. Em 1925, o físico Albert Einstein, em sua visita à região, já notava que o Uruguai tinha modernidade nos costumes e trato bem maior se comparado ao Brasil. Enquanto na terra de Noel e Guimarães Rosa se criminalizam muitas das liberdades individuais, países vizinhos, sem serem ateus ou agnósticos, muito pelo contrário, superaram a imaginária lei divina escrita pelos suspeitos de sempre. Naquelas terras, são os homens de carne e osso que legislam. Tanto as sociedades locais, seja por meio de plebiscitos ou de seus políticos, quanto o Judiciário reconheceram os direitos individuais, a despeito de crenças religiosas ou fundamentalistas”.
É interessante que o autor escolha o Irã como exemplo, como se o país fosse dominado pelos mais reacionários grupos religiosos. Ele ignora completamente que, na realidade, esse aspecto brasileiro tem muito mais semelhanças com o país que domina o Brasil, os EUA. Os neopentecostais vieram diretamente dos EUA, a bancada evangélica é uma cópia direta dos EUA. O Islã xiita do Irã é uma religião tradicional do país que assume características nacionalistas. Seu análogo do Brasil seria um catolicismo muito ligado ao movimento operário, uma espécie de teologia da libertação que tomou o poder em meio a uma revolução.
Mas o objetivo do autor não é fazer uma análise real, é atacar a religião como grande mal do Brasil e, ao mesmo tempo, atacar o Irã. Ele cita alguns avanços em outros países da América Latina: “Argentina, Uruguai e Colômbia estão à frente em vários princípios morais. Em 2022, a Colômbia descriminalizou o aborto até 24 semanas. Dois anos antes, a Argentina fez o mesmo para gestação até 14 semanas. E o Uruguai? Aprovou a interrupção em 2012. A Cuba de Fidel, em 1968. O Chile aguarda somente sua regularização. No mundo, 77 países, com diferentes nuances, já atualizaram favoravelmente suas legislações”.
Isso é interessante, pois a direita brasileira sempre foi totalmente contra o direito ao aborto. Não é algo novo da bancada evangélica e não é apenas uma política desse movimento. O bolsonarismo, assim como toda a extrema direita mundial, é contra esse direito. No Brasil, inclusive, essa luta foi tradicionalmente levada adiante pela igreja católica. Nas eleições de 2018, a “democrática” Igreja dirigida pelo Papa Francisco exigiu que Haddad abandonasse a reivindicação do direito ao aborto para que lhe concedesse apoio.
Ele então cita o caso atual: “no Brasil dos pastores, a Câmara aprovou na semana passada a urgência de proposta de lei que piora ainda mais a legislação contra o aborto. De autoria do deputado Sóstenes Cavalcante, o aborto, se realizado após a 22ª semana, estará equiparado ao homicídio. O prazo vale também para as vítimas de estupro. Ainda segundo a redação, a vítima de violência sexual terá uma condenação superior à do estuprador”. O Globo quer convencer os leitores de que quem manda no Brasil são os pastores. Os grandes monopólios que estão por detrás da imprensa burguesa seriam progressistas e defensores do aborto. É uma distração, querem jogar a culpa de tudo nas costas do bolsonarismo quando é o imperialismo quem mais oprime todos os brasileiros.
Isso fica ainda mais claro quando o artigo cita a manobra da legalização da maconha: “assim como o aborto, a criminalização da Cannabis penaliza a população pobre — o que sempre é lembrado pelo presidente do Supremo, Luís Roberto Barroso. O Brasil desponta como terceira maior população carcerária do mundo, e um terço das penas se dá pela lei de drogas. Como ressalta o ministro, em geral são jovens negros. Vale lembrar, as maiores vítimas de homicídio nos índices de violência no Brasil”. O Globo quer que os leitores acreditem que o STF é o grande amigo da população carcerária. O mesmo STF que votou a favor da prisão em segunda instância, algo totalmente inconstitucional.
O artigo é mais uma tentativa do golpe da “democracia”. Os maiores inimigos dos trabalhadores, os representantes do imperialismo no Brasil, supostamente defendem a legalização do aborto e da maconha. Por isso, eles seriam menos piores que o bolsonarismo. Se isso fosse verdade, o PSDB ainda existiria como força política nacional. Mas a questão é que muito mais importante que o aborto é a questão econômica geral da nação. Nesse sentido, O Globo defende uma destruição muito maior do que os pastores e o bolsonarismo. Isso ficou comprovado com dois anos de governo Temer e quatro anos de governo Bolsonaro.
O que volta à questão do Irã. Primeiro que o Irã consta na mesma categoria que o Brasil no quesito direito ao aborto, é legalizado em algumas circunstâncias. Está a frente de países latino-americanos, inclusive com governos de esquerda. Além disso, o governo xiita do Irã é oposto total ao setor da direita que O Globo representa. É um governo nacionalista, um dos mais radicais do mundo. Ele surgiu, inclusive, lutando contra a ditadura imposta pela CIA daqueles que se diziam os “grandes defensores da mulher”.
As mulheres em 1979 foram agentes centrais da revolução. Elas não apoiavam o rei “moderno”, apoiavam o aiatolá Khomeini, e até hoje seguem apoiando o governo da República Islâmica do Irã que, em quesito Oriente Médio, não é nenhum grande opressor das mulheres como a burguesia tenta fazer os brasileiros acreditarem.