O presidente golpista da Argentina, Javier Milei, anunciou na última segunda-feira (22), o terceiro superavit seguido registrado por seu governo, de R$1,6 bilhão em março. “[O superávit] é o único ponto de partida possível para acabar de uma vez por todas com o inferno inflacionário”, disse Milei no pronunciamento transmitido em cadeia nacional. Superavit é o termo que designa o balanço financeiro com as despesas inferiores às receitas. A propaganda neoliberal diz que essa sobra serviria para reduzir a inflação, porém, na prática, é abocanhada pelos banqueiros, a um custo extremamente elevado para as famílias trabalhadoras do país, o que se expressa na queda brusca do consumo, de até 45% para alguns setores da economia argentina.
Na média nacional, o “sucesso” das políticas de Milei levou o consumo das famílias a cair mais de 10%, fenômeno observado pela empresa de consultoria MAP e destacada pelo órgão imperialista no Brasil O Globo (“Recessão atinge em cheio a Argentina, e vendas despencam até 45%”, 22/4/2024). Segundo os dados da empresa destacado na matéria, o consumo de alimentos caiu na mesma proporção nos primeiros meses de 2024, indicando que o empobrecimento generalizado da população está empurrando o povo à fome.
Em seus níveis mais extremos, a queda no consumo atinge um patamar superior a 45%, 30% no setor de vestuário e 13% entre os fármacos. “No nosso caso, as vendas em volume caíram uma média de 11%, mas nas áreas mais carentes a queda chega a 13%, inclusive com o abandono de tratamentos prolongados” explicou ao Globo o dono da cadeia de farmácias Puntofarma, Néstor Pedraza (Idem). O gráfico abaixo traz os números mais destacados medidos pelo estudo.
Entre a queda brutal no consumo, destaca-se também 32% na construção civil, 30% na compra de cimento e 12% entre os combustíveis. Se os números anteriores indicam uma crise social imensa, estes últimos indicam o estado de paralisia da economia argentina, que pouco ou nada constrói e tampouco se movimenta para sair do atoleiro em que se encontra.
“O consumo privado continua deprimido, com um efeito muito negativo nos primeiros seis meses do ano, que poderá ser moderado a partir do segundo semestre na medida em que a inflação desacelera com alguns setores iniciando reação”, disse o sócio-fundador da MAP, Juan Pablo Ronderos, também ao Globo (Idem).
Neoliberalismo, distribuição da pobreza
Outra consequência da política de choque neoliberal adotada por Milei, o crescimento da pobreza na Argentina já foi registrada pelo Observatório da Dívida Social da Universidade Católica Argentina (UCA), que aponta o crescimento expressivo da pobreza, que no mês de janeiro, atingiu seu patamar mais alto em 20 anos: 57,4%, o que significa, concretamente, “cerca de 27 milhões de argentinos [vivendo na pobreza], sendo que 15% está vivendo em extrema pobreza”. O comentário é do diretor do Observatório da Dívida Social da Universidade Católica da Argentina (UCA), Agustín Salvia.
O pesquisador do mesmo Observatório, Eduardo Donza, disse à rede de notícias Associated Press que, “embora a inflação possa desacelerar nas próximas semanas, a incidência do aumento dos preços continuará a afetar os argentinos e a pobreza atingirá pelo menos 60% da população por volta de março.” (“Argentina’s poverty levels hit 57% of population, a 20-year high in January, study finds”, Almudena Calatrava, AP, 19/2/2024). A única tendência é essa porque, finalmente, a bomba neoliberal de Milei não poderia ter sido atirada em um momento pior para a economia argentina.
Dados do Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (Indec) divulgados em 20 de março mostram que a economia argentina já amargava a recessão, que levou o país a terminar o ano de 2023 1,6% mais pobre. A divulgação do resultado levou a agência de qualificação de risco Moody’s a projetar uma queda no Produto Interno Bruto (PIB, a soma de todas as riquezas produzidas em uma sociedade) de 5% para este ano, o dobro do que previa a agência em novembro do ano passado.
