O colunista do portal Brasil 247, Moisés Mendes, publicou, neste 1º de novembro, artigo intitulado O que o estagiário do Supremo já sabe, no qual veicula pela enésima vez sua fé mitológica nos poderes “antifascistas” do Ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Alexandre de Moraes.
Para defender suas teses, Mendes se vale agora da imagem do “estagiário”. O estagiário é o novato, o iniciante, aquele que possui pouca experiência e é dotado, em geral, do conhecimento mais elementar, básico, das coisas. Pela lente do “estagiário”, Mendes professa a sua visão sobre o papel do STF e, em particular, de Alexandre de Moraes na luta política atual e, com isso, atribui aos seus pontos de vistas o caráter de “verdades elementares” ou mesmo algo que seria uma obviedade para todos.
O que o estagiário de Mendes já sabe?
Ele já sabe que “a guerra Congresso X Supremo é mais do que uma briga por anistia a golpistas subalternos”; que “a anistia é para poupar todo mundo, e não só os manés do 8 de janeiro” e que “se a anistia passar, a porteira estará aberta para toda a boiada do fascismo”.
Ele sabe que “o poder civil e fardado, mesmo fora do poder, como aparentemente estaria agora, se rearticula todos os dias, dois anos depois da tentativa de golpe”.
Ele também já sabe que “tem gente inalcançável nesse inquérito [das fakes news]”, gente essa que “não perde uma só disputa na Justiça paroquial das cidades onde mora”. É por isso que, segundo o que o estagiário já sabe, “sem Alexandre de Moraes, ninguém saberia como estaríamos hoje, e que por isso ele pediu para estagiar no gabinete do ministro”. O estagiário, inclusive, “sabe até que ministros do próprio Supremo não sabem de onde Moraes tira tanta força”.
E a sabedoria do estagiário de Mendes não para por aí. Ele também “conhece as tentativas da extrema direita de fragilizar Moraes e entende por que a grande imprensa está ao lado dos ameaçadores”.
Ele sabe “que o desfecho do embate entre STF e Congresso vai determinar o que será de todos nós a partir desse ano” e, mais importante ainda, que “as esquerdas derrotadas nas urnas dependem ainda mais da bravura de Alexandre de Moraes”.
O confronto Congresso x Supremo
Mendes não entende a natureza real do conflito entre o STF e Congresso dominado ou sujeito ao bolsonarismo. Para ele, trata-se do conflito entre “democracia”, representada pelo STF, e “ditadura” (ou “fascismo”), representada pelo Congresso bolsonarista. Mendes advoga a defesa de uma “democracia” em abstrato, uma mitologia política que nunca é explicada.
Em favor dessa fantasia política, Mendes deixa de lado o guia necessário para compreender a realidade: a luta de classes. Rui Costa Pimenta, presidente nacional do PCO, analisou, em polêmica com o dirigente petista Valter Pomar, o embate STF x extrema direita à luz do marxismo, isto é, da luta de classes. Suas colocações são didáticas:
“Na crise brasileira, há quatro classes fundamentais envolvidas: a burguesia imperialista, a burguesia nacional brasileira, a classe média e a classe operária. A pergunta fundamental é a quais dessas classes sociais correspondem os principais atores da crise política: o STF, o Congresso Nacional, a direita bolsonarista, a direita tradicional e a esquerda institucional? Mais especificamente, qual é o caráter de classe, social, do conflito entre o STF e a extrema-direita bolsonarista? Não pode haver qualquer dúvida de que a posição do STF (bem como dos partidos da direita tradicional, o grande capital nacional) responde à política do imperialismo mundial (Biden, etc.), o que ficou provado acima de dúvidas pelo seu papel no golpe de 2016. Mais propriamente, a atual política do STF é uma cópia do que o imperialismo norte-americano vem fazendo nos EUA. Bolsonaro, por sua vez, é apoiado por setores menores da burguesia brasileira, o que também é muito evidente.”
