A derrota de Kamala Harris e do Partido Democrata nas eleições presidenciais e legislativas dos EUA, ocorridas nesta semana, pode ser explicada por uma série de motivos diferentes, mas não há dúvidas que um dos mais importantes deles é o apoio financeiro, político e bélico do genocídio perpetrado por Netaniahu na Faixa de Gaza.
Em locais como a cidade de Dearborn, subúrbio majoritariamente árabe em Michigan, o descontentamento de muitos árabes-americanos com o Partido Democrata teve um impacto decisivo nas últimas eleições. A indignação com a política genocida de Biden e da vice-presidente Kamala Harris ficou evidente nas urnas, onde uma mudança de votos em relação a 2020 beneficiou significativamente o ex-presidente Donald Trump.
No geral, a comunidade árabe-americana em Michigan, historicamente alinhada com o Partido Democrata, simplesmente não conseguiu manter seu apoio aos Democratas diante dos acontecimentos recentes. Nas eleições deste ano, Harris perdeu Dearborn para Trump por mais de 2.600 votos. Em 2020, Joe Biden havia derrotado Trump na cidade com mais de 17.400 votos de vantagem. Essa virada de mais de 20.000 votos contribuiu para que Trump conseguisse retomar Michigan, um estado decisivo.
Hussein Dabajeh, consultor político libanês-americano da área de Detroit, explicou o sentimento predominante na comunidade: “a comunidade árabe declarou: somos contra o genocídio. Apoiamos os candidatos que apoiam a comunidade e nos opusemos aos candidatos que se colocaram contra ela”. Embora seja uma candidata minoritária, Jill Stein, do Partido Verde, adotou uma política crítica ao conflito, ainda que de forma moderada, e teve um desempenho notável na cidade, crescendo de 207 votos em 2020 para mais de 7.600 votos neste ano.
Harris não disfarçou desprezo pela população árabe
Talvez por estar promovendo um genocídio de seu povo, a campanha de Kamala Harris não viu que havia condições de estabelecer um diálogo direto com a comunidade árabe e muçulmana em Dearborn e no restante do país. O prefeito da cidade, Abdullah Hammoud, considera que essa hesitação em abordar diretamente os eleitores árabes-americanos criou ainda mais distanciamento. “Eles não queriam bater nas portas onde pensavam que as conversas poderiam se arrastar e onde os votos poderiam não estar”, afirmou o prefeito antes das eleições. É evidente, no entanto, que não havia condições políticas para uma genocida se sentar diante das pessoas cujo povo ela massacra em outra parte do mundo.
Essa postura foi de encontro com a abordagem de Trump. Durante sua campanha, o ex-presidente visitou Dearborn, considerado o centro do poder político e financeiro árabe-americano em Michigan, e conversou com líderes da comunidade sobre a necessidade de encerrar o conflito. Trump levou ao palco de seus comícios oficiais imãs árabes e muçulmanos, chamando-os de “grandes pessoas” e prometendo que seu governo buscaria a paz no Oriente Médio. É evidente que o candidato de extrema direita se aproveitou da brecha deixado pelos democratas para conquistar esses votos.
Além da ausência, Harris também enfrentou críticas por rejeitar reivindicações da comunidade árabe-americana. No início do ano, a campanha de Harris recusou um pedido para que um representante palestino fizesse um discurso na Convenção Nacional Democrata em Chicago, em agosto. Além disso, ela negou um pedido de reunião feito pelo Uncommitted Movement, grupo criado durante as primárias democratas para pressionar o presidente Biden a reavaliar seu apoio incondicional a “Israel”.
Samraa Luqman, ativista árabe-americana de origem iemenita, destacou: “se Harris perder, será por causa dessa comunidade, será por causa de Gaza e do genocídio que está acontecendo”, disse Luqman. Segundo ela, os democratas há muito tempo subestimam a importância do voto árabe, considerando-o como garantido. Ela afirmou estar pronta para assumir, junto com o restante da comunidade árabe dos EUA, a culpa por sua derrota, em entrevista dada antes das eleições: “eu estarei lá no dia seguinte, dizendo: é por nossa causa que vocês perderam”.