A Casa Rosada (sede do governo argentino, em Buenos Aires), no entanto, tem comemorado indicadores inflacionários, que, supostamente, teriam cedido. Entre os meses de fevereiro e março desse ano, a escalada de preços teria sido menor, de 11%, contra 13,2%, 20,6 e 25,5% nos meses imediatamente anteriores.
Embora os números dependam da fé em um governo claramente orientado a servir aos banqueiros e não ao povo, é bem possível que em um cenário onde o consumo desabe de maneira catastrófica, os preços caiam. O que os números revelam, no entanto, é um grande descompasso entre os efeitos deletérios da política neoliberal para controle dos preços e o custo econômico delas.
A devastação acelerada de uma economia já em recessão apresenta a única tendência de tornar o país ainda mais dependente das importações e, consequentemente, do humor do dólar. Os dados relativos à queda de cimento, de artigos da construção e de combustíveis mostram uma economia em franco processo de desindustrialização, portanto altamente propensa a novos piques inflacionários e muito mais suscetível a ataques especulativos, que inevitavelmente ocorrerão em breve.
Finalmente, a queda de 10% no consumo de comida para reduzir o índice inflacionário a 11% é o que pode ser chamado de vitória pírrica, se é que pode ser chamada de vitória. A crise social acarretada pelo “sucesso” da política de Milei só poderia ser comemorada por alguém que perdeu completamente a sensibilidade, a ponto de defender o empobrecimento da população como arma para reduzir os preços, quando políticas mais progressistas como investimentos na expansão da capacidade produtiva fariam o mesmo.
Comentando a severidade da crise argentina ao canal deste Diário Causa Operária no YouTube, o comandante Robinson Farinazzo destacou a responsabilidade do atual regime golpista, que, por sinal, guarda algumas similaridades com o regime de espoliação do Brasil comandado por Michel Temer (MDB):
“Milei é o pior que poderia haver na América Latina (…) tem gente que fala ‘vai ficar pior para depois ficar melhor’, [mas] ele vai dar esse choque e depois não melhorará coisa nenhuma. A gente tá cansado de saber que todas às vezes que vem esse choque, a vida do ‘andar de baixo’ sempre piora, veja o governo Temer.”
Para o analista político e militar, “a América Latina entrou no modo ‘liquidação’. O imperialismo tá tomando umas cacetadas na Europa Oriental, tá tomando umas cacetadas do Oriente Médio e na África a situação não tá boa, então o pessoal ‘falou não tem jeito vamos para cima da América Latina com tudo’”, acrescenta Farinazzo, concluindo por fim que “tem gente que acha que o governo Mileu é isso, vai ficar ruim, mas depois melhora, eu já vejo de outra forma, acho que ficará ruim e depois ficará muito pior. Isso é só o começo.”
No mesmo debate, o presidente nacional do Partido da Causa Operária (PCO), Rui Costa Pimenta, diz ver esse resultado catastrófico como “natural à política neoliberal”.
“Em um primeiro momento”, afirma Pimenta, “parecia ser uma política racional, diminuir a inflação com grande custo para população, mas ela [a política neoliberal] permite estabelecer uma compensação para o grande capital, por meios para facilitar a especulação financeira. No caso do Brasil, por exemplo, houve uma espécie de dolarização da economia. O Real ficou em paridade com dólar, o que permitiu grandes lucros para a especulação financeira, às custas, logicamente, da economia nacional.”
O dirigente do PCO destaca, porém, que “agora, estamos entrando em uma situação na qual o imperialismo já não consegue fazer esse milagre. Nas condições atuais, que mudaram muito, a economia nacional da maioria dos países está muito debilitada, o que tende a produzir um resultado catastrófico mesmo”, diz, acrescentando com a caracterização de que “é uma política de terra arrasada.”