O portal Esquerda Online, órgão do grupo psolista Resistência, traduziu e publicou no último dia 27 o artigo Trump 2.0 significará mais sofrimento no Oriente Médio, escrito por Richard Silverstein, originalmente para o portal esquerdista Jacobin. Como o título indica, o artigo de Silverstein dedica-se a defender a tese de que com o retorno de Donald Trump à Casa Branca (sede do governo norte-americano), porém, ao centrar fogo em um exercício de imaginação quanto a política do líder da extrema direita norte-americana, o autor acaba fazendo uma defesa do atual presidente, o democrata Joe Biden. Exibindo uma simpatia pelo criminoso mantadário norte-americano que mais ninguém demonstrou, o texto do esquerdista, por exemplo, transforma o apoio decisivo da Casa Branca para o genocídio do povo palestino em “distração pessoal de Biden”, como demonstra o parágrafo abaixo:
“A distração proposital de Biden ao Oriente Médio e sua falha em priorizar o conflito israelense-palestino conduziu aos horrores da guerra em Gaza. Gerenciar um conflito é diferente de fazer um esforçado trabalho necessário para resolvê-lo. A gestão muitas vezes resulta em danos ainda maiores quando as tensões aumentam. Se o presidente tivesse se engajado mais, ele poderia ter atuado de forma mais rápida e decisiva. Ele poderia ter sido capaz de aliviar o sofrimento ou até mesmo encerrando as hostilidades, como fez durante um conflito anterior em 2021. A distração do presidente [Biden] convenceu Netanyahu de que ele poderia conduzir uma guerra de extermínio contra o Hamas e o povo de Gaza — e escapar impune. Biden provou que Netanyahu estava certo. Uma segunda presidência de Trump promete ainda mais dor e sofrimento em toda a região, incluindo uma potencial guerra regional entre Israel, apoiado pelos Estados Unidos e seus aliados ocidentais, e o Irã, junto com seus aliados regionais.”
Na ânsia por defender seu imperialista de estimação, o autor comete um erro inacreditável ao creditar a política de Joe Biden no Oriente Médio a uma “distração proposital”, revelando ainda que parte da esquerda abandonou da luta de classes como guia para interpretar os fenômenos sociais, mesmo grupos que se reivindicam marxistas como o Esquerda Online. A alegação de “distração” ignora que a política imperialista dos EUA na região tem sido a mesma desde o fim da Primeira Grande Guerra, com o início do Mandato Britânico na Palestina, até a Nakba em 1948.
Desde o início do século XX, o imperialismo se especializou em usar “Israel” como base militar para o controle da região, utilizando os métodos que hoje a internet e as redes sociais tornaram visíveis à humanidade. O governo Biden seguiu exatamente esse padrão: longe de estar “distraído”, manteve contato constante com Netaniahu, recebeu-o no Congresso e garantiu apoio financeiro massivo ao regime sionista. US$95 bilhões, por exemplo, foram aprovados em ajuda militar a “Israel” e Ucrânia, dos quais mais de US$22 bilhões já utilizados pela ditadura sionista.
Ao contrário do que tenta difundir o autor da revista Jacobin no artigo republicado no Esquerda Online, Biden não apenas tolera o genocídio palestino, mas o subsidia ativamente. Se a devastação de Gaza fosse apenas resultado de “distração” financiada com dezenas de bilhões de dólares, seria caso de internação psiquiátrica, não apenas do mandatário norte-americano, mas de todo o aparato de Estado do país imperialista. Silverstein, porém, escolhe transformar a defesa do indefensável em uma desculpa absurda.
O problema maior é que essa defesa mal disfarçada de Biden é também uma tentativa de proteger os democratas, o Partido que melhor representa os interesses do setor mais poderoso do imperialismo norte-americano. Joe Biden, como figura central, não é um novato nessa política belicista. Desde a Guerra das Malvinas, ele apoiou e financiou ações que levaram à destruição e à morte de um incontável número de pessoas em nome da manutenção do poder imperialista.
Ao invés de confrontar a brutalidade desse histórico, Silverstein prefere insinuar que um político que jamais hesitou em expandir a máquina de guerra dos EUA seria um elemento moderado e que agora, com Trump, é que o genocídio recrudescerá. Claro que sendo um elemento da burguesia norte-americana, Trump dificilmente colocará obstáculos à matança em escala industrial do povo palestino, porém nem por um acaso, conseguirá ser pior do que Biden, este sim, um representante do setor da burguesia norte-americana interessada em erradicar os povos árabes e os palestinos em primeiro lugar.
O problema não é apenas a política de Biden, mas a continuidade de uma estratégia imperialista de longa data, cujas raízes remontam ao Mandato Britânico. É risível e indigno de um esquerdista sério tratar o genocídio na Faixa de Gaza como fruto de uma “distração” do presidente norte-americano.
Desde a criação de “Israel”, os governos imperialistas usam a região como laboratório de dominação, e Biden não foge à regra. Silverstein, ao adotar essa abordagem, contribui para desinformar a esquerda e defender nada menos do que existe de pior e mais monstruoso no planeta, que é justamente o Partido Democrata, a agremiação mais umbilicalmente ligada ao imperialismo norte-americano.
Ao fazê-lo, demonstra ainda que existem setores na esquerda mundial inacreditavelmente mais determinados a defender Biden do que o próprio imperialismo, que se apressou em tirá-lo da disputa presidencial vencida por Trump. Neste grupo de esquerdistas, como se vê, está incluso o psolista Resistência.