O apoio da máquina de guerra do imperialismo
Evidenciando ainda mais a sua disposição em dar prosseguimento e até aprofundar a carnificina na Palestina, Kamala Harris se associou a figuras ligadas ao genocídio do povo árabe e à destruição do Oriente Médio em períodos anteriores. Durante sua campanha, Harris se uniu a Liz Cheney em Michigan e aceitou o endosso de Dick Cheney, ex-vice-presidente e arquiteto da política fascista da era Bush, apelidada de “Guerra ao Terror”, que devastou países como o Iraque de forma sanguinária e criminosa.
“Nós temos Harris sendo endossada por neoconservadores como Liz Cheney e Dick Cheney, e ela está fazendo campanha abertamente com eles, elogiando-os,” comentou Mustapha Hammoud, conselheiro da cidade de Dearborn. “As pessoas aqui não vão votar em George W. Bush, então não veriam razão para votar em Harris também”.
Enquanto isso, Trump buscou conquistar a confiança da comunidade árabe com promessas de paz, enfatizando que, durante sua administração, ele havia evitado novos conflitos e buscado a retirada das tropas dos EUA do Iraque e Afeganistão. O prefeito de Dearborn Heights, Bill Bazzi, um libanês-americano, também endossou Trump, afirmando que decidiu apoiar “com força total” o ex-presidente após ver Harris associada a figuras como Liz Cheney. Segundo ele, Trump é o candidato que realmente busca a paz. “Trump quer a paz. Ele não quer guerras”, disse Bazzi, que é veterano da Marinha dos EUA.
Trump, em uma publicação recente na plataforma X, afirmou: “estamos construindo a maior e mais ampla coalizão na história política americana, incluindo números recordes de eleitores árabes e muçulmanos em Michigan que querem PAZ”. Ele continuou: “eles sabem que Kamala e seu gabinete belicista invadirão o Oriente Médio, matarão milhões de muçulmanos e iniciarão a Terceira Guerra Mundial. VOTE TRUMP, TRAGA A PAZ DE VOLTA!”.
Embora seja evidente que Trump sempre foi um apoiador do sionismo e promoveu políticas anti-muçulmanos em seu primeiro mandato, há uma percepção de sua parte de que era possível capitalizar o apoio dessa população graças à crise política gerada pelos democratas com o genocídio dos palestinos em Gaza.
A popularidade de Trump entre árabes-americanos não é apenas um fenômeno em Michigan, mas parece ser uma tendência nacional. Uma pesquisa recente do Instituto Árabe Americano indicou que 42% dos eleitores árabes dos EUA preferem Trump, contra 41% que apoiam Harris. Em 2020, Biden obteve 59% de apoio entre os árabes-americanos, contra 35% para Trump. No entanto, figuras como Abdullah Hammoud, prefeito de Dearborn, recusaram-se a apoiar Trump devido à criação do banimento de muçulmanos sob sua administração e a outras políticas pró-sionistas, como reconhecer Jerusalém ocupada (Al-Quds) como a capital de “Israel”.
Mas para ativistas como Luqman, o apoio ao ex-presidente Trump é, na verdade, uma tentativa de responsabilizar Harris e o Partido Democrata por suas ações. Ela argumentou que, mesmo que Trump não pressione diretamente “Israel” para encerrar a guerra, ele estaria mais suscetível à pressão em Washington, enquanto o Partido Democrata, no poder, falhou em influenciar Biden a mudar de postura. “Se olharmos para o longo prazo, isso mostra que a comunidade árabe está disposta a se afastar dos democratas para provar que somos um voto decisivo nas eleições”, concluiu.
Enquanto muitos optaram por apoiar Trump, outros eleitores em Dearborn expressaram o desânimo com ambos os candidatos. “Não temos planos de votar este ano, dada nossa insatisfação com os dois candidatos”, disseram Gigi Alalyawi e Jomana Ismail, eleitores árabes dos EUA. Mesmo entre os apoiadores de Harris, como o imã local Mika’il Stewart Saadiq, houve um choque de opiniões. Após apoiar publicamente Harris, ele rapidamente enfrentou reações contrárias da comunidade.
Embora o governo norte-americano sempre tenha apoiado “Israel” e sua política criminosa na Palestina, é preciso dizer que a reação armada dos palestinos, liderada pelo Hamas, serviu para que o problema viesse à tona nesse último período, gerando uma crise de proporções gigantescas para o imperialismo.
A derrota de Kamala Harris é mais um sintoma dessa crise.