A organização norte-americana Voz dos Trabalhadores (Worker’s Voice, em inglês) publicou um artigo defendendo as manifestações golpistas pró-imperialistas na Geórgia. As manifestações ocorreram porque o partido no governo, Sonho da Geórgia, sob pressão, decidiu congelar o processo de adesão ao bloco da União Europeia até 2028.
Assim, da mesma forma que foi feito na Ucrânia em 2014, com o Euromaidan, o imperialismo decidiu colocar em marcha uma operação da “revolução colorida” para pressionar o governo. Apesar da pressão imperialista, o parlamento georgiano elegeu Mikheil Kavelashvili, um duro crítico do chamado “Ocidente” e opositor à adesão do país à UE, como novo presidente do país. Uma derrota para o imperialismo, portanto.
Kavelashvili, que é ex-jogador profissional de futebol, é um opositor do imperialismo e denunciou, por exemplo, que agências de inteligência ocidentais estão tentando empurrar a Geórgia a uma guerra com a Rússia — da mesma forma como fizeram com a Ucrânia.
No entanto, os “trotskistas” do Voz dos Trabalhadores defenderam as manifestações. “Manifestações em massa eclodiram com organizações estudantis entrando em greve, e até mesmo algumas universidades e instituições da sociedade civil retiraram seu apoio ao novo governo. Embora a integração à UE quase certamente signifique a subjugação adicional da vida econômica e política da Geórgia aos caprichos da burguesia da UE, as perspectivas para os trabalhadores georgianos sob o governo do Sonho da Georgia não são muito melhores. É justo que eles se revoltem contra um regime capitalista que impôs austeridade e tratou grupos ambientalistas comunitários como terroristas domésticos”.
Quer dizer, mesmo reconhecendo que uma integração à União Europeia — o centro da “revolução colorida” — seria ruim para a Georgia, os “trotskistas” consideram “justas” as manifestações por conta da política de austeridade do governo e — pasmem! — pela sua política contra as ONGs financiadas pelo imperialismo dentro do país. Finalmente, o reconhecimento de que uma integração à União Europeia seria “ruim” é apenas uma forma demagógica de, na verdade, tentar se mostrar como uma organização revolucionária, enquanto, de fato, apoia a política do imperialismo no Georgia.
O Sonho da Georgia, no final de outubro, foi eleito com 54,8% dos votos, garantindo uma maioria parlamentar. A oposição, pró-imperialista, liderada pelo então presidente, Salome Zourabichvili logo denunciaram fraude eleitoral — usando a mesma tática utilizada na Venezuela para tentar deslegitimar o governo de Nicolás Maduro. A tese de fraude eleitoral, porém, foi recusada pelo CEC (o TSE da Georgia), certificando o resultado em fins de novembro.
“Ao longo desse processo, houve manifestações significativas convocadas tanto por partidos da oposição quanto por organizações de base. Dezenas de milhares de manifestantes tomaram as ruas, greves eclodiram em universidades e foram enfrentadas com repressão policial violenta. Essa situação tensa explodiu após uma série de eventos em 28 de novembro. No mesmo dia, o primeiro-ministro Irakli Kobakhidze convocou seu novo governo, a UE aprovou uma resolução exigindo uma investigação sobre as eleições georgianas, e Kobakhidze anunciou unilateralmente que a adesão da Geórgia à UE seria suspensa até 2028, juntamente com proibições semelhantes ao financiamento da UE para o governo, acusando a UE de chantagem contra a Geórgia. Embora a oposição georgiana há muito acuse o Sonho da Georgia de se opor à adesão à UE, esta é a primeira vez que o SG adota uma posição tão abertamente anti-UE, após ter apoiado oficialmente a integração à UE por mais de uma década”, escreve A Voz dos Trabalhadores, jornal da organização homônima.
“Em resposta a esses anúncios, uma nova onda de protestos, greves e renúncias abalou a Geórgia. As greves se espalharam para as escolas de ensino básico, várias universidades fecharam completamente, e centenas de funcionários e autoridades governamentais renunciaram. Enquanto isso, a resposta policial tornou-se mais violenta, com 224 pessoas presas enquanto manifestantes desarmados soltavam fogos de artifício e tentavam escapar de gás lacrimogêneo e da polícia de choque”, continua.
Em outras palavras, apontando as manifestações golpistas (os “coxinhatos”, ou o Euromaidan, da Georgia) como legítimas mobilizações populares contra a fraude eleitoral, a organização trotskista está abertamente defendendo a política do imperialismo na Georgia, cujo objetivo é colocar o país contra o governo nacionalista de Vladimir Putin na Rússia, principal representante do bloco anti-imperialista na Europa.
O Sonho da Georgia, que ascendeu como uma organização pró-União Europeia, mudou de posição recentemente. Segundo A Voz dos Trabalhadores, “a guinada política do Sonho da Georgia ocorreu, em parte, como resposta à renovada competição imperialista após a pandemia de COVID-19 e a invasão da Ucrânia pela Rússia. Essas circunstâncias levaram potências imperialistas — especialmente a China e a UE — a tentar assegurar novas rotas de comércio leste-oeste através do Cáucaso. Nesse contexto, o SG afastou-se da busca pela integração europeia e passou a buscar mais apoio da China e da Rússia”.
A organização “trotskista”, portanto, é adepta da tesa de que Rússia e China seriam potências imperialistas que estariam em disputa contra o imperialismo europeu — e não, como é correto, países atrasados que lideram um bloco contra o imperialismo. Mas para os “trotskistas” o problema do Sonho da Georgia vai além: “essa mudança de rumo também veio acompanhada de uma virada reacionária em questões de opressão: após os sucessos eleitorais de figuras de extrema direita no Parlamento Europeu e em estados-membros, o SG alinhou-se ao conservadorismo social e à queerfobia; democratas e reformistas já não têm mais lugar no SG”.
