Em 2013, 20 anos após a assinatura dos Acordos de Oslo, a rede catarense Al Jazeera produziu um documentário com objetivo de colocar luzes sob um dos grandes golpes sofridos pelo povo palestino em sua saga contra a ditadura sionista, que há mais de cem anos, comete contra os árabes algumas das piores atrocidades já registradas pela história. No ano de 1993, “Israel” e a então principal expressão da resistência palestina contra o sionismo, a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), assinaram a Declaração de Princípios conhecida como Acordos de Oslo, cujo objetivo declarado era resolver o conflito israelense-palestino, porém, sob o véu de um passo significativo em direção à paz, o acordo teve um custo elevado para os palestinos.
Por quê Oslo?
Segundo o negociador palestino indicado pela OLP para participar das negociações na condição de diplomata Omar Kitmitto, “a Noruega era considerada um país sionista”, diz ao documentário de Al Jazeera, acrescentando ainda: “dos 157 membros do Parlamento, 87 pertenciam ao grupo ‘Amigos de Israel’. A Noruega foi o país menos acolhedor em relação aos palestinos.”
Exatamente por isso, talvez, o dirigente do partido Iniciativa Nacional Palestina (partido sediado em Ramalá e que se reivindica socialista) dr. Mustafa Barghouti, ouvido pela produção da rede catarense, apresenta uma apreciação complementar: “Oslo foi a melhor ideia que Israel já teve. Ele permitiu que continuassem a ocupação sem pagar nenhum dos custos”, diz.
Os Acordos de Oslo foram a primeira vez que “Israel” e a OLP se reconheceram mutuamente, de forma oficial. O evento foi considerado por muitos como um progresso importante para o fim da barbárie contra os palestinos, porém as duas décadas seguintes deixaram claro que as negociações longe disso, foram usadas pela ditadura sionista como pretexto para impulsionar a invasão dos territórios ocupados em 1967 por “Israel”, o que foi feito com a ampliação da construção de assentamentos ilegais.
Embora assinados na Casa Branca (sede do governo norte-americano), os acordos receberam o nome da capital da Noruega, contrariando um padrão das relações internacionais, que nomeiam o acordo com base no local em que as negociações acontecem. Ocorre que paralelamente, reuniões secretas eram realizadas no país europeu e essas sim, foram determinantes para o acordo assinado em Washington, sob as bençãos do então presidente norte-americano, Bill Clinton.
A escolha de um país governado por “amigos de Israel” se deve a um evento ocorrido em 1979, quando o então dirigente da organização revolucionária palestina Yasser Arafat, pediu à Noruega que fornecesse um canal de comunicação para a ditadura sionista, o que foi ignorado por “Israel”, mas já indicava um esgotamento político da OLP, que três anos depois, seria determinante para a organização abandonar o Líbano e com isso, abrir o caminho para a ditadura sionista cometer um dos crimes mais horripilantes da história do conflito entre palestinos e sionistas: o Massacre de Sabra e Chatila, ocorrido em 1982.
Oito anos após Arafat buscar a Noruega para tentar negociar com “Israel”, nenhuma comunicação se estabelecera entre os sionistas e os árabes. Eis que explode a Primeira Intifada (“A Revolta”, em português), uma mobilização revolucionária que convulsiona todo o território palestina e manterá a nação ocupada em estado de mobilização permanente contra “Israel” pelos próximos cinco anos.
Totalmente espontâneos, os protestos surpreendem tanto “Israel” quanto a OLP de surpresa. Em 1988, no segundo ano da Intifada e à revelia do espírito que a mantinha mobilizada, Arafat anunciou que a OLP aceitaria as Resoluções 242 e 338 da ONU, que ofereciam à invasão sionista a possibilidade de “fronteiras seguras e reconhecidas”, além de permitir que o país mantivesse sua ocupação de áreas estratégicas da Cisjordânia.
Ao mesmo tempo, o enclave imperialista enfrentava condenação internacional pela repressão aos manifestantes palestinos, o que gerava crescente pressão mundial para o início de conversações de paz com os palestinos. Em resposta, “Israel” decidiu que era hora de negociar com a OLP na Noruega. Para garantir uma negação plausível de envolvimento direto, todas as discussões foram realizadas através da FAFO, um think tank norueguês vinculado ao movimento operário do país nórdico.
Ao documentário da Al Jazeera, a historiadora norueguesa Hilde Henriksen Waage descreveu como foram as negociações. “Todas as questões difíceis – segurança, Jerusalém, refugiados palestinos, fronteiras, etc. – foram retiradas [das negociações de Oslo].” Essa manobra, favoreceu Israel, que conseguiu evitar discussões complicadas.
