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Esquerda brasileira

O que Trótski ensina a ‘trotskistas’ que celebram queda de Assad

Síria e Afeganistão mostram acerto do organizador da IV Internacional ao colocar a luta de classes acima das formas de governo, mas ditos seguidores de sua política discordam

O sítio Emancipação Socialista publicou, no último dia 18, um artigo intitulado Algumas questões sobre a queda do antigo regime de Assad na Síria, se propondo a uma “compreensão mais totalizante” sobre os últimos acontecimentos no país árabe, atualmente, em risco de esfacelamento. Diz o órgão:

“Passados alguns dias desde a queda do governo Bashar-al Assad e com mais informações, agora é possível tratar com mais segurança sobre o processo sírio do qual a queda de Assad é um dos elementos. Desde o levante popular de 2011, a Síria passa por instabilidades políticas com guerra civil, repressão do antigo regime contra opositores (prisões, torturas e assassinatos), crise econômica e social.

É um processo bem complexo e contraditório com a presença de forças políticas e militares dos países da região, reivindicações democráticas, milícias fundamentalistas, financiamento de grupos por parte de outros governos, além dos interesses de Israel e Estados Unidos. Há também visões bem distintas na esquerda, entre outras questões.”

Para um marxista e, em especial, para organizações que têm como referência o programa da Quarta Internacional, o simples fato de “interesses de Israel e Estados Unidos” aparecerem em uma disputa política, qualquer que seja, já deveria demonstrar de maneira cabal qual lado não deve ser apoiado por um revolucionário, em hipótese alguma. Não é assim, porém, que o órgão esquerdista se orienta.

Mesmo reconhecendo os interesses imperialistas, Emancipação Socialista dedica-se a reproduzir a propaganda usual do imperialismo contra seus desafetos, quando fala em “repressão do antigo regime contra opositores (prisões, torturas e assassinatos)”. Parafraseando Leonel Brizola, porém, se os EUA são a favor de algo, os trabalhadores devem se colocar contra; se os EUA são contra, os trabalhadores devem ser a favor. Para os trotskistas em especial, o aforismo foi melhor detalhado pelo próprio Leon Trótski, na clássica consideração em que toma a ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas como exemplo:

“Existe atualmente no Brasil um regime semi-fascista que qualquer revolucionário só pode encarar com ódio. Suponhamos, entretanto, que amanhã a Inglaterra entre em conflito militar com o Brasil. Pergunto a você: de que lado estará a classe operária nesse conflito? Eu responderia: nesse caso, eu estaria do lado do Brasil ‘fascista’ contra a Inglaterra ‘democrática’ [grifo nosso]. Por quê? Porque o conflito entre os dois países não será uma questão de democracia ou fascismo. Se a Inglaterra triunfasse, ela colocaria outro regime fascista no Rio de Janeiro e fortaleceria seu controle sobre o Brasil. No caso contrário, se o Brasil vencesse, isso daria um poderoso impulso à consciência nacional e democrática do país, podendo levar à derrubada da ditadura de Vargas. A derrota da Inglaterra, ao mesmo tempo, representaria um duro golpe para o imperialismo britânico e daria um grande impulso ao movimento revolucionário do proletariado inglês. É preciso, porém, não ter uma visão simplista para reduzir os antagonismos mundiais e os conflitos militares a uma luta entre fascismo e democracia. É necessário saber distinguir os exploradores, os escravagistas e os ladrões por trás de qualquer máscara que eles utilizem!”

Analisar um conflito à luz da luta de classes exige compreender que, em disputas entre um país imperialista, como a Inglaterra ou os EUA, e um país atrasado, como o Brasil ou a Síria, a questão central não é se o país está sob um regime “democrático” ou “autoritário”. O fundo social de um conflito desse tipo coloca em campos antagônicos a burguesia imperialista, mais desenvolvida, mais poderosa; e a burguesia do país atrasado, que, embora oprima a classe trabalhadora local, é também explorada pela burguesia imperialista – que também oprime os trabalhadores do país.

O exemplo que Trótski nos dá ao comparar a Inglaterra e o Brasil é claro: a vitória da Inglaterra não significaria outra coisa além de um aumento da exploração contra o Brasil, aprofundando a opressão sobre os trabalhadores do País. No entanto, se o Brasil vencesse, isso enfraqueceria o imperialismo, criando condições muito mais favoráveis para a luta dos trabalhadores brasileiros, em primeiro lugar, mas também de todos os povos oprimidos do planeta. O mundo testemunhou o acerto desse raciocínio recentemente, no Afeganistão.

