Ao visitarmos o diário do partido argentino Politica Obrera, possivelmente em qualquer dia da semana, nos depararemos com uma enxurrada de críticas ao atual presidente argentino, Javier Milei, e suas políticas de destruição da economia nacional. Nada mais natural vindo de uma organização de esquerda, que se reivindica trotskista. Tomemos como exemplo ontem, domingo (18). Estão em destaque a política do governo de congelamento dos salários, em artigo intitulado “El gobierno ‘libertário’ le declara la guerra al salario“; a sabotagem dos programas sociais argentinos em “Crisis y renuncias en ‘Capital Humano'”; o ataque à cultura em ‘Milei contra los artistas‘; e o rombo na educação em ‘Milei se está robando los fondos nacionales educativos‘.
Esta última começa denunciando que Milei “reafirmou que os fundos educacionais nacionais não serão mais transferidos para as províncias”. Fez a declaração sem apontar para onde irá redirecionar os fundos. A resposta, para quem está atento aos acontecimentos políticos na Argentina, é óbvia: em menor parte para os bolsos dos atuais governantes, uma mera taxa por serviços prestados, e a maioria para os banqueiros internacionais que pretendem sacrificar a economia argentina até que cumpra seus compromissos financeiros internacionais, principalmente sua dívida com o Fundo Monetário Internacional (FMI).
Em relação à cultura, seu programa é o mesmo: cortar gastos. No campo criativo, porém, esse corte aparece sob a forma de censura a artistas, músicos, que em suas letras atacam o presidente que procura acabar com seu financiamento. Politica Obrera nos explica os disparates do presidente em relação às apresentações realizadas no tradicional festival de música argentino “Cosquín Rock”:
“Milei não se contentou em atacar os jovens artistas, mas também foi contra o próprio evento. Acusou o governo provincial de beneficiar os organizadores através de uma lei de isenção fiscal, que foi sancionada pelo antigo governo De la Sota. O governador Martín Llaryora, acusado pelo La Libertad Avanza [partido de Milei] de boicotar a ‘lei omnibus’, defendeu-a em nome da promoção da cultura e do turismo na província.”
Dois coelhos com uma cajadada só: mais dinheiro para os banqueiros e cerceamento da liberdade de expressão para os artistas opositores, muitos dos quais dependem da iniciativa estatal para sua atuação.
Quanto à crise no ministério do Desenvolvimento Social, o problema é simples: a política neoliberal de Milei – e de seus patrões – para a Argentina é de devastação total. Nem mesmo os programas mais básicos de auxílio alimentar à população argentina devem ser enviados. Totalmente compatível com o capitalismo supostamente laissez-faire defendido pelo presidente “anarcocapitalista”, o que em sua encarnação moderna significa subordinar todo o orçamento estatal, e o produto econômico argentino, aos interesses da burguesia imperialista.
Finalmente, o congelamento dos salários. Sim, nada mais natural. Principalmente se considerarmos o ritmo de mobilização proposto pela direção da classe operária argentina, com um ato a cada dois meses: um no último dia 25 de janeiro e outro marcado apenas para o dia 24 de março. Pelo que pudemos averiguar, Politica Obrera não tem grandes críticas a essa letargia política, senão às alianças com setores peronistas que devem participar dos atos em protesto contra o governo.
As críticas parciais, porém, não se somam num todo, numa explicação clara que oriente a classe operária argentina sobre o que está em curso em seu país. Não há como melhorar o governo Milei: pequenas críticas sobre suas políticas para educação, cultura, economia e qualquer outro tema não surtirão efeito. Seu governo trata-se de um golpe de Estado patrocinado por forças estrangeiras que visam devastar a economia argentina como forma de amenizar a crise imperialista internacional. Essa política é clara em toda a região da América Latina, basta ver o estado de sítio imposto pelo presidente equatoriano, em nome do combate ao crime organizado; a invasão de tropas norte-americanas do Peru, após golpe de Estado contra o presidente Pedro Castillo; e as situações periclitantes tanto na Bolívia, onde Evo Morales não poderá mais se candidatar à presidência, e na Colômbia, onde Gustavo Petro está sob constante ameaça.
A chegada de Milei ao poder pela via eleitoral não subtrai o caráter golpista de seu governo e isso deve ser denunciado sem restrições. Se tivessem essa compreensão, os trabalhadores argentinos não teriam saído das ruas nem mesmo para as celebrações de final de ano, certamente modestas diante da crise à qual o país está sendo submetido.
Vimos essa política de críticas parciais ao governo no Brasil quando setores da esquerda queriam escolher os ministros do governo de Jair Bolsonaro clamando pela saída de Abraham Weintraub do ministério da Educação ou de Damares Alves do ministério da Mulher. A política correta, então, levada adiante pelo Partido da Causa Operária era o “fora Bolsonaro”, assim como para a Argentina está mais do que na hora de convocar o “fora Milei” e “abaixo o golpe de Estado”.
O mega-pacote de lei que dava ao presidente poderes ilimitados, conhecido popularmente como “lei omnibus”, pode não ter sido aprovado de início no Congresso argentino, mas Milei continuará tentando e, no ritmo das mobilizações e da política de seus opositores, ele está com a iniciativa.