Há mais de uma década a China anunciou um projeto de investimentos em infraestrutura inédito na história, o Cinturão e Rota, conhecido como a Nova Rota da Seda. O nome é uma referência à antiga Rota da Seda, que foi uma rede de rotas comerciais eurasianas do século II a.C., e que funcionou até meados do século XV. Essas rotas somavam mais de 6.400 km, exercendo um papel fundamental no fomento da interrelação econômica, política, cultural e religiosa entre Oriente e Ocidente. O nome está ligado ao fato de que, durante muito tempo a China monopolizava a produção de seda, produto com alta aceitação internacional. A Rota da Seda contribuiu para a economia chinesa ter vivido um longo período de prosperidade.
O Projeto já conta com a adesão de mais de 150 países em todos os continentes, indicador que por si só já evidencia a sua envergadura. Com 11 anos de existência do projeto, o montante de investimentos na Ásia, Europa e África já ultrapassou a cifra de US$ 1 trilhão, segundo o governo chinês. Os setores de petróleo e gás representam cerca de 80% dos investimentos chineses em outros países, e cerca de 66% dos contratos de construção. Estimativas apontam que o projeto irá significar investimentos na economia mundial de até 7 trilhões de dólares, por ano, até 2040. Dos mais de um trilhão de dólares investidos na primeira década de existência da Nova Rota da Seda, boa parte foi destinado a países da África, América do Sul e Oriente Médio. É fácil entender a receptividade do projeto nos países contemplados pelos investimentos. A China oferece a países subdesenvolvidos, algo que lhes falta absolutamente, que é capital para investimentos em infraestrutura, em troca de relações comerciais assentadas em bases bastante amigáveis, no princípio do ganha-ganha.
Alguns analistas têm apontado que a proposta é uma espécie de armadilha para tornar os países subdesenvolvidos dependentes da China, em função da contração de dívidas. Mas, até onde se sabe, os empréstimos têm ocorrido com base em taxas de juros menores que a média mundial e, em situações particulares, há um perdão da dívida para países que estão em situação econômica muito difícil. O projeto de Nova Rota da Seda só é possível porque o país é independente do imperialismo, ou seja, porque exerce sua soberania nacional. Obviamente as ações da China levam em conta o comportamento as ações do império, mas o governo está longe ser um instrumento daquele. Ou seja, o país tem estratégia própria de desenvolvimento nacional, baseada inclusive em consistente planejamento estratégico.
Somente um país soberano consegue desenvolver um projeto de desenvolvimento econômico inédito na história mundial. A postura da China na execução das políticas da Nova Rota da Seda é oposta à dos países imperialistas. Estes não fazem investimentos para desenvolver países subdesenvolvidos, sua política é de vampirização dos recursos existentes: privatizações a preço de banana, extração de recursos naturais estratégicos até o esgotamento, empobrecimento da população local etc.
A ação da China no continente africano, se materializa em ajuda financeira aos governos, construção de estradas e ferrovias, desenvolvimento de projetos de infraestrutura em geral. Em agosto último, por exemplo, a China concluiu em 72 horas a construção de 20 mil casas em Joanesburgo, África do Sul. O projeto, que significa um investimento de US$ 300 milhões, se baseou na impressão 3D e no uso de robôs. Alguém já ouviu falar que países imperialistas fizeram, em algum momento, algo sequer parecido, em qualquer parte do mundo? Obviamente os chineses têm interesses econômicos e geopolíticos concretos, não fazem isso por caridade. Eles investem, querem receber o retorno dos investimentos, como seria de se esperar. Mas nada tem a ver com a política imperialista de tomar conta dos mais lucrativos ramos da economia local, adquirir as principais empresas nacionais e começar a ganhar dinheiro imediatamente.
Os chineses não promoveram em nenhum país do mundo o que o imperialismo realizou no Brasil, por exemplo, nos governos de Fernando Henrique Cardoso, quando foram entregues setores inteiros da economia ao capital internacional, vendendo empresas chaves a preço de banana. Mas analisemos um caso muito recente, a entrega da Eletrobrás. Alguém acreditaria que a privatização apressada da Eletrobrás, durante o governo “patriótico” de Jair Bolsonaro foi realizada em nome dos interesses do Brasil? Privatizaram o maior sistema elétrico da América Latina porque é um verdadeiro filé mignon e já está proporcionando lucros volumosos e garantidos aos grupos econômicos, que o arremataram a preço de banana.
