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Kamala Harris e a esquerda

O que é um compromisso para os marxistas?

Revolucionário alemão apresentou, em 1899, uma análise profunda sobre essa questão

Em artigo publicado no dia 27 de julho, explicamos, a partir da polêmica travada em torno das eleições presidenciais norte-americanas, qual é a posição marxista sobre a questão do mal menor. Na ocasião, apresentamos o folheto Nenhum compromisso, nenhum acordo eleitoral, publicado em 1899 pelo revolucionário alemão Wilhelm Liebknecht.

O texto de Liebknecht, que causou um grande impacto no movimento operário, apresenta de maneira cristalina: pior que os inimigos declarados, como Donald Trump, são os falsos amigos, como Kamala Harris. No presente artigo, nos debruçaremos sobre um capítulo específico da obra, que aborda o significado da palavra “compromisso” para os marxistas. Tal compreensão é fundamental para analisar não apenas a política do “mal menor”, mas o conjunto da intervenção do movimento operário na luta política.

Surpreendendo a muitos que possuem uma noção vaga do que seja o marxismo, Liebknecht inicia a seção explicando que “toda a história humana, desde a vida do indivíduo até a das nações, é uma cadeia interminável e ininterrupta de compromissos”. Ele ainda afirma que concepção de que a história evoluiria por meio de periódicas “tabulas rasas” seria não apenas “anticientífica”, como que também estaria “em direta contradição com a experiência”.

Para esclarecer a sua posição, Liebknecht recorre aos ensinamentos básicos do materialismo dialético, apresentados inicialmente por Karl Marx e Friedrich Engels. O revolucionário alemão lembra que as leis segundo as quais se desenvolve o progresso político e social “não podem ser arbitrariamente alteradas ou anuladas, assim como não se pode fazer isso com as leis sob as quais um animal ou uma planta cresce e se desenvolve”. Da mesma forma que Engels explicaria no cânone Do socialismo utópico ao socialismo científico, que “todo ser orgânico é, a qualquer instante, ele mesmo e outro; a todo instante, assimila matérias absorvidas do exterior e elimina outras do seu interior; a todo instante, morrem certas células e nascem outras em seu organismo”, Liebknecht estabelece que a mudança nas relações sociais, embora ocorra incessantemente, “ocorre gradualmente porque é um movimento orgânico”. Ele, então, apresenta um caso concreto como exemplo para ilustrar seu pensamento:

“Vimos isso claramente na Revolução Francesa, que foi, provavelmente, a mais bem planejada e energeticamente realizada de todas as convulsões políticas; mas, no entanto, depois que o ‘período de ouro’ de exploração ideológica e de ilusões fantásticas e utópicas passou, foi forçada a aceitar as coisas como eram e ajustar o novo ao velho. Na primeira investida, pode ser possível, ocasionalmente, expulsar o vivo; mas a história nos ensina que os governos mais revolucionários e despóticos foram, finalmente, compelidos pela lógica dos fatos a ceder e reconhecer, talvez de outra forma, aquilo que foi abolido de maneira não natural e mecânica. Em suma, historicamente visto, o presente é, em geral, um compromisso entre o passado e o futuro.”

Após o debate filosófico, Liebknecht conclui: seria uma tolice prática para um partido político deixar de tirar vantagem das oportunidades da vida política e utilizar a seu favor as brigas entre partidos opostos. Como exemplo, explica que os sociais-democratas alemães, em determinadas questões, votaram junto com os conservadores e, em outras questões, votaram junto com os radicais. “Embora seja sem dúvida um compromisso entre teoria e prática, não tem nada a ver com os compromissos contra os quais o partido repetidamente se declarou expressamente contrários”. Surge, então, a questão: se um partido revolucionário não deve abdicar dos compromissos, quais são os compromissos que não deveriam ser firmados?

Segundo Liebknecht, os compromissos proibidos pelas resoluções dos fundadores do Partido Social-Democrata da Alemanha são as “alianças, acordos, arranjos, contratos ou qualquer coisa que envolvesse uma rendição de princípios ou, em geral, uma mudança na relação de nosso partido com os partidos burgueses de maneira prejudicial a nós”. Isto é, os compromissos ilícitos seriam aqueles que atentassem contra os princípios do partido revolucionário ou que o distanciasse de seus objetivos.

