Em artigo publicado no portal Brasil 247 e intitulado De onde saiu essa gente?, o colunista Moisés Mendes tenta responder o ministro da Fazenda Fernando Haddad, na qual indaga, ao comentar o crescimento da extrema direita nas eleições municipais: “nos perguntamos. De onde saiu essa pessoa? De onde saiu esse sujeito? Como é que essa pessoa tem 30% dos votos?” O autor responde:
“É mais cômodo atribuir, sob espanto, toda a avalanche de votos da direita às aberrações do bolsonarismo. Porque assim as esquerdas se livram dos constrangimentos de outras explicações.
E as outras explicações podem ser buscadas no fato de que a nova direita ressuscitou a velha direita em meio aos erros e à apatia contemplativa do PT e das esquerdas.”
Mais cômodo, porém, é fugir do questionamento, como faz Mendes, o que implica em não responder a indagação concretamente. Ao fazê-lo,pode perfeitamente sair-se com um enigmático “erros e à apatia contemplativa do PT e das esquerdas”, sem falar qual o erro concretamente. Isso obrigaria uma discussão sobre o ponto central de toda a discussão, que é o papel fundamental PSDB e dos demais partidos da direita dita “civilizada”, que ganharam uma meia-vida com a loucura da esquerda.
O ponto central que Mendes evita abordar em seu artigo é o abandono total da esquerda de qualquer defesa genuína dos trabalhadores. Ao invés disso, adota uma política baseada em alianças formais entre blocos políticos, sem qualquer substância social real.
Essa política, vazia de um conteúdo que represente os interesses da classe trabalhadora, pavimentou o caminho para a desmoralização da própria esquerda. Quando se perde a conexão com as bases sociais, torna-se impossível oferecer uma alternativa à direita, e a esquerda acaba por se concentrar apenas na manutenção de sua influência institucional.
A partir desse abandono, a política da esquerda se resumiu a derrotar o campo do bolsonarismo, como se isso fosse a solução de todos os problemas. Derrotar o bolsonarismo tornou-se mais importante do que enfrentar os verdadeiros responsáveis por sua criação: a mesma burguesia que se reorganizou nos partidos da direita tradicional, como o PP e o União Brasil. Com essa estratégia, a esquerda passou a ignorar o fato de que essa direita tradicional, responsável pelo golpe de 2016 e pela proscrição de Lula em 2018, continua viva e forte, ocupando os espaços de poder que antes estavam nas mãos do PSDB.
O resultado dessa política campista foi trágico. Ao unir-se com os partidos que criaram as condições para o golpe, a esquerda permitiu que a direita golpista sobrevivesse e se fortalecesse. O campo político que deveria ter sido destruído por completo — o da direita tradicional e neoliberal — foi preservado e, agora, continua a ameaçar qualquer avanço progressista. A política de alianças oportunistas, em vez de desarticular a direita, garantiu sua sobrevivência em novas formas, enquanto a esquerda continuava a ser desmoralizada.
O status quo da paróquia foi reabilitado com o desgaste das esquerdas locais e a redescoberta, com os PIX dos emendões e outros fatores, de que a velha direita, com seu poder econômico, não precisava se render totalmente ao bolsonarismo. Foi de onde saiu essa gente, companheiro.
Quando Mendes afirma que “o status quo da paróquia foi reabilitado com o desgaste das esquerdas locais”, ele atribui a um místico “desgaste” a responsabilidade pelo ressurgimento de figuras direitistas, como se esse desgaste fosse um fenômeno natural e inevitável. Essa leitura é conveniente, pois desvia a atenção do problema real: a traição representada pela frente ampla, que, ao promover a aliança da esquerda com a direita neoliberal, permitiu o ressurgimento desses setores. Mendes não faz essa crítica porque, ao fazê-lo, seria obrigado a reconhecer que a própria frente ampla que ele defende foi responsável por fortalecer a direita.
Essa ocultação não é acidental. Mendes tenta encobrir o papel derrotista da frente ampla justamente para permitir que a aliança entre a esquerda pequeno-burguesa e o que restou do antigo PSDB continue, assegurando futuras derrotas. Ao culpar um “desgaste” das esquerdas locais, ele omite a verdadeira causa: a colaboração ativa com setores que foram, e continuam a ser, inimigos da classe trabalhadora. Essa omissão serve ao propósito de manter intacta essa aliança, ao custo de desmoralizar ainda mais a esquerda e preparar o terreno para novas derrotas políticas.