Quer dizer, além de se aliar aos “imperialistas” russos e chineses, um dos grandes problemas do SG seria sua guinada ao “conservadorismo”, contra homossexuais, ambientalistas, etc. Como vimos acima, isso seria um motivo “justo” para apoiar a revolução colorida que quer derrubar o governo para colocar a Georgia em guerra contra a Rússia.
Claro, se autoproclamando marxistas, eles ainda justificam esse apoio ao imperialismo afirmando que “o único elemento consistente na abordagem política do SG é sua defesa dos interesses capitalistas […]. Seja ao se voltar para a UE, para a Rússia ou ao tentar simplesmente consolidar seu domínio sobre a sociedade, o partido o fará às custas dos trabalhadores georgianos e culpabilizando os oprimidos”.
Não se importando e fazer uma análise da luta de classes, A Voz dos Trabalhadores se limita a “criticar” o governo por ser conservador e capitalista, ao mesmo tempo apoiando a política do centro da contrarrevolução capitalista mundial (conservadora, naturalmente): o golpe imperialista.
Comprovando sua defesa do imperialismo, A Voz dos Trabalhadores também defendeu os protestos pró-imperialistas que derrubaram o presidente Aslan Bzhania, da Abecásia, região separatista da Georgia que quer se reintegrar ao território russo. “O domínio russo sobre a Abecásia (e a Ossétia do Sul), bem como o descontentamento popular com ele, é particularmente significativo em um contexto em que o governo do Sonho da Georgia parece estar tentando alcançar alguma forma de aproximação e reintegração com os governos das regiões separatistas sob a bênção da Rússia”.
“Os governos burgueses da Geórgia e de suas regiões separatistas tentarão negociar sua subjugação a uma potência imperialista ou outra; nenhuma autonomia ou liberdade pode ser esperada enquanto a Geórgia e suas regiões forem lideradas por partidos burgueses que buscam oportunidades de se beneficiar sob a proteção do imperialismo”, dizem os “trotskistas”, enquanto apoiam a política do verdadeiro imperialismo.
Para manter as aparências de partido revolucionário, A Voz dos Trabalhadores “critica” a União Europeia, apontando que suas ações “não contribuíram para a causa da democracia na Geórgia; pelo contrário, atrasaram-na ao subordinar a questão democrática à adesão à UE”.
Vejam bem: os “trotskistas” não criticam a União Europeia pelo golpismo, apenas apontam que suas ações são limitadas para reestabelecer a “democracia” na Georgia contra o governo “capitalista” e “conservador” do Sonho da Georgia. Quer dizer, o correto seria a União Europeia realizar mais duras contra o governo em prol da “democracia”. Nossos “marxistas” americanos substituíram completamente a análise da luta de classes pela ideologia burguesa de uma luta entre “democracia” e “autoritarismo”.
Ainda mantendo as aparências, eles dizem: “A integração europeia significa o aumento da dominação da vida política e econômica georgiana por senhores imperialistas que não prestam contas, como ocorreu com a Grécia, Portugal e outras pequenas economias da zona do euro. A UE não pode fingir ser uma observadora neutra na política global. Contudo, a rejeição total por parte do governo georgiano aos pedidos de prestação de contas e transparência é igualmente uma admissão de culpa; é evidente que os georgianos já vivem em um sistema político no qual não têm voz, onde decisões são tomadas por tecnocratas que não respondem ao povo.”
Quer dizer, não importa se a UE vai colocar o país a mercê dos banqueiros imperialistas que vão falir o país para aumentar seus cofres — como fizeram com Grécia, Portugal e outros países; afinal, do outro lado temos um “sistema político no qual [os georgianos] não têm voz, onde decisões são tomadas por tecnocratas que não respondem ao povo.”
Abordando novamente a tese fajuta de que Rússia e China seriam imperialistas, A Voz dos Trabalhadores escreve: “A situação na Geórgia é de uma crise política aguda para sua classe dominante: a facção pró-UE e pró-EUA da burguesia decidiu que prefere arriscar uma crise constitucional, uma interrupção da economia capitalista e uma potencial intervenção estrangeira a permitir que sua rival, a facção relativamente pró-Rússia e pró-China, consolide o poder. Da mesma forma, essa última facção prefere arriscar a mesma crise a abrir mão de seu controle sobre o poder político. Em tal cenário, sindicatos, movimentos sociais e socialistas não podem simplesmente assistir de braços cruzados enquanto os capitalistas decidem o destino do país. Todos que apoiam a verdadeira democracia, o poder da classe trabalhadora e a libertação devem apoiar os protestos em massa e articular slogans que exijam não apenas responsabilidade democrática, mas também independência internacional e alívio econômico para as massas”.
Ou seja, contra o imperialismo real e o “imperialismo” russo e chinês, a classe operária deveria “apoiar os protestos em massa”, isto é, a revolução colorida, ou seja: o imperialismo real…
Na realidade, a classe operária tem que apoiar a luta da Rússia, da China e do governo da Georgia contra o imperialismo, que quer expandir a guerra mundial e atacar a Rússia através do país, como fizeram com a Ucrânia em 2014. E aí, como na Ucrânia, se o plano do imperialismo der certo, lutarão contra os russos até o último sangue georgiano. A classe operária nada tem a se beneficiar da revolução colorida, é preciso denunciá-la. A luta não entre “democracia” e “tecnocracia” ou qualquer outra coisa, mas a luta da classe operária mundial contra o imperialismo mundial.