Essa compreensão esclarece de uma vez por todas a posição que a esquerda deveria adotar face às eleições norte-americanas. Apoiar Kamala Harris viola algum princípio do movimento operário? Sim, sem dúvidas. Consiste no apoio ao inimigo de classe do proletariado, no apoio à burguesia. Mais que isso: no apoio ao setor mais reacionário e mais poderoso da burguesia, o imperialismo, em um momento no qual a burguesia não é capaz de promover qualquer tipo de progresso social.

Ao apoiar Kamala Harris, um partido que se diga representante da classe operária se choca com o mais famoso lema do Manifesto do Partido Comunista: “trabalhadores do todo o mundo, uni-vos”. No caso atual, “uni-vos” contra o quê? Em nome de quê? Se a unidade acontecerá com os ditadores da ordem mundial, qual a necessidade de os trabalhadores se organizarem enquanto classe, uma vez que a própria burguesia imperialista já se encarregaria de resolver os seus problemas?

O apoio da esquerda a Kamala Harris não afeta em nada os objetivos do Partido Democrata. Não implica em nenhum tipo de compromisso com os explorados pelos monopólios que estão por trás dessa verdadeira organização criminosa. Para os trabalhadores, no entanto, representa um desastre. Implica em dizer a cada vítima dos bombardeios sionistas, a cada vítima da fome na África, a cada vítima da repressão salvadorenha: não há inimigos contra quem lutar. Não há pelo que lutar, não há pelo que se organizar enquanto classe. O compromisso com o imperialismo, neste caso, implica na liquidação de um partido dos trabalhadores enquanto tal.

Isso tudo já havia sido previsto por Liebknecht em seu texto. Disse ele: “se a consciência de classe não é forte o suficiente entre os trabalhadores, certamente é entre os senhores da burguesia, em quem o instinto de classe é muito mais ativo do que entre os trabalhadores. E isso é verdade mesmo em países com leis e instituições democráticas”. Os compromissos que põem uma classe social a reboque da outra são, portanto, inevitavelmente desastrosos.

O revolucionário alemão ainda compartilha um curioso caso que mostra a universalidade de sua lei sobre os compromissos. Diz ele:

“Na Bélgica, com suas instituições livres de um lado e seu governo dominado por sacerdotes do outro lado, as alianças eleitorais entre a Social-Democracia e os partidos burgueses até agora encontraram um solo fértil. De qualquer forma, em todas as alianças que formou ali, nosso partido teve a vantagem de estar na liderança. Não poderia ser explorado nem enganado. E ainda assim, os camaradas belgas encontraram uma desvantagem nos compromissos. O camarada Vandervelde, escrevendo no Wiener Arbeiterzeitung, saúda a introdução do sistema proporcional na Bélgica como o fim das alianças eleitorais. ‘No futuro’, ele escreve, ‘fatores secundários não entrarão mais na luta de classes; os pontos laterais confusos desaparecerão, o que torna tão difícil para as massas compreender a verdade da luta de classes’. O amigo Vandervelde, portanto, descobriu que os compromissos, mesmo onde ocorrem nas condições e circunstâncias mais favoráveis para os trabalhadores, têm um efeito prejudicial porque ‘dificultam para as massas compreender a verdade da luta de classes’; em outras palavras, as alianças, ao removerem os trabalhadores do terreno da luta de classes, tiram-lhes a possibilidade de desenvolver todo o seu poder e fazer com que ele conte. Isso eles só são capazes de fazer na plataforma da luta de classes.”

Liebknecht conclui, então, de maneira brilhante, que o mal de um compromisso como o que a esquerda propõe hoje em torno da figura de Kamala Harris está fundamentalmente no de que ela tira os trabalhadores do terreno do qual lhe é mais favorável: o da luta de classes, que é “a fonte de todo o movimento trabalhista moderno”.

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