O artigo “Todo pedido de desculpas de um racista é infame”, assinado por Ricardo Nêggo Tom e publicada neste domingo (1º) no Brasil 247, reforça a ideia de que, para os identitários, assim como para a burguesia, os problemas sociais precisam ser resolvidos com o uso da cadeia.
Outro dado que chama a atenção no título do artigo é que nele está implícito que as pessoas não podem errar. E, caso errem, não podem se desculpar, pois se trataria de uma infâmia, seria igualmente uma atitude vergonhosa.
No olho do texto, lemos que “Se o racismo realmente fosse crime no Brasil, Ana Paula Minerato já teria sido eleita a musa das presidiárias”. Para entendermos o caso, áudios foram vazados nos quais Minerato, em uma cena de ciúme, ofendia a atual namorada de seu ex-companheiro, KT Gomes. Perguntava a ele se gostava de “mina de cabelo duro”, “neguinha” etc.
Após ter sua conversa divulgada pelo ex-namorado, e com a repercussão que o caso tomou, Ana Paula Minerato gravou um vídeo se desculpando. Ricardo Nêggo Tom reproduziu as falas que diziam “Oi, gente! Eu quero muito falar com vocês. Eu tô muito mal! Eu sei que eu fiz algo horrível. Quero até pedir desculpas pra todo mundo que se sentiu ofendido.”, e comentou “Foi com essas frases que a ex-apresentadora da Band e ex-musa da Gaviões da Fiel, Ana Paula Minerato, iniciou o vídeo onde pretendia pedir desculpas sobre o crime de racismo cometido por ela contra a cantora Ananda, vocalista da banda Melanina Carioca, a qual ela se referiu como ‘neguinha do cabelo duro’ e a associou ao estereótipo de uma empregada doméstica, devido a sua provável raiz africana. O clássico ‘tem um pé na senzala’ que a branquitude costuma utilizar para desqualificar a existência e questionar a validação de pessoas de pele clara, mas de origem preta”.
Qual foi o crime de racismo cometido? A conversa gravada se deu em âmbito privado, não foi digirida diretamente à cantora Ananda, que nunca teria sabido do ocorrido sem que tivesse ocorrido a divulgação. Por ruim que sejam as falas, não é crime.
Cancelamento
O identitarismo tem uma prática nefasta que se chama ‘cancelamento’. Quem for condenado no Tribunal da Inquisição Identitária vai para a fogueira, sem apelação, e perde emprego, contratos etc. É por isso que Ricardo Nêggo Tom faz referências a “ex-apresentadora” e “ex-musa da Gaviões da Fiel”. Minerato foi demitida da Band e da escola de samba.
Há inúmeros casos de cancelamentos, como o caso do técnico de futebol, Cuca, que foi acusado de ter mantido relações sexuais com uma menor de idade quando esteve na Suíça, em 1987. À época, Cuca tinha 24 anos. Em novembro de 2023, o caso foi reaberto a pedido da defesa do treinador, no qual se verificou diversas irregularidades no processo. O caso foi encerrado e Cuca ainda foi indenizado com a quantia de 9.500 francos.
Em abril do ano passado, Cuca sofreu uma enorme perseguição nas redes sociais, onde foi julgado e condenado pelos identitários, e foi demitido do Corinthians, tendo permanecido apenas seis dias no cargo.
Para o identitarismo, os eventuais ‘crimes’ que uma pessoa tenha praticado não prescrevem, a condenação é perpétua, marcasse a ferro um estigma na testa das pessoas, como se fazia na Antiguidade.
O artigo diz que “O áudio vazado que expõe o racismo de Ana Paula, não deveria ser encarado com espanto por uma sociedade histórica e essencialmente alicerçada sobre a racialização de pessoas como estrutura de poder e dominação”. Esse é um erro comum dos identitários, acreditar que o racismo é causa, e não resultado de determinadas relações sociais.
A economia brasileira no período colonial esteve alicerçada principalmente no trabalho escravo, não na ‘racialização’. Se havia alguma ‘estrutura’ teria que ser identificada no modo de produção, que é o que rege a sociedade, não em um suposto ‘racismo estrutural’ que, aliás, jamais foi comprovado.
As sociedades escravistas sempre escravizaram os povos que derrotavam. Gregos e egípcios tanto escravizaram como foram escravizados. Nunca houve uma predileção pela escravidão negra, esta foi decorrência de determinado período histórico.
Misoginia?
Em seu artigo, Nêggo Tom trata Minerato como sendo burra e também a chama de mula. Qual é o padrão que os identitários utilizam além do oportunismo? Não caberia acusar o autor do artigo, utilizando seus critérios, com os quais não concordamos, de misoginia?
É preciso lembra que uma conversa íntima de Ana Paula Minerato foi exposta pelo ex-companheiro. Quanto a isso, o autor do artigo diz que “Minerato tenta conquistar a empatia do público, sobretudo, das mulheres, chamando a atenção para o seu sofrimento como mulher vítima de um relacionamento abusivo. Aliás, foi o suposto abusador psicológico de Ana Paula quem teria vazado o áudio”.
Recentemente, Anielle Franco acusou Silvio Almeida de assédio sexual, o caso repercutiu e a palavra da ministra foi prontamente aceita. Por que isso não serviria no caso de Minerato? O que mostra que no mundo moral do identitarismo há vários pesos e medidas.
O fato de uma conversa íntima ter sido tornada pública não configura, para Nêggo Tom, um abuso. Segundo afirma, “para qualquer pessoa que saiba interpretar um texto, soa como uma tentativa de culpar o rapaz pelo crime que ela cometeu, imputando a ele a condição de homem abusador, para lhe tirar a confiabilidade do gesto de expor o crime racial da beldade”.
No final do artigo, Ricardo Nêggo Tom nos faz um alerta “Não subestimem o poder de uma mulher branca, loira e racista chorando, pedindo desculpas e acusando um homem de ter provocado o seu cancelamento”. Por acaso uma mulher, com os atributos que Nêggo Tom aponta, não pode mesmo ser vítima de um relacionamento abusivo e se ver prejudicada?
É curioso, pois os identitários sempre se apressam a condenar os homens não importando o motivo quando se trata de algo que envolva as mulheres, principalmente se forem homens brancos, como é o caso de KT Gomez, sempre identificados como representantes do “patriarcado”. Desta vez, aquele que seria naturalmente tratado como opressor, é chamado de “rapaz”.
Devemos agradecer a esse texto, não pelo alerta, mas pela forma didática como mostra o oportunismo identitário, além de revelar como essa ideologia tropeça nas próprias e é contraditória.
Infelizmente, a extrema direita tem sabido canalizar o descontentamento da população com o identitarismo, uma ideologia importada dos Estados Unidos que se infiltrou na esquerda e deixou um flanco aberto. Por isso é preciso criticar e combater essas ideias reacionárias, que só servem para fortalecer as instituições repressoras do Estado, criando um ambiente opressivo, ideal para o fortalecimento do fascismo.