Na última quarta-feira (12), a Câmara dos Deputados aprovou a urgência da votação do Projeto de Lei 1904/24, de autoria do deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ). Conhecido como “PL da Gravidez Infantil”, o projeto equipara o aborto de gestações acima de 22 semanas ao homicídio. Nesse sentido, o procedimento seria proibido mesmo em casos previstos pelo Código Penal, como no caso da gravidez decorrente de estupro.
Com a aprovação em questão, o PL pode ser votado no plenário da Câmara sem passar pelas outras comissões pertinentes. Deputados presentes na sessão que aprovou a urgência denunciaram que Arthur Lira (PP-AL), presidente da Casa, aplicou um golpe para levar adiante o projeto, nem mesmo anunciando a votação e, após 23 segundos, a declarando aprovada em votação simbólica, sem registro do voto de cada deputado no painel eletrônico.
O nome atribuído ao projeto vem do fato de que uma criança que engravidou após ser estuprada, se fizesse o aborto após 22 semanas de gestação, seria punida com base em uma condenação por homicídio simples, podendo pegar até 20 anos de prisão. Aqueles que realizassem o procedimento também seriam sujeitos à mesma pena.
Laura Molinari, coordenadora da ONG Nem Presa, Nem Morta, ressaltou à Folha de S.Paulo que meninas serão as mais afetadas pelo projeto. “No caso de meninas e adolescentes, tem uma demora em identificar abuso e gravidez. Mulheres vítimas de violência têm que lidar com o trauma e a dificuldade de sair daquela situação”, afirmou. Ainda segundo a Folha, Flávia Biroli, professora de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), afirma que o aborto em casos de estupro corresponde, em sua maioria, a meninas.
Segundo o Brasil de Fato, um dia depois da aprovação da urgência, na quinta-feira (13), foram registrados protestos em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Florianópolis, Manaus e Recife contra o PL. Além disso, também estava previsto outro ato em Recife, na segunda-feira (17), e um em Porto Alegre na sexta-feira (14).
Segundo o Metrópoles, diante da repercussão negativa que a urgência do PL teve, Lira pretende atrasar a votação do projeto. “Lira avisou a interlocutores e deputados que pretende esperar a poeira baixar para marcar a votação do mérito da proposta”, diz o artigo Após repercussão negativa, Lira vai segurar votação do PL sobre aborto.
Toda a polêmica envolvendo o PL que equipara o aborto após 22 semanas ao homicídio surgiu após o Conselho Federal de Medicina (CFM) tentar emplacar uma medida que também ataca o direito ao aborto. Em meados de abril, o conselho publicou uma resolução que proíbe o médico de realizar o que é chamado de “assistolia fetal” para a interrupção de gravidez quando houver possibilidade de sobrevida do feto.
Este método é utilizado em casos de interrupções de gestações com mais de 22 semanas e é, inclusive, reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Nesse sentido, a medida do CFM, que não precisaria ser nem mesmo votada, teria um efeito parecido ao do PL 1904/24, restringindo o direito ao aborto após 22 semanas.
O método em questão consiste em promover a interrupção da gravidez por meio da administração de drogas, como cloreto de potássio e lidocaína, que são injetadas no coração do feto. Uma vez morto, ele é retirado do corpo da mulher.
Frente à decisão do CFM, a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) afirmou que a resolução tirada pelo conselho estabelece “restrições ilegais” ao acesso ao aborto que é permitido por lei.
A federação argumenta que a decisão do CFM “acaba proibindo a realização de abortos após as 22 semanas, uma vez que a realização da indução de assistolia fetal é procedimento necessário e essencial para o adequado cuidado ao aborto”.
“O CFM impõe às mulheres, adolescentes e meninas, em especial às de maiores vulnerabilidades, iniquidades em seu acesso à saúde, uma vez que o acesso tardio ao aborto seguro é consequência de um sistema de saúde que impõe bloqueios diversos a quem busca abortar dentro das previsões legais”, afirma a Febrasgo.