A análise da luta política nacional travada no último período não deixa lugar a dúvidas. O STF, e mais ainda o Ministro Alexandre de Moraes, não cumpriram qualquer papel relativo à defesa da “democracia”. O STF foi uma peça fundamental do golpe de Estado de 2016, que derrubou o governo de Dilma Rousseff e prendeu por 580 dias o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A ascensão da extrema direita no Brasil ganhou impulso efetivamente em meio a esse processo golpista, como um dos seus elementos fundamentais para derrubar as forças da esquerda.
O embate com o bolsonarismo por parte do STF não responde a imperativos democráticos. O STF atua como uma ferramenta de uma dada força política ― o imperialismo e a direita tradicional ― contra outra. O fundamento de tal luta nada tem a ver com considerações democráticas. O imperialismo busca conter a extrema direita precisamente porque ela, respondendo a interesses de setores da burguesia relativamente destoantes dos setores fundamentais daquele, adquiriu um nível de autonomia indesejado. É que acontece nos EUA, com Trump, representante de setores médios da burguesia norte-americana, cuja política se diferencia, em alguma medida, daquela preconizada e defendida pela burguesia imperialista.
A “bravura” de um ditador de toga
O aprendiz imaginário de Moisés Mendes quer estagiar no gabinete de Alexandre de Moraes. Ele admira seu herói, admira sua “força” e conclui que, uma vez derrotada nas urnas, a esquerda deve se jogar ainda mais nos braços de Moraes.
Jogar-se ainda mais nos braços de Moraes significa tudo, menos fortalecer a luta contra o bolsonarismo. Moraes é, atualmente, a principal representação da ditadura da toga no país. É o homem do Poder Judiciário que vem liderando as principais e mais amplas iniciativas de ataques aos direitos e garantias democráticos.
Alexandre Moraes censura não só perfis nas redes sociais, mas mesmo redes inteiras. O recente caso da plataforma X no Brasil é o exemplo mais claro disso. Ele censura perfis e redes em nome do combate ao que chama de “discurso de ódio”. Trata-se, finalmente, de um discurso, uma opinião, uma manifestação do pensamento, independentemente do conteúdo que expresse. Moraes é o grande censurador do país e, agora, ganhou um concorrente de peso, na figura de também Ministro do STF, Flávio Dino, que inaugurou o mais novo período de proibição e censura de livros.
Principal incentivador da censura no país, Moraes também é um elemento de vanguarda na instituição de processos judiciais nas quais os direitos e garantias processuais dos réus são atropelados pelos mandos e desmandos do juiz. Condenações sem provas, baseadas em acusações genéricas, que não especificam a conduta criminosa e, portanto, inviabilizam a defesa processual, são também uma das suas especialidades. Sua atuação judicial vai, de maneira gradativa, remodelando o arcabouço jurídico e processual brasileiro, de maneira a criar uma sistema judicial digno dos tempos da Inquisição medieval.
Se defender a “democracia” significa defender a atividade de Alexandre de Moraes e do STF, então é necessário concluir que tal “democracia” é na verdade uma estrutura profundamente antidemocrática. É o regime da arbitrariedade judicial, é o regime da ditadura da toga, das forças armadas e da polícia. Essa defesa leva, como complemento lógico, ao abandono dos verdadeiros direitos democráticos, o principal dos quais sendo justamente a liberdade de expressão.
A história mostra que as medidas antidemocráticas que a burguesia utilizou para controlar o fascismo antes da sua subida ao poder, como a proibição de milícias, desarmamento, a censura, em nada afetaram os fascistas e serviram, ao contrário, para facilitar a subida do fascismo ao poder sendo utilizadas contra a classe operária. No Brasil é exatamente isso que acontece. O bolsonarismo só cresce, e as recentes eleições municipais comprovaram esse fenômeno.
O estagiário imaginado por Moisés Mendes, mais do que um jovem aprendiz, se comporta como uma tiete de um ditador de toga. Ele não sabe, de fato, absolutamente nada.