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África

Imperialismo tenta escapar de um golpe nacionalista no Senegal

De forma semelhante ao que aconteceu no Gabão, a crise decorrente das eleições no Senegal, com amplas manifestações populares, poderia levar a um golpe nacionalista

Nessa quinta-feira (15), o Conselho Constitucional do Senegal invalidou a decisão do presidente do país, Macky Sall, que havia adiado as eleições presidenciais de 25 de fevereiro para 15 de dezembro.

O adiamento havia sido feito no início desse mês, e resultou em amplas manifestações populares por todo o país, as quais foram respondidas pelo governo com intensa repressão. Conforme noticiado por este Diário, três pessoas foram mortas e mais de duas centenas, presas.

Foi igualmente exposto que representantes oficiais dos países imperialistas (tais como os Estados Unidos e a França), organizações do imperialismo (ONU, por exemplo) e a imprensa imperialista condenaram o adiamento, instando o presidente a reverter a decisão e permitir que as eleições ocorressem.

O Conselho, em sua decisão, disse ser impossível “organizar as eleições presidenciais na data inicialmente prevista”, mas seus juízes exortaram “as autoridades competentes a realizá-las o mais rapidamente possível”.

Na esteira da decisão do Conselho Constitucional, a Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), organização que reúne os países mais pró-imperialistas da região, passou imediatamente a exercer pressão sob o presidente para que ele cumpra a ordem do Conselho:

“A comissão [da CEDEAO] insta todas as partes interessadas no processo eleitoral a respeitarem a decisão do Conselho Constitucional e apela às autoridades competentes para que fixem a data das eleições presidenciais em conformidade com a decisão.”

Diante da decisão do Conselho Constitucional, a presidência declarou em comunicado que “o Presidente da República pretende implementar integralmente a decisão do Conselho Constitucional”, acrescentando que “o Chefe de Estado realizará sem demora as consultas necessárias para organizar as eleições presidenciais o mais rapidamente possível”.

No mesmo sentido, “vários opositores do governo detidos foram libertos da prisão” quando a decisão do Conselho foi publicada, “num aparente esforço de Sall para apaziguar a opinião pública”, segundo informa a emissora catarense Al Jazeera.

“Como resultado da pressão internacional, o Presidente Macky Sall está ordenando algumas libertações”, disse Souleymane Djim, membro de um grupo de famílias de presos políticos.

Ainda segundo informa a rede, “grupos de oposição e da sociedade civil emitiram novos apelos à manifestação e uma marcha pacífica organizada por um colectivo da sociedade civil está planejada para sábado”.

Tudo indica que Macky Sall resolveu adiar as eleições, pois seu candidato seria derrotado. Paulin Maurice Toupane, analista do Institute for Strategic Studies (ISS), uma think tank sul-africana, diz:

“A verdade é que o atual regime está em apuros porque o candidato que escolheu, o primeiro-ministro Amadou Ba, não só não é apoiado unanimemente pela coligação governamental Benno Bokk Yakaar (BBY), como não está em boa posição para ganhar estas eleições […] Pelo contrário, é um candidato da oposição, Bassirou Diomaye Daikhar Faye – candidato do Pastef (partido dissolvido por decreto em julho de 2023), liderado por Ousmane Sonko, atualmente na prisão – que, nos últimos dias, tem contado com o apoio de muitos partidos políticos e movimentos da sociedade civil e poderia ganhar estas eleições, se se realizassem a 25 de fevereiro.”

Vale ressaltar que Macky Sall (ou seu candidato) não seria derrotado por um setor necessariamente nacionalista da política senegalesa. Mesmo porque, como regra, nos países em que a dominação do imperialismo é muito profunda, não há uma oposição de fato. É por esta razão que os movimentos nacionalistas no continente africano tendem a subir ao poder através de golpes de Estado levados a cabo pelas Forças Armadas (como os casos recentes do Níger, Burquina Fasso e Gabão).