A negociação na Noruega fora precedida pela Conferência de Paz de Madri, em 1991, e as negociações em Washington em 1992. Em ambas, a delegação palestina focava em questões como o fim dos assentamentos israelenses ilegais e a ocupação da Cisjordânia e Gaza. No entanto, em Oslo, “Israel” ignorou essas questões, adiando a discussão sobre os assentamentos, Jerusalém e os refugiados palestinos para negociações futuras.
LIDERANÇA sionista
“Ficou claro, pela postura dos israelenses, que as negociações poderiam durar 20 anos”, afirmou o consultor jurídico palestino Anis Fawzi Qasim no documentário da Al Jazeera. A Declaração de Princípios de Oslo, assinada em 1993, não foi um tratado de paz definitivo. Seu objetivo era estabelecer uma governança provisória e criar uma estrutura para negociações que culminariam em um acordo final até o final de 1999.
O que deveria durar cinco anos, no entanto, se arrastou por mais de duas décadas, com pouco progresso. Os Acordos transferiram o controle das principais cidades e vilas palestinas na Cisjordânia e na Faixa de Gaza para a recém-criada Autoridade Palestina (AP), uma estrutura provisória com a responsabilidade de administrar e manter a segurança nas áreas urbanas.
Em 1995, um segundo acordo dividiou a Cisjordânia ocupada em três regiões não contíguas: Áreas A, B e C. A Área A, que inicialmente representava 3% da Cisjordânia, passou a cobrir 18% em 1999. Nessa área, a AP controla a maioria dos assuntos internos. A Área B, com 21% da Cisjordânia, tem controle palestino sobre a administração civil, mas os israelenses controlam a segurança externa. Já a Área C, que corresponde a 60% da Cisjordânia, permanece sob controle total de Israel, incluindo segurança, planejamento e construção. Apesar de os Acordos de Oslo preverem a transferência de controle para a AP, isso nunca ocorreu.
Muitos israelenses ainda assim se opuseram à assinatura de qualquer acordo com a OLP, acusando-a de ser uma organização terrorista, apesar da capitulação de Arafat. Os “colonos” israelenses temiam que a proposta de “terra por paz” de Rabin os forçasse a deixar terras que reivindicavam, desconsiderando as resoluções da ONU, que consideram os assentamentos israelenses ilegais.
Entre os palestinos, a OLP e o partido Fatá, então o maior da Palestina, viam os Acordos como uma oportunidade para a paz. Outros partidos fora da OLP, porém, como o Hamas e a Jihad Islâmica, se opuseram firmemente, alegando que a solução de dois Estados trairia os direitos dos refugiados palestinos, especialmente o direito de retorno à terra perdida durante a Nakba de 1948.
Embora os Acordos de Oslo tenham sido apoiados por muitos, tanto em “Israel” quanto nos territórios palestinos, o número de céticos cresceu à medida que o processo não cumpriu suas promessas. Finalmente, a ditadura sionista foi quem mais se beneficiou desde o início das negociações em 1993. Apesar das esperanças depositadas pelos árabes, a construção de assentamentos israelenses na Cisjordânia ocupada triplicou durante esse período, em taxas sem precedentes.
“Fizemos o que nos foi solicitado. Reconhecimento mútuo, coordenação de segurança. Nós honramos nossas promessas, mas a potência ocupante não o fez”, afirmou Yasser Abed Rabbo, da Organização para a Libertação da Palestina, à Al Jazeera. Entre 1993 e 2000, o crescimento da população israelense na Cisjordânia atingiu “o ritmo de crescimento mais rápido de todos os tempos”, como explicou o ativista israelense Dror Etkes, destacando como os assentamentos israelenses se expandiram enquanto as negociações de paz falhavam.
Décadas após o icônico aperto de mãos entre Arafat e Rabin, o sonho de um Estado palestino ainda parece distante. As negociações de líderes palestinos e israelenses fracassaram repetidamente, sempre pela total indisposição da ditadura sionista em cumprir acordos. A liderança palestina acusa “Israel” de não oferecer um Estado viável, mas uma entidade fragmentada e sem recursos suficientes para ser funcional economicamente.
Por sua vez, muitos líderes israelenses continuam defendendo a anexação de toda a Cisjordânia, indiferentes aos direitos dos palestinos que vivem sob ocupação. O “risco demográfico” de uma população palestina crescente, como muitos temem, continua a ser um ponto de grande preocupação para a direita sionista.
“Os judeus devem ter o direito de entrar em Israel e se tornar cidadãos. Essa é minha opinião como sionista. Agora, se houver uma maioria de palestinos sob nosso domínio, será o fim da ideia sionista”, afirmou Yossi Beilin, do Partido Trabalhista Israelense, à Al Jazeera.