Na privatização da Eletrobrás, o grande capital imperialista se apropriou da 6ª maior estatal de energia do mundo, com 239 usinas de geração de energia, 70 mil quilômetros de linhas de transmissão (47% de tudo o que o país dispõe) e 6 distribuidoras, 258 mil km de rede. O Sistema Eletrobrás, além de ser um sistema estratégico para o país sob todos os pontos de vistas, é um verdadeiro tesouro como fonte de receita e, em condições normais, só dá prejuízo mediante corrupção ou grande incompetência gerencial. Os grandes capitalistas arremataram essa joia, construída com dinheiro da população e sem precisar colocar R$ 1 real de investimentos. Somente em um processo de golpe, em um país subdesenvolvido, um sistema de produção e distribuição de energia, avaliado em R$ 370 bilhões, seria torrado por menos de 10% do seu valor.
Ao que se saiba, a China não está fazendo nada parecido com isso em qualquer parte do mundo. Não há por parte do país, nas relações comerciais com os outros países, uma política predatória, de sugar a economia nacional, destruir as riquezas nacionais, de inviabilizar o desenvolvimento nacional. Apesar de uma abordagem na imprensa ocidental de franca hostilidade à China, não se escuta que eles tenham se apropriado de algum ativo de algum país que tenha atrasado o pagamento de empréstimos. Pelo contrário, em 2022, o governo chinês anunciou o perdão de 23 empréstimos sem juros fornecidos a 17 países africanos e o redirecionamento de US$ 10 bilhões de suas reservas do Fundo Monetário Internacional (FMI) para nações do continente africano. O gesto revela que a Nova Rota da Seda, além de um projeto de caráter econômico, é também uma compreensível estratégia de ampliar a influência política da China no mundo. Como, aliás, vem ocorrendo há anos.
O fato de que o Brasil não tenha ainda aderido à Nova Rota da Seda indica o quanto o governo Lula está pressionado. A política do governo brasileiro de tentar uma política de soberania e desenvolvimento nacional, sem, ao mesmo tempo, desagradar o imperialismo, está se mostrando cada vez mais difícil de ser operada. A obsessão dos EUA é deslocar a China de todos os mercados onde consideram que os chineses estão com dimensão “exagerada”. Há uma avaliação, por parte do governo norte-americano, que a China está ocupando um espaço econômico desproporcional ao seu poderio geopolítico e militar no mundo. Do ponto de vista econômico, os EUA avaliam que o grande inimigo a ser abatido é a China.
Infelizmente, no Brasil acontecimentos capitais são esquecidos muito rapidamente. É fácil de entender, inclusive, que isso acontece por interesse de quem manipula a opinião pública. Mas não podemos ter dúvidas, de que os golpes na América Latina, na década passada foram operados, visando também, baixar a bola da China na Região. Em 2015, em plena articulação do golpe que se materializaria no ano seguinte, o governo brasileiro assinou com o governo chinês, 35 acordos de cooperação em oito áreas, que envolviam investimentos de US$ 53 bilhões. Áreas que seriam beneficiadas com os acordos assinados: planejamento estratégico, infraestrutura, transporte, agricultura, energia, mineração, ciência e tecnologia e comércio.
Destes, um dos mais ambiciosos era o projeto ferroviário transcontinental que deveria percorrer o Brasil de leste a oeste, atravessar a cordilheira dos Andes até chegar aos portos peruanos. A ferrovia ligaria o Oceano Atlântico, a partir do Rio de Janeiro, ao Oceano Pacífico, no Peru. O objetivo era facilitar a exportação de matérias-primas do Brasil e do Peru para o mercado chinês. Estava prevista inclusive uma linha do Tocantins até chegar ao Peru, com ganhos para os produtores com a redução de custo na logística. Tudo indica que estes planos foram decisivos para a tomada de decisão dos EUA, de acelerar o golpe no Brasil. Não precisaria nem destacar que, a partir do golpe de 2016, todos esses projetos foram rapidamente engavetados.
Com o agravamento da crise do capitalismo, aumentou o processo de demonização da China. Em setembro, a Câmara dos Representantes dos Estados Unidos aprovou 25 leis anti-China, com grande parte das medidas contando com o apoio dos dois principais partidos políticos. Foi uma decisão bipartidária. Uma das leis aprovadas naquela que ficou conhecida como a “Semana da China”, a “Lei de Autorização do Fundo de Combate à Influência Maligna da China”, prevê a liberação de US$ 1,63 bilhão, em cinco anos, para financiar organizações que realizam propaganda contra a China no mundo.
Na “Semana da China” foi aprovado um conjunto enorme de leis contra o país, com medidas as mais abrangentes e hostis possíveis, incluindo ameaças a autoridades chinesas, fortalecimento de laços com países rivais da China e enfraquecimento da moeda desse país. Uma das leis aprovadas na Câmara dos Representantes propõe uma série de restrições aos veículos elétricos chineses, visto como uma ameaça à indústria nacional dos EUA, mesmo com os dados mostrando que os veículos chineses representam somente 2% da importação de veículos elétricos para o país. Os chineses, ao contrário dos norte-americanos, costumam falar pouco e se estabelecer através da negociação e de ações concretas e constantes.