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Ricardo Rabelo

Ricardo Rabelo é economista e militante pelo socialismo. Graduado em Ciência Econômicas pela UFMG (1975), também possui especialização em Informática na Educação pela PUC – MINAS (1996). Além disso, possui mestrado em sociologia pela FAFICH UFMG (1983) e doutorado em Comunicação pela UFRJ (2002). Entre 1986 e 2019, foi professor titular de Economia da PUC – MINAS. Foi membro de Corpo Editorial da Revista Economia & Gestão PUC – MINAS.

Coluna

Para onde vai a Europa?

"A chance para a esquerda é adotar um programa de ação anti reformas neoliberais"

As análises das eleições para o Parlamento Europeu são, em grande parte, de que a Europa se move em direção à extrema direita. Não se pode negar que houve um avanço na votação dos partidos anti operários e anti– socialistas que incentivam do ódio de raça, de pátria e militam contra os direitos básicos das mulheres. Mas, sejamos claros, nunca foi muito profunda a separação entre as propostas social-democratas e o projeto totalitário nascido do Terceiro Reich. 

Na Guerra Fria, o chamado Ocidente se pautou por patrocinar ditaduras tão ou mais violentas que as fascistas, sustentou durante muito tempo o regime franquista , a ditadura salazarista e a ditadura dos coronéis gregos, sem falar as ditaduras latino americanas e os regimes criminosos no Oriente como o de Suharto na Indonésia e do chá Mohammad Reza Pahlavi no Irã. 

A grande mudança veio com Margaret Thatcher, que atacou e venceu o movimento trabalhista inglês e implantou a política claramente anti-operária do neoliberalismo, que já havia sido experimentada na Chile de Pinochet. A partir daí passou a vigorar uma União Europeia descomprometida com os ideais de Liberdade, Fraternidade e Igualdade e comprometida com a imposição de metas autoritárias de rigor fiscal, a onda de privatizações e tentativa de atiçar o “espírito animal” dos empresários. A partir do Tratado de Maastrich a social-democracia europeia se torna irmã gêmea do mais radical conservadorismo com o grito de guerra tacherista do “não há alternativa”.

A guerra da Argélia, a aceitação e compromisso com o Estado de Israel no massacre dos palestinos, a conivência com as atrocidades norte-americanas em Cuba e Vietnã foi tecendo a teia de interesses que uniu os norte-americanos e a Europa, desde a criação da OTAN. Essa união “atlântica” foi sepultando ideia de que a Europa seria soberana e democrática, mais generosa e humanitária que os brutamontes da América do Norte. No século XXI vai se desenvolver a zona do euro, moeda antes imaginada como contraponto ao dólar, mas que acabou se subordinando a ele. A União Europeia passou a ser dominada pelo capital financeiro internacional de matriz norte-americana e as empresas “europeias” se tornaram , com honrosas exceções, filiais ou associadas aos grandes monopólios norte-americanos. 

No aspecto político, a aproximação com a América do Norte se deu a partir do desencadeamento da Guerra ao Terror, principalmente em 2003 com a invasão do Iraque. Em 2008, a crise financeira desencadeada pelos EUA atinge a Europa com muito vigor a partir de 2009 e prossegue afetando a saúde financeira dos bancos e da economia europeia de forma muito profunda. As políticas neoliberais se difundem em toda Europa aprofundando o caráter ditatorial da Comissão Europeia, que se torna cada vez mais um instrumento de dominação da Europa pelos EUA.

A política de sanções que começou em 1990 contra o Iraque, com exceção de Cuba, foi aplicada pelos EUA, com apoio da União Europeia. As sanções foram sempre aplicadas no contexto da guerra ao terror, principalmente contra o Iraque, Afeganistão, Irã e Síria . A mudança da posição da União Europeia, que celebra o apoio total à política externa dos EUA, está no grande número de sanções aplicadas à Venezuela e principalmente o reconhecimento do “governo” espúrio de Juan Guaidó a para tentar desestabilizar a República Bolivariana. Outro aspecto é a adoção de políticas de restrições à migração, resultando em milhares de mortes no Mar Mediterrâneo. O ponto de inflexão veio com a guerra na Ucrânia, em que a União Europeia aplicou um grande número de sanções à Rússia, acompanhando os EUA nessa empreitada. Não é para menos, hoje a União Europeia é o melhor exemplo de capitalismo dependente econômica e militarmente dos Estados Unidos. São 27 países nas mãos de empresas de capital financeiro, de transgênicos, farmacêuticas, agroalimentares, automotivas, de armas, de eletrônicos e de capitalismo verde norte-americano. 

