As eleições gerais do Reino Unido concretizaram a vitória histórica do Partido Trabalhista, que com os votos de mais de 9,68 milhões de cidadãos, conquistaram 412 cadeiras no Parlamento britânico, 210 a mais do que nas eleições de 2019. Já o Partido Conservador viu sua votação derreter, obtendo cerca de 6,81 milhões de votos, o que garantiu à legenda 121 assentos, o pior desempenho da história da sigla, fundada em 1834. A terceira força política, os Liberais Democratas, conquistaram mais de 3,49 milhões de votos e ficaram com 71 das 650 cadeiras do Parlamento.
O primeiro-ministro do Reino Unido, Rishi Sunak, anunciou na sexta-feira (5), após os resultados iniciais da votação, que deixará o cargo da liderança do Partido Conservador britânico após o desempenho desastroso nas eleições gerais. No X (antigo Twitter), Sunak publicou o anúncio de seu afastamento, dizendo ser “um dia difícil” e já anunciando também sua demissão do cargo de primeiro-ministro:
“Dei tudo de mim neste trabalho. Mas vocês enviaram uma mensagem clara, e o seu julgamento é o único que importa. Este é um dia difícil, mas deixo este cargo honrado por ter sido primeiro-ministro do melhor país do mundo.”
Momentos após publicar a mensagem, Sunak fez um discurso do lado de fora da Downing Street (residência oficial do primeiro-ministro britânico), esclarecendo que permanecerá como líder conservador até que seu sucessor seja escolhido. “Gostaria de dizer, em primeiro lugar, que sinto muito. Dei tudo de mim neste cargo. Ouvi sua raiva, sua decepção e assumo a responsabilidade por essa perda”, disse.
O tom fúnebre adotado por Sunak não é outra coisa, mas reflexo da crise histórica que vive o partido. Até então, o pior desempenho eleitoral obtido pelos conservadores fora nas eleições de 1906, quando o partido conquistou 156 lugares do Parlamento.
Após o discurso em Downing Street, Sunak deu procedimento aos ritos britânicos de troca do governo, que será chefiado agora pelo trabalhista Sir Keir Rodney Starmer, ex-diretor do Ministério Público do Reino Unido e líder do partido desde 2020, quando sucedeu o sindicalista Jeremy Corbyn.
Posteriormente, seria o responsável pela expulsão de Corbyn do partido após o primeiro expressar simpatia pelos partidos da Resistência Islâmica, nomeadamente o palestino Hamas e libanês Hesbolá, tratados como amigos pelo parlamentar. O apoio da liderança operária do Partido Trabalhista culminou em uma intensa perseguição por parte do sionismo e na expulsão de Corbyn da organização, em um processo liderado por Starmer que, na época, declarou:
“O antissemitismo tem sido uma mancha em nosso partido. Eu vi o sofrimento que ele trouxe a tantas comunidades judaicas. Em nome do Partido Trabalhista, eu sinto muito. Arrancarei esse veneno pela raiz e julgarei o sucesso pelo retorno dos membros judeus, e daqueles que sentiram que não poderiam mais nos apoiar.”
Na sequência da ação empreendida pela Resistência Palestina em 7 de outubro de 2023, o líder dos trabalhistas não titubeou em condenar o “terrorismo”: “essa ação do Hamas não contribui em nada para os palestinos. E Israel deve sempre ter o direito de defender seu povo”, comentou, demonstrando sua predileção pelo sionismo.
Starmer, agora, é esperado para montar o governo da ampla maioria trabalhista (mais de 63% do Parlamento). É preciso dizer, entretanto, que a vitória expressiva do Partido Trabalhista é resultado do funcionamento do sistema eleitoral inglês, e alguns dados mostram isso.
Primeiramente, no embate entre Starmer e Corbyn, a vitória do segundo é incontestável. Starmer teve 18.884 dos cerca de 71 mil votos de seu distrito, Holborn e St Pancras, uma queda 17,4% em relação ao resultado obtido em 2019. Ao passo que, no distrito de Islington North, Corbyn conquistou 24,1 mil de cerca de 72,5 mil. Ainda, sua votação cresceu impressionantes 49,2%, fazendo com que o candidato trabalhista, Praful Nargund, tivesse uma queda brusca no desempenho do partido, que caiu 29,9% em relação a 2019.
É preciso, além disso, dimensionar o peso da vitória à luz de toda a campanha histérica de calúnias promovida pelo lobby sionista contra Corbyn, seguramente um dos principais vencedores das eleições gerais inglesas. Em seu perfil no X, o independente publicou uma mensagem, destacando que “essa noite, fizemos história”.
Outro parlamentar notório pelo apoio à Resistência Palestina, George Galloway (Partido dos Trabalhadores da Grã-Bretanha), não conseguiu a reeleição no distrito de Rochdale, onde o trabalhista Paul Waugh levou a vaga no Parlamento. A vitória dos trabalhistas, porém, foi por uma margem muito estreita, com Galloway conquistando 11.587 votos e Waugh, 13.027. Cumpre destacar, também, que, enquanto os trabalhistas viram os votos no partido caírem 18% em relação a 2019, Galloway aumentou seu apoio em 2915 votos.