A vitória dos talibãs, independente de qualquer consideração transcendental à luta de classes em si, desmoralizou o imperialismo e marcou um ponto de virada na política mundial, colocando a ditadura mundial em sua pior crise desde a Segunda Grande Guerra. Qual a importância das ideias que os talibãs têm para esse desenvolvimento? Nenhuma, assim como não importa qual forma de governo adotada pelo país asiático ou a ideologia dominante do país. No campo de batalhas da política mundial, o fato concreto é que os piores inimigos da humanidade, montados na mais avançada e poderosa máquina de guerra já vista na história, foram derrotados por criadores de cabras trajando sandálias.

Essa mesma orientação dada por Trótski deve ser aplicada ao caso atual da Síria. Passando longe da orientação dada por Trótski, o órgão que se reivindica trotskista diz:

“A ditadura dos Assad já durava 50 anos com muita repressão sobre o povo sírio e também contra os curdos. Com algumas medidas de cunho nacionalista, o enfrentamento ao imperialismo era muito pontual e não servia de base para o enfrentamento ao Estado colonialista israelense. Mas, também tinha contradições, principalmente por abrigar o Hezzbolah que foi importante na defesa do regime contra o Estado Islâmico. Já em relação à França, as relações – pelo menos antes da explosão da Primavera Árabe – eram muito mais amistosas contando com o apoio dos governos Miterrand, Chirac, entre outros.

Dessa forma, não podemos concordar com setores de esquerda que veem nessa ditadura elementos progressistas. A sua queda, ainda que com muitas contradições, abre a possibilidade de novos avanços. Era uma ditadura de um governo capitalista e sua derrubada, possibilita ao povo se organizar e avançar com conquistas” [grifos nossos].

Mais importante do que as contradições típicas de um governo nacionalista são as contradições de Emancipação Socialista que devem ser destacadas. O órgão reconhece que o governo de Assad tinha “medidas de cunho nacionalista” dedicadas ao “enfrentamento ao imperialismo”, tendo, inclusive, uma relação próxima com o mais desenvolvido partido revolucionário do Mundo Árabe, o libanês Hesbolá. Apesar disso, considera que “sua queda abre possibilidade de avanços”? Trata-se de uma colocação que coloca o órgão em frontal oposição a um dos princípios basilares do trotskismo, uma vez que coloca o fígado acima da luta de classes.

Se para Trótski a vitória do regime “semi-fascista” (ou seja, cheio de contradições) de Vargas contra o imperialismo abria possibilidades positivas para a classe trabalhadora brasileira, para Emancipação Socialista é o contrário, a vitória do imperialismo ante o contraditório regime de Assad na Síria é que abre caminho para um desenvolvimento positivo da luta de classes.

É certo que Israel agiu para derrubar Bashar al-Assad, mas ainda não está visível quais as consequências para a luta do povo palestino.

Nessa ‘nova Síria’ é pouco provável que Israel consiga apoio do HTS pelo seu caráter colonialista, os massacres contra o povo palestino, a ocupação de parte do território na guerra de 1967 e as recentes e constantes agressões ao território sírio. Logo após a queda de Bashar al-Assad, Netanyahu ordenou a ampliação da presença e ocupação militar israelense além das Colinas de Golan” [grifos nossos].

Como envelhecem mal as formulações mal-refletidas! “Israel” não apenas conseguiu apoio do HTS como já deixou claro que irá expandir seu domínio sobre o território sírio, sendo ainda assim agraciados com a amizade do dirigente dos mercenários do HTS, o “inclusivo” al-Jolani. A “nova Síria” pós-Assad se encaminha cada vez mais para ser uma mistura de “antiga Iugoslávia” com Líbia, um país retalhado pela barbárie imperialista e jogado à Idade das Trevas. Para os EUA e “Israel”, o desenvolvimento não poderia ter sido melhor.

Que Emancipação Socialista demonstre, então, como isso é positivo para a luta revolucionária dos povos árabes e dos demais povos oprimidos do planeta. Se é verdade que, no longo prazo, a situação terá outros desenvolvimentos, no curto, a queda de Assad não traz qualquer benefício para ninguém exceto Netaniahu e cia.

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