O exemplo simbólico vem nas cerimônias de comemoração do aniversário do desembarque aliado na Normandia. Em 6 de junho de 1944, as tropas aliadas deram um passo gigantesco para derrotar uma parte do exército alemão, mas a batalha principal foi ganha pelo exército soviético em Stalingrado. No entanto, nos eventos comemorativos de 2024, as autoridades civis e militares acolhem um representante da extrema direita europeia, o ditador da Ucrânia Volodymir Zelensky, cujo discurso ataca frontalmente a Rússia, ignorando o seu papel na derrota nazista. Todos os presentes são a favor de continuar a financiar a guerra na Ucrânia sob a égide da OTAN.

Dessa forma, não é surpresa alguma os resultados das eleições do Parlamento Europeu , em que um em cada dois europeus se absteve e a maioria dos eleitores apoia a política de guerra e é a favor do endurecimento das políticas de imigração. Não é Meloni, Orbán, Le Pen que são o problema, mas é Ursula von der Leyen, o Grupo Popular e os seus aliados. A presença da extrema direita é desigual na União Europeia e serve para encobrir políticas reacionárias. As diferenças são falsamente ampliadas.

Focar o debate na ascensão dos partidos de extrema direita é desviar a atenção e fechar os olhos para uma opção que permaneceu adormecida após a derrota militar do exército alemão em 1945. Não esqueçamos: os seus ideólogos baixaram bandeiras durante o período da libertação, marcado por um forte antifascismo, ajudados pela URSS que obrigou os PCs a abandonar a perspectiva revolucionária dos partisans. Mas nos anos 60, a Operação Gladio foi orquestrada através da loja maçônica P2, para impedir a ascensão da esquerda comunista em Itália e em França, afetando a democracia cristã e a social-democracia. Gládio foi o codinome dado às operações terroristas que foram organizadas pela OTAN e pela CIA, em colaboração com várias agências de inteligência europeias.

Hoje a extrema direita reconhece-se orgulhosamente como fascista, recupera o discurso e banaliza os crimes contra a humanidade do Terceiro Reich. As declarações do presidente do Partido Alternativa para a Alemanha, Maximilian Krah, afirmando que nem todos os membros das SS eram criminosos, refletem o pacto que se seguiu aos julgamentos de Nuremberg para salvar a maioria dos nazistas mais importantes. Foi assim 90 por cento dos líderes do Partido Nacional Socialista, das SS e da Gestapo foram liberados e uma parte foi incorporada nos serviços de inteligência dos países aliados. Houve também cientistas, músicos, juristas, militares de alta patente, todos os nazistas que passaram a ocupar cargos importantes nas instituições norte-americanas, europeias e até latino-americanas. Muitos acadêmicos, atletas, atores, economistas, cientistas políticos, viram o seu passado nazista desaparecer dos seus arquivos pessoais e profissionais. 

Herbert von Karajan foi membro do Partido Nazista de 1933 a 1945. Ele se juntou ao partido em 1933, aos 25 anos, e foi promovido a membro pleno em 1935. Karajan também foi membro da SS, a organização paramilitar nazista, de 1935 a 1945 . Ele , após a guerra, foi regente da Orquestra Filarmónica de Berlim de 1954 até à sua morte em 1989. Wernher von Braun, engenheiro que criou as bombas V1-V2 lançadas sobre Londres, obteve a nacionalidade americana em 1955, cooptado pela NASA para coordenar o projeto Apollo, que colocou o homem na Lua. O ministro da Guerra e dos Armamentos de Hitler, Albert Speer, após 20 anos de prisão, foi liberado da prisão antes do fim da pena com a oposição da União Soviética. Ele foi solto por decisão do Conselho de Controle Aliado, que supervisionava a Alemanha Ocidental após a Segunda Guerra Mundial. Ele viveu em Londres, publicou as suas memórias e morreu milionário em 1981.

