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Brasil

Por que quem deu o golpe de 2016 agora seria ‘legalista’?

A esquerda deveria aprender com os erros históricos e compreender que, ao pedir repressão para o Estado, cria uma armadilha para si mesma

Florestan Fernandes Jr. publicou no último dia 21, no portal Brasil 247, uma coluna intitulada Ainda estou aqui exigindo Justiça, clamando para que o Judiciário brasileiro reprima “exemplarmente” os supostos golpistas, acusados pela Polícia Federal de conspirarem contra o governo. Até o momento, sequer uma denúncia da Procuradoria Geral da República foi apresentada contra eles. Mesmo assim, Fernandes Jr. se mostra convencido de que o mesmo Judiciário que apoiou o golpe de 1964, sustentou a Ditadura Militar e deu aval para a destruição de direitos nos últimos anos, será agora o grande herói da democracia.

No texto, Fernandes Jr. declara que:

“As instituições da justiça têm a responsabilidade histórica de punir exemplarmente os golpistas verde-oliva e aderentes. Nós, cidadãos, temos o dever histórico de zelar pela democracia, não esquecendo o passado.”

Aparentemente, Fernandes Jr. crê que basta invocar a “responsabilidade histórica” do Judiciário, e como num passe de mágica, ele irá transformar sua trajetória reacionária em uma cruzada pela justiça. Ignora que o mesmo aparato repressivo que ele agora incita foi, e continua sendo, um braço ativo da burguesia brasileira, agindo para manter o País submisso aos interesses imperialistas. Ou será que o autor esqueceu o emblemático “com o Supremo, com tudo”, de Romero Jucá, explicando a costura do golpe de 2016?

Na sua ânsia por punições, Fernandes Jr. falha em compreender que não estamos lidando com indivíduos agindo de forma isolada, mas com um sistema que desde a Ditadura Militar foi desenhado para esmagar qualquer movimento que ameaçasse os interesses das elites. Nem o golpe de 1964, nem a Ditadura Militar, nem a Lei de Anistia foram resultado de caprichos de generais ou políticos oportunistas, mas de uma classe social que controlava e ainda controla os destinos do País.

A Lei de Anistia de 1979 é um exemplo clássico. Ao contrário do que Fernandes Jr. sugere, não foi um “erro de julgamento” ou uma concessão ingênua. Foi uma manobra calculada para garantir que a linha dura do regime militar permanecesse intacta, pronta para entrar em ação assim que necessário. A anistia não foi um ato de pacificação, mas de preservação do sistema. Essa preservação, aliás, incluiu o fortalecimento do Judiciário como um instrumento ao serviço dessa classe dominante.

O autor ainda tenta romantizar o papel das instituições, enquanto esquece que a repressão no Brasil sempre teve como alvo principal a esquerda e o povo trabalhador. A Justiça, que Fernandes Jr. tanto exalta, esteve de mãos dadas com a ditadura ao criminalizar sindicatos, partidos políticos e movimentos populares. Nos últimos anos, foi a mesma Justiça que desmontou a indústria nacional, prendeu lideranças políticas de oposição e abriu caminho para a entrega do País às mãos do capital estrangeiro.

Mesmo ao abordar a Lei de Anistia, Fernandes Jr. diz que:

“A impunidade nos trouxe até aqui, sofrendo as mesmas ameaças de um passado sombrio. Em 1979, a Lei de Anistia, cunhada no governo do general João Figueiredo, sob o pretexto de permitir o regresso dos exilados políticos, premiou com anistia os crimes cometidos pelos militares golpistas durante a ditadura, uma das mais violentas do mundo. A anistia aos torturadores foi uma condição imposta pelos militares aos civis. Ou seja, a redemocratização no Brasil se deu em um ambiente de ameaças, chantagem e coação. Importante ressaltar que muitos dos golpistas de hoje são oriundos do grupo que se beneficiou da Lei de Anistia.”

Fernandes Jr. ignora que a impunidade não nasceu da “cabeça” de indivíduos, mas de um plano deliberado para manter o controle de classe. A burguesia que sustentou o golpe, a Ditadura Militar e, décadas depois, o golpe de 2016, nunca saiu de cena. Ela é quem realmente controla as instituições, incluindo o Judiciário. A redemocratização no Brasil foi um acordo entre os setores dominantes, visando preservar seus privilégios enquanto davam uma nova fachada ao regime.

Essa defesa do autor de mobilizar o aparato repressivo para combater adversários políticos é não apenas equivocada, mas perigosa. A esquerda deveria aprender com os erros históricos e compreender que, ao pedir repressão para o Estado, cria uma armadilha para si mesma. Afinal, o verdadeiro inimigo não são os indivíduos que compõem a extrema direita, mas a classe social que os sustenta.

Se há algo que Fernandes Jr. ainda não aprendeu, é que a luta contra o autoritarismo exige a construção de uma alternativa popular e independente, capaz de enfrentar a burguesia que controla o Estado. O Judiciário, longe de ser um aliado, é uma das engrenagens desse sistema. Quem busca justiça e liberdade não pode se dar ao luxo de ignorar essa realidade.

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