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Coluna

O jovem Marx, uma propaganda bem intencionada, mas negativa

Marx disse que ao criticar o seu inimigo é preciso ter cuidado para não engrandecê-lo, mas é preciso também ao tentar elogiar seus aliados não os transformar em figuras medíocres 

O filme Jovem Marx, de Raul Peck, lançado em 2018, é uma das obras recentes mais famosas abertamente sobre o marxismo, nesse caso diretamente sobre Marx e Engels. Nesse sentido, é interessante analisar qual a propaganda geral que é feita pelo filme. E, apesar de Peck ser uma pessoa da esquerda e provavelmente bem intencionada, o seu filme de forma geral é mais negativo do que positivo na luta política em defesa do marxismo, ou seja, da classe operária.

O filme trata do início da trajetória política de Marx e Engels nos anos 1840 até 1848, terminando semanas antes do início da revolução. Sendo assim mostra Marx atuando como jornalista na Gazeta Renana, sendo expulso da Prússia e depois da França pela repressão, atuando no movimento operário com figuras como Proudhon, escrevendo grandes obras como A Sagrada Família e a Miséria da Filosofia e também atuando na Liga dos Justos até ela se tornar a Liga dos Comunistas. Ou seja, uma fase bem interessante na vida de Marx. Engels, como coadjuvante, aparece escrevendo seu livro sobre a situação da classe operária na Inglaterra.

O grande problema aqui é o tradicional de todos aqueles que falam sobre Marx de um ponto de vista da esquerda, eles não têm uma perspectiva de militante. O filme não mostra Marx como um militante político, apesar dele estar atuando na luta política, ele aparenta muito mais ser um intelectual. Por exemplo, a única cena em que Marx atua propriamente no movimento com trabalhadores é em uma reunião de artesãos. O filme não mostra sequer uma greve de operários.

O foco fica nos debates políticos. O debate entre Marx e Engels quando se conhecem, o debate que levou a escrever o livro A Sagrada Família. O debate de Marx com Proudhon ou com Weitling. É um Marx intelectual, típico da visão acadêmica do marxismo. Tanto é que o grande momento de luta política do filme é quando Marx e Engels conseguem a maioria no congresso da Liga dos Justos, e quem protagoniza esse evento é Engels. Pouco depois Marx deve escrever o Manifesto do Partido Comunista e novamente é Engels o mais ativo, que precisa convencê-lo.

Mas o diretor não está querendo criticar o fundador do marxismo, Marx é apresentado de forma positiva durante todo o filme. Qual então é a questão? É fazer a biografia de uma das figuras mais importantes da história da humanidade, a mais importante da história moderna, aparentar como a biografia de mais um intelectual. Marx não é ‘o cara’. Ele é um cara bem inteligente e importante. Há um abismo gigantesco entre o personagem do filme e o Karl Marx real que criou um movimento que só é menor que as grandes religiões mundiais, mesmo sem ser uma religião, o que torna seu mérito ainda maior.

A tarefa de fato é difícil, mas o filme passa longe. Vejamos casos de maior sucesso. Judas e o Messias Negro é um filme sobre Fred Hampton, dirigente do Partido dos Panteras Negras. O filme o mostra como um grande militante, ao terminar o filme você pense, esse daí era ‘o cara’. Mesmo ele estando há anos-luz de Marx, ao assistir os dois filmes, a visão positiva de Hampton é muito maior.

Outra caso, a série Fall of Eagles, produzida na Inglaterra nos anos 1970. Ela é sobre a queda dos impérios alemão, austro-húngaro e russo. Só que Lênin é um personagem e ele rouba completamente a cena. Há um episódio completo sobre o 2º Congresso do Partido Social Democrata Operário da Rússia que tem um viés contra Lênin e o que você pensa ao terminar de assistir? Esse Lênin é ‘o cara’. Aqui os ingleses caíram no golpe que Marx avisa em seu livro 18 Brumário: cuidado ao criticar os seus inimigos, você pode engrandecê-los. Lênin rouba tanto a cena na série que foi colocado até na capa.

Marx, no entanto, não é apresentado por Peck como ‘o cara’. Você vê seus defeitos, pois ele é apresentado de forma humana, mas não sua grandiosidade. Fica claro que Marx é muito superior a todas a sua volta, mas isso é irrelevante, pois esses personagens não são desenvolvidos. Marx apenas chega, conversa um pouco e claramente tem muito mais compreensão de tudo. Aparenta ser mais um demérito dos outros que um mérito de Marx.

O final do filme também é uma demonstração clara disso. Após Engels precisar brigar com Marx para escrever o Manifesto, eles em uma montagem escrevem o texto e acaba o filme semanas antes da revolução. E então aparece um texto sobre a revolução, um texto muito pouco comovente, claramente escrito por alguém que não tem uma perspectiva de militante. A revolução é o ápice na vida do militante. Em certo sentido esse foi o momento mais glorioso de Marx, quando atuou diretamente na revolução, fazendo o jornal A Nova Gazeta Renana. Mas na iminência desse momento glorioso o filme acaba num anticlímax.

A ideia que fica é Marx foi um cara importante, até quando era jovem, e só. Por isso considero o filme como uma propaganda negativa. Pegar as grandes figuras da história da humanidade e apresentá-las de forma medíocre é a melhor forma de criticá-las. Um filme em que Napoleão, Robespierre, Lênin, Trótski, Fidel Castro, só para citar alguns, são apresentados de forma medíocre, obviamente é uma campanha negativa. Quem dirá fazer isso com Marx.

Raul Peck parece que estava bem-intencionado ao fazer o filme, achou que era uma propaganda positiva do marxismo. No entanto, as grandes produtoras que o financiaram e distribuíram deviam estar muito conscientes do que faziam.

*A opinião dos colunistas não expressa, necessariamente, a deste Diário.

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