A grande operação de lavagem de dinheiro nazista foi levada a cabo pelo austríaco Kurt Waldheim. No entanto, ele foi eleito secretário-geral das Nações Unidas entre 1972 e 1981, como líder do Partido Popular Austríaco. Após as revelações escandalosas, seu passado nazista não foi um problema para ele ser eleito presidente da Áustria em 1986.

Os votos da direita e da extrema direita são alimentados pelos milhares de filhos e netos de nazis que hoje sentem orgulho do passado nacional-socialista dos seus pais e avós. O filho de Otto von Wächter, criador da Waffen-SS na Ucrânia, responsável pelo assassinato de mais de 20 mil poloneses, Horst von Wächter, participou em 2014 do partido ucraniano fundado por Stepán Bandera em uma homenagem ao pai com uniformes das SS e suásticas.

Não é estranho, portanto, que hoje a segunda força política na Alemanha defenda o Terceiro Reich. As universidades, o sistema de justiça, as forças armadas e as empresas têm nos seus descendentes os melhores quadros da extrema direita. 

Mas esse ressurgimento se deve ao fato de quem hoje defende a possível invasão da Rússia é a direita “limpinha e cheirosa”, com discursos violentos de Macron e Olaf Scholz. Não é à toa que as maiores derrotas desse monstruoso partido da guerra se deram na França e na Alemanha. O genocídio gigantesco do seculo XXI, na faixa de Gaza, com a morte comprovada de mais de 37.296, feridos, mais de 85.197, 19.000 de crianças mortas em Gaza.

Existem, no entanto, alguns sinais de reação. Na França, uma inusitada Frente Popular conseguiu unificar a França Insubmissa de Melanchon, os Verdes e a Social-democracia. Na Alemanha surgiu um novo partido de esquerda, o BSW, que é anti guerra, ecologista e contra o neoliberalismo.

Em relação aos resultados eleitorais sob a dicotomia esquerda/direita, alguns cálculos podem ser feitos. Por parte da esquerda europeia, as votações deram os seguintes resultados: os sociais-democratas obtêm 135 deputados, perdendo 19; os verdes obtêm 53 e reduzem 21, em comparação com o anterior parlamento europeu; e a esquerda tem 36, portanto diminui 5. No total, a esquerda europeia obtém 224 (31%), deixando para trás 45 assentos.

Por sua vez, a direita, que é o resto dos partidos, obteve 496 parlamentares de um total de 720, ou quase 70 por cento. Para insistir na direita dos cidadãos europeus, vejamos as suas tendências: os liberais ganham 79 e perdem 29; o partido popular marca 189 e vence 7. Quanto à extrema-direita, segundo uma investigação do jornal Público, mais de 40 partidos nos 27 países que votaram, representam 192 eurodeputados, quase 27 por cento, com um crescimento de 52 cadeiras . Os restantes, cerca de 36 eurodeputados, pertencem a partidos difíceis de localizar, ou que se situam na dicotomia direita-esquerda (caso das 5 estrelas italianas que estão nos não inscritos juntamente com Junts, por exemplo), mas são poucos e alteraria em menos de 5 pontos a análise.

É importante saber, neste contexto, o comportamento das classes europeias nas recentes eleições. Os números apresentados são percentagens do eleitorado total. A tabela apresenta nas colunas as classes sociais e nas linhas as ações políticas realizadas por todos os membros de cada classe.

O que este quadro mostra é que há uma parte considerável e majoritária da classe operária que vota mais na direita que na esquerda, o que explica em grande parte a grande votação da extrema direita.

A chance para a esquerda é adotar um programa de ação anti reformas neoliberais, de forma a galvanizar uma grande parte da classe operária que ainda se ilude com as propostas da extrema direita.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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