O historiador e membro da direção nacional do grupo psolista Resistência Gibran Jordão publicou, no órgão Esquerda Online, uma série de considerações sobre a conjuntura política atual, sob o título A saúde de Lula e as enfermidades da esquerda brasileira. O artigo defende que “não há tarefa maior para nossa geração, que não seja derrotar historicamente a extrema direita brasileira, em especial o bolsonarismo e isso não será possível sem a construção de uma frente única com a CUT, MST, o PT e o próprio Lula”, uma colocação confusa, já que a extrema direita e o bolsonarismo não são mais do que expressões de um fenômeno mais importante, que é o deslocamento constante e crescente da burguesia à direita. Longe disso, a análise de Jordão estabelece – em uma das raras menções feitas à burguesia no longo texto – preocupação com a possibilidade de o Brasil se tornar “refém de uma fração da burguesia brasileira de pensamento colonial, reacionário e conservador”.
A colocação vale principalmente pelo que não diz, mas deixa subentendido, que é a suposta existência de “uma fração da burguesia brasileira” que não se encaixa no que o dirigente do Resistência caracteriza como “colonial, reacionária e conservadora”. Esta brecha não é inocente, mas fruto de uma defesa da frente ampla, a união derrotista das forças da esquerda com as forças falidas da direita tradicional, que só não foram completamente enterradas devido à capitulação do campo progressista, que ao escamotear a luta de classes pela luta entre campos políticos, alia-se com essa ala da direita, mais umbilicalmente ligada ao imperialismo e, por isso mesmo, mais ferozmente neoliberal. Isso fica explícito no trecho abaixo:
“Nem mesmo quando se abre uma brecha histórica para colocar na cadeia generais golpistas e o principal líder da extrema direita no Brasil, há poucas iniciativas por parte das direções petistas em fortalecer um processo de lutas que coloque a palavra de ordem ‘sem anistia’ na boca das massas proletárias de todo país.”
Ocorre que nem esta ofensiva contra a extrema direita está sendo empreendida pela esquerda e nem a prisão do general Braga Netto depende do campo ligado aos interesses dos trabalhadores. São as forças restantes da direita tradicional, encasteladas nas altas esferas da burocracia estatal, que protagonizam esses movimentos.
Tampouco é verdade que existam “poucas iniciativas” para impulsionar “a palavra de ordem ‘sem anistia’” entre os trabalhadores. O que ocorre é que a palavra de ordem é, além de reacionária, ruim, não sensibiliza os trabalhadores e nem mesmo a própria esquerda pequeno-burguesa a quem a palavra de ordem se dirige, mesmo com toda a agitação dos órgãos do imperialismo como Estadão, Folha e Globo, e também dos propagandistas esquerdistas em geral. Curiosamente, Jordão faz um alerta:
“Vamos nos lembrar que se trata de prisões provisórias, que há uma luta política em curso, e que não é correto terceirizar o combate aos golpistas para o STF, a palavra de ordem ‘Sem Anistia’ precisa estar na pauta prioritária da esquerda em geral, associada as lutas que mobilizam.”
De fato, terceirizar o “combate aos golpistas” é uma péssima tática, porém é exatamente o que o dirigente do Resistência defende, a despeito de suas considerações. Jordão parece entender o quanto a política que está defendendo é negativa e procura se afastar de acusações similares, porém, a despeito do que escreve, não é possível esconder que a defesa do “Sem Anistia” como reivindicação implica, necessariamente, na aceitação de que a PF e o STF podem ser não apenas aliados, mas instituições confiáveis para a luta pelos interesses dos trabalhadores.
Essa é outra razão, finalmente, pela qual “sem anistia” não é uma reivindicação popular, nem mesmo entre aqueles a quem ela se dirige. É uma palavra de ordem voltada, acima de tudo, à inércia, à ação da PF e do Judiciário, como se os interesses da esquerda fossem ser defendidos pela burguesia, o que está radicalmente fora da realidade.
É perceptível que existe uma negociação entre o imperialismo e o bolsonarismo. Os termos não são públicos e é normal que não sejam, uma vez que se trata de distintos representantes da classe dominante, verdadeiros criminosos donos do Estado e negociando entre si como farão para atacar o povo brasileiro não só com a máxima dureza, mas também com eficiência.
“Ter noção das proporções históricas é o primeiro passo para começar o próximo ano conscientes das tarefas que temos pela frente, e entre as mais importantes, está a capacidade de construir um movimento unitário que levante a bandeira da consigna ‘sem anistia’ em todos os cantos do país, nas ruas e nas redes sociais. A prisão definitiva de generais de quatro estrelas e de Bolsonaro está na ordem do dia e precisa ser encarada como parte da luta política e ideológica contra aqueles que querem destruir a constituição de 88 e os pequenos avanços democráticos que conquistamos após o fim da ditadura militar. A prisão dos golpistas não é a garantia de uma derrota definitiva da extrema direita brasileira, mas é um salto de qualidade na disputa política contra essas forças reacionárias e conservadoras.”
Com essa perspectiva em mente e a clareza de que, no final, todo o protagonismo da “tarefa maior para nossa geração” reside nos inimigos dos trabalhadores entrincheirados na PF e no STF, o que temos concretamente é uma terceirização da luta política. A “construção de um movimento unitário” não é outra coisa senão a manutenção da tática derrotista que colocou a esquerda brasileira a reboque do imperialismo, celebrando as arbitrariedades do STF e no papel de torcedora da PF e de “prisões definitivas” que jamais acontecerão, porque implicariam, acima de tudo, em uma burguesia enlouquecida, que resolveu minar seu aparelho de repressão, sabe Deus por que razão.
A verdadeira “tarefa maior para nossa geração” reside em lutar contra o imperialismo, a maior máquina de matar da história da humanidade. Nesse sentido, é preciso lutar pela independência política da classe trabalhadora, para afastar das fileiras operárias a influência da política do imperialismo e, com isso, permitir um desenvolvimento político maior, capaz de enfrentar os verdadeiros inimigos dos trabalhadores, que não são uma pessoa, um grupo ou mesmo um setor da direita, mas a burguesia, organizada pela direita de conjunto – inclusive os que hoje atropelam as garantias constitucionais para atirar detratores ao cárcere, mesmo que no próprio campo.
A independência política é o que permitirá à esquerda reconhecer que nada do que a PF e o STF fazem implicará em qualquer ganho para os trabalhadores.