Finalmente, a derrota deve ser analisada não apenas pelos números (embora já sejam por si reveladores), mas também à luz de declarações como as expressa do artigo abaixo, publicado pelo jornal britânico The Telegraph, e que dão uma dimensão da campanha perpetrada pelo lobby sionista contra Galloway:
“A política britânica dificilmente se cobriu de glória nos últimos anos. Depois que a vergonha dos anos de Corbyn foi interrompida pela gloriosa vitória dos conservadores em 2019, fomos submetidos a uma verdadeira galeria de desgraças: imigração crescente, autoritarismo da Covid, Partygate, o interregno Truss-Kwarteng, fanatismo por Gaza. Mas o verdadeiro nadir foi a eleição de George Galloway em Rochdale. Quando ele conquistou a cadeira em março, tendo como pano de fundo a guerra em Gaza, foi uma expressão do radicalismo antiocidental que se mostrou uma força tão subversiva desde 7 de outubro. Durante a campanha, o autodenominado líder do Partido dos Trabalhadores [da Grã-Bretanha] se autodenominou ‘George de Gaza’, afirmou que as atrocidades do Hamas eram ‘uma fuga de um campo de concentração’ e descreveu os terroristas como ‘combatentes’.
Temíamos erroneamente, e graças a Deus por isso. Esse foi um triunfo para Israel, para o bom senso, para a Grã-Bretanha e para o Ocidente” (Goodbye, Galloway. This was a triumph for Israel, Jake Wallis Simons, 5/7/2024).
Ao todo, os independentes conquistaram mais de meio milhão de votos. Os trabalhistas, é verdade, conseguiram uma quantidade histórica de cadeiras no Parlamento. Ocorre que os 9,68 milhões são, naturalmente, inferiores aos mais de 10,26 milhões obtidos em 2019. Ter menos votos e praticamente dobrar a presença no Parlamento é um milagre que só o confuso sistema distrital pode explicar, mas que fatalmente terá vida curta.
Em outro extremo, o partido de extrema direita Reform UK conquistou pouco menos da metade dos votos trabalhistas, 4,1 milhões, conquistando, porém, apenas quatro vagas no Parlamento, em outro milagre explicável apenas pelas distorções possibilitadas pelo sistema distrital. Em seu perfil no X, o líder do partido, Nigel Farage (ex-UKIP), agradeceu os 21.225 votos do total de 78,7 mil do distrito de Clacton e anunciou: “é apenas o começo”.
46% dos votos do distrito foram conquistados sobre os escombros do Partido Conservador, que viu sua votação diminuir 44% em relação a 2019, reforçando as tendências do deslocamento às posições mais radicalizadas em um dos principais países imperialistas do planeta. Em um cenário onde é evidente a intervenção do imperialismo em favor dos trabalhistas, a “vitória” com dezenas de milhares de votos a menos apresenta também uma forte tendência de dar aos trabalhistas o destino sofrido pelo Partido Socialista francês, que, abraçado pela ditadura dos monopólios, saiu do Palácio Eliseu direto para o ostracismo político.
Na sexta-feira (5), em sua entrevista semanal com o jornalista Leonardo Attuch, transmitida pela TV 247 no YouTube, Rui Costa Pimenta, presidente nacional do Partido da Causa Operária (PCO), fez duras críticas a Keir Starmer, próximo primeiro-ministro britânico, e ao sistema eleitoral do Reino Unido.
Pimenta começou destacando, em resposta a um telespectador, que Starmer, apesar de ser líder do Partido Trabalhista, “não tem nada a ver com o Lula”, e o rotulou como “ultradireitista” e “representante do imperialismo britânico”. Segundo Pimenta, Starmer já é considerado o líder mais direitista da história do Partido Trabalhista, resultado de uma campanha que envolveu a expulsão de milhares de membros da ala esquerda do partido, como foi mencionado anteriormente.
“Ele conseguiu ser líder do partido através do expurgo de toda a ala esquerda do partido, ele expulsou milhares e milhares de pessoas. É um feroz defensor da OTAN, é sionista até o último talo”, afirmou Pimenta, reforçando sua afirmação de que o governo de Starmer foi escolhido pela burguesia britânica.
Pimenta também comentou sobre a necessidade de renovação política no Reino Unido devido à situação dramática enfrentada pelo país, apontando que o Partido Conservador sofreu uma queda significativa, o que permitiu a ascensão de Starmer. “O Partido Conservador veio abaixo. Depois de muita coisa que ele fez, ele foi praticamente varrido do mapa na eleição”, disse Pimenta.
Uma das críticas mais contundentes de Pimenta foi dirigida ao sistema eleitoral britânico, que ele considera profundamente antidemocrático. “O Partido Trabalhista teve 35% dos votos, mas vai ter mais de 50% dos deputados. Quer dizer, o número de votos não diz respeito a ser maioria. Você pode ser maioria e não ter maioria no Congresso”, explicou, destacando a desigualdade na distribuição dos distritos eleitorais.
Pimenta também mencionou o impacto que essa eleição terá sobre o Partido Trabalhista, que, segundo ele, está em decomposição. Ele comparou a liderança de Starmer a uma versão piorada de Tony Blair, ex-primeiro-ministro britânico, conhecido por suas políticas pró-guerra. “Isso é uma versão, uma segunda edição piorada do Tony Blair. Ele foi horrível, foi inclusive indiciado por crime de guerra no Iraque. É a edição piorada e mais direitista do Tony Blair”, criticou Pimenta.
A entrevista também abordou o crescimento dos deputados independentes, um fato considerado extraordinário por Pimenta. Ele destacou a eleição de Jeremy Corbyn como deputado independente, sugerindo a necessidade de um novo partido trabalhista. “Eles precisariam lançar um novo [Partido] Trabalhista, um partido socialista, revolucionário, seja lá o que for, para fazer frente à tomada que a burguesia fez”, afirmou.
Pimenta concluiu sua análise expressando ceticismo quanto à capacidade dos independentes de formar um novo partido que represente os trabalhadores britânicos. No entanto, ele reconheceu que há outras figuras políticas no Reino Unido que podem levantar essa bandeira.