Aparentemente, sua decisão para adiar as eleições era uma tentativa de manter controle sobre a burocracia estatal. Mas não se tratava de um movimento de caráter nacionalista, pois a situação do povo do Senegal é tão deplorável que o país enfrenta um problema migratório crônico, com dezenas de milhares saindo do país anualmente, dos quais cerca de dois mil morrem na tentativa. A população simplesmente não quer viver lá.

Fica claro que seu governo não tem um caráter popular, o que explicaria as grandes manifestações populares diante do adiamento das eleições.

Contudo, se não é um governo popular, por que razão o imperialismo se manifestou imediatamente contra a decisão de Macky Sall, de adiar as eleições?

Novamente, faltam informações para aferir com certeza. Contudo, há indícios que apontam no sentido de que o imperialismo não queria que a situação fugisse de seu controle, abrindo espaço para uma intervenção dos militares senegaleses. Nesse sentido, são esclarecedoras as declarações do já citado analista, Maurice Toupane que, ao comentar o adiamento das eleições, e as manifestações que se seguiram, diz o seguinte:

“Duas coisas vão acontecer, haverá uma batalha jurídica em que a oposição contestará a lei [aprovada esta segunda-feira pelo parlamento senegalês] perante o Conselho Constitucional (CS), e, por outro lado, vai entrar em luta política, o que levará a manifestações violentas – que já começaram em Dacar e em algumas outras cidades do Senegal.”

E acrescentou que “ninguém sabe” como o exército reagiria:

“[…] o exército senegalês sempre teve uma atitude republicana e sempre interveio para corrigir as coisas… Sempre falou com os diferentes atores para encontrar soluções, mas esta é uma situação completamente nova e tudo pode acontecer nos próximos dias.”

No mesmo sentido, afirmou Paul-Simon Handy, diretor ISS, que, ao se referir ao adiamento das eleições, disse que “o Senegal está a um passo de se tornar numa autocracia e isso abre a porta a um golpe de Estado”.

Vale ressaltar que esse tipo de situação – militares em países africanos intervindo para solucionar crises decorrente de eleições – não seria algo inédito. Foi o que aconteceu no Gabão durante golpe de 30 de agosto de 2023, que depôs o então ditador Ali Bongo.

Naquela ocasião, o presidente Bongo, um serviçal do imperialismo, havia vencido novamente as eleições presidenciais gabonesas, em 26 de agosto, por meio de um processo eleitoral profundamente fraudulento. Contudo, sua “vitória” desencadeou uma revolta por parte da população, que foi às ruas protestar contra a fraude eleitoral. Afinal, a família Bongo já estava no poder há mais de cinco décadas. Mais de 50 anos de governos serviçais do imperialismo, saqueando toda a riqueza produzida pela população.

Com a intensidade das manifestações populares contra Bongo, os militares gaboneses tiveram a oportunidade perfeita para intervir, dando um golpe de Estado nacionalista e anulando o resultado das eleições.

Justamente o que o imperialismo não queria para o Gabão e justamente o que não quer para o Senegal. O imperialismo não quer que militares nacionalistas canalizem a revolta popular e tomem o poder, pois resultaria em mais um golpe contra a ditadura imperialista no continente africano.

Nesse sentido, é pouco provável que as manifestações tenham sido impulsionadas pelo imperialismo. Pois, se os EUA quisessem manter a situação sob controle, evitando intervenção militar, não estimulariam manifestações tão intensas quanto as que foram vistas nestas últimas semanas no Senegal.

Assim, o que parece estar acontecendo no Senegal é o imperialismo tentando manter o controle sobre o país. E, para isto, o adiamento das eleições apenas contribuiria para uma intervenção por parte dos militares, para satisfazer as manifestações populares, o que acabaria por dar um caráter nacionalista ao golpe, contrariando os interesses imperialistas no país.

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