No dia 9 de dezembro, a Revista Movimento, editada pelo Movimento Esquerda Socialista (MES), do Partido Socialismo e Liberdade (PSOSL), publicou o artigo A queda de Assad e o futuro da Síria, que consiste em uma entrevista com o acadêmico suíço-sírio Joseph Daher sobre a situação no país após o golpe de Estado contra Bahsar Al-Assad.
Logo de início, o artigo chama a atenção quando apresenta as forças que teriam sido responsáveis pela queda de Assad:
“O Hayat Tahrir Al-Sham (HTS) e o Exército Nacional Sírio (SNA), apoiado pela Turquia, lançaram uma campanha militar em 27 de novembro de 2024 contra as forças do regime sírio, obtendo vitórias impressionantes. Em menos de uma semana, o HTS e o SNA assumiram o controle da maior parte das províncias de Aleppo e Idlib. Em seguida, a cidade de Hama, localizada a 210 quilômetros ao norte de Damasco, caiu nas mãos do HTS e do SNA após intensos confrontos militares entre eles e as forças do regime apoiadas pela força aérea russa. Depois de Hama, o HTS assumiu o controle de Homs.”
Segundo a entrevista, portanto, a derrubada de Assad teria sido produto da ação do Hayat Tahrir Al-Sham (HTS) e do Exército Nacional Sírio (SNA), apoiado pela Turquia. Isto é, da ação de apenas três entidades: o HTS, o SNA e a Turquia.
Apresentar o golpe de Estado sírio assim já é, necessariamente, uma tentativa de encobrir a participação do sionismo e do imperialismo na derrubada de Assad. Por acaso, enquanto o HTS realizava a sua ofensiva, “Israel” não estava bombardeando a Síria? Por acaso os Estados Unidos não controlam uma parte do território do país, incluindo o seu petróleo? E o mais importante: se os autores chegaram à conclusão de que o SNA era apoiado pela Turquia, como não conseguiram chegar à conclusão de que o HTS é financiado e treinado pelos Estados Unidos?
O MES adota, portanto, a versão da imprensa imperialista, que tenta com todas as suas forças esconder a luta de classes. Para não dizer que a Síria é, como em todo o planeta, palco da luta entre o imperialismo e as forças anti-imperialistas, o grande capital apresenta a situação síria como um mero “levante” contra um “ditador”. E assim segue o MES.
A ausência de qualquer menção à participação de “Israel” e dos Estados Unidos no golpe contra Assad já revela uma capitulação tremenda diante do imperialismo. No entanto, o artigo publicado pelo MES não para por aí. Ele segue dizendo que:
“Primeiro, os principais aliados do regime sírio foram enfraquecidos. As forças militares russas têm se concentrado em sua guerra imperialista contra a Ucrânia e no deslocamento de algumas de suas forças e recursos desde 2022. Seu envolvimento na Síria, portanto, tem sido até agora significativamente mais limitado do que em operações militares semelhantes nos últimos anos. (…) Em segundo lugar, a queda do regime comprovou sua fraqueza estrutural, militar, econômica e política. Ele desmoronou como um castelo de cartas. Isso não é surpreendente, pois parecia claro que os soldados não iriam lutar pelo regime de Assad, devido a seus salários e condições precárias. (…) Há muitos desafios para o futuro, mas pelo menos a esperança voltou [grifos nossos].”
O MES até poderia utilizar como desculpa a sua ignorância sobre a situação da Síria. Afinal, o golpe de Estado aconteceu há menos de uma semana. No entanto, não pode dizer o mesmo da questão da Ucrânia, onde um golpe de Estado ocorreu há dez anos. A operação militar especial russa, por sua vez, está completando seu terceiro ano.
A essa altura do campeonato, falar em “guerra imperialista” contra a Ucrânia tem apenas um significado: dizer que os oprimidos de todo o mundo deveriam ficar ao lado da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) contra a Rússia. Uma posição furiosamente pró-imperialista.
Por fim, destacamos a ingenuidade tremenda de um grupo que se diz “trotskista”, mas é capaz de escrever um texto de análise sobre a situação de um país sem mencionar a ação do imperialismo. O artigo, ao falar dos militares, diz que eles não iriam lutar “devido a seus salários e condições precárias”. O MES, no entanto ,não se pergunta: de onde vem essas “condições precárias”?
Vem, acima de qualquer coisa, do cerco econômico imposto pelo imperialismo ao país, resultando em 13 anos de bloqueio. Se os militares se recusaram a lutar contra o golpe de Estado – e de fato se recusaram, é porque capitularam diante do imperialismo e decidiram entregar de bandeja o país para aqueles que já estão sabotando a Síria há mais de uma década. Foi, na melhor das hipóteses, uma traição à pátria em nome de salários atrasados. Ao que tudo indica, na verdade, eles foram corrompidos pelo imperialismo.
Para o MES, no entanto, o imperialismo parece não existir. A pergunta que fica é: se é para fazer uma análise igual à da GloboNews, para que constituir uma organização de esquerda?