O desavisado que se deparar com o artigo Promotor do Tribunal Penal Internacional pede prisão para Netanyahu, assinado pelo Opinião Socialista, do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), acabará tendo a impressão de que um dos piores organismos imperialistas já criados acaba de tomar uma medida que seria praticamente revolucionária. Não bastasse o título – que, conforme veremos, esconde um aspecto fundamental da decisão do promotor em questão -, o PSTU inicia assim o seu artigo:
“Karim Khan, o principal promotor do Tribunal Penal Internacional (TPI) pediu o indiciamento e mandado de prisão para os criminosos sionistas Binyamin Netanyahu e o seu ministro de Defesa, Yoav Gallant, por crimes de guerra e crimes contra a humanidade, entre os quais utilizar a fome como arma de guerra, e impedir o acesso à ajuda humanitária. A decisão do promotor representa mais uma derrota para Netanyahu ao ampliar seu isolamento internacional e pressionar pelo cessar-fogo e a troca de presos israelenses por presos políticos palestinos.”
O problema não está propriamente no que a agremiação morenista diz, mas sim no que ela não diz. Nem no título, nem nos dez primeiros parágrafos, o PSTU explica que, ao mesmo tempo em que Karim Khan pediu a prisão de dois vagabundos que integram o governo israelense, o procurador pediu a prisão dos três principais líderes da revolução palestina em curso: Ismail Hanié, líder do Movimento de Resistência Islâmica (Hamas, na sigla em árabe), Yahya Sinuar, o maestro da Operação Dilúvio de al-Aqsa, e Muhammad Deif, líder das Brigadas al-Qassam. Essa informação consta apenas na parte final do artigo, como se fosse uma mera observação:
“O Promotor também pediu o indiciamento e mandado de prisão para três líderes do Hamas, Ismail Haniyeh, Yahia Sinwar e Mohammad Deif por crimes de guerra e contra a humanidade, entre os quais o assassinato de centenas de civis israelenses nos ataques de 7 de outubro. O Hamas corretamente protestou contra a decisão do promotor ‘ao igualar a vítima ao executor’ encorajando, na prática, Israel a dar continuidade ao genocídio em Gaza.”
Segundo o PSTU faz entender, portanto, a medida do procurador teria sido algo positivo, de modo que o pedido de prisão dos líderes da resistência teria sido um mero “defeito”. Isso fica claro na conclusão do artigo:
“A decisão do promotor de pedir o indiciamento dos criminosos sionistas é positiva mesmo que tardia. O atraso se deve às pressões dos países imperialistas em defesa do criminoso Estado de Israel. O indiciamento dos líderes do Hamas é errada e também se deve às pressões imperialistas de igualar a vítima ao agressor.”
Essa é a posição do PSTU, e não do Hamas. O grupo guerrilheiro, em sua nota, não atribui sentido positivo algum à decisão. Pelo contrário. O que o Hamas fez foi dizer que acompanhou “os mandados de prisão e detenção emitidos hoje pelo Procurador do Tribunal Penal Internacional contra apenas dois criminosos de guerra da entidade sionista” e que tais mandados “chegaram com sete meses de atraso, durante os quais a ocupação ‘israelense’ cometeu milhares de crimes contra civis palestinos, incluindo crianças, mulheres, médicos e jornalistas, e destruiu propriedades públicas e privadas, mesquitas, igrejas e hospitais”. Não é uma nota de celebração, mas sim de crítica da ineficiência e até, em certo sentido, do cinismo do organismo.
Se a agremiação morenista faz um balanço positivo da prisão de autoridades israelenses versus a prisão de lideranças palestinas, é porque considera que:
a) O Hamas seria um inimigo pior que o Estado de “Israel”;
ou
b) As autoridades israelenses seriam tão importantes e tão poderosas que valeria à pena abrir mão da liberdade dos líderes da resistência para ver a prisão dos responsáveis pelo genocídio do povo palestino.
A primeira hipótese é absurda e abjeta. Faria do PSTU uma organização abertamente sionista, que defende a limpeza étnica de todo um povo em nome de uma suposta “guerra ao terror”. A segunda, ainda que não seja uma tese tão explicitamente sionista, é, no final das contas, uma capitulação vergonhosa diante da propaganda sionista. Para crer nessa tese, seria preciso acreditar que o Estado de “Israel” estaria vencendo no campo de batalha, de tal modo que, para os palestinos, seria positivo ver seus líderes serem presos em troca da prisão de menos de meia dúzia de burocratas israelenses.
Essa tese, além de estar completamente fora da realidade, uma vez que é a sociedade israelense que está em crise, e não a resistência, acaba empurrando o PSTU para o colo do imperialismo. Afinal, se a resistência está sendo derrotada por “Israel”, a única salvação seria se ajoelhar perante o imperialismo e pedir que salve o povo palestino. É o que faz o PSTU:
“O TPI foi formado em 2002 baseado no Estatuto de Roma e, atualmente, 124 países acatam sua jurisdição. Se os mandados de prisão forem emitidos, todos os 124 países estão obrigados a prender os indiciados. Os especialistas em direito internacional saudaram a decisão do promotor e temem pela enorme pressão dos países imperialistas em defesa dos criminosos israelense.”
Sem fazer qualquer consideração do que seja o TPI, o PSTU cita supostos especialistas que teriam saudado a decisão. O PSTU ignora, por exemplo, que há não muito tempo, o mesmo tribunal emitiu um pedido de prisão para Vladimir Putin, demonstrando sua total subserviência ao imperialismo norte-americano. É esse mesmo organismo podre, que jamais cogitou pedir a prisão de Joe Biden ou de Vladimir Zelenski, que hoje é apresentado como uma instituição respeitável.
O que qualquer um que não esteja a reboque do imperialismo faria neste caso é, em primeiro lugar, desconfiar: o objetivo do TPI é de fato prender Benjamin Netaniahu? Que motivos levam a crer isso? Trata-se justamente do oposto. O pedido de prisão mal menciona os crimes de guerra de Netaniahu, enquanto classifica as ações revolucionárias do Hamas como crime. E mais: se baseia em um pedido feito pelos sionistas, e não pelos países oprimidos.
A medida proposta por Karim Khan não é nem positiva, nem parcialmente positiva. Considerando o que é o TPI e considerando de onde veio o pedido, fica claro que não se trata do resultado de uma “pressão” para que o imperialismo ponha Netaniahu atrás das grades, mas, acima de tudo, de um jogo de cena do imperialismo e do sionismo para aumentar a pressão sobre a resistência palestina. E o PSTU, de tão ideologicamente vinculado ao imperialismo que é, caiu como um patinho na jogada e comemorou como se Tio Sam estivesse prestes a libertar o povo palestino.