Neste dia 3 de maio completam-se 101 anos da exibição em telas cinematográficas do primeiro filme indiano de longa duração produzido na história. Os moradores de Girgaon, região ao sul da cidade de Mumbai (à época chamada Bombay), tiveram a oportunidade de assistir à Raja Harishchandra (algo como Rei Harishchandra), um filme mudo. A obra foi concebida pelo produtor, diretor e roteirista Dadasaheb Phalke, considerado como o “Pai do Cinema Indiano”.
A película, de aproximadamente 40 minutos de duração, foi idealizada pouco mais de 2 anos antes do seu lançamento por Phalke, quando este foi com sua família assistir ao filme francês A vida de Cristo. Phalke conta que quando se deparou com as imagens em movimento de Jesus, começou a visualizar o mesmo com as divindades do hinduísmo, como Krishna, e se perguntou se seria possível realizar uma obra que representasse cinematograficamente figuras da cultura indiana: “fui tomado de um estranho encantamento […] Seria possível? Poderíamos nós, os filhos da Índia, conseguir ver os ícones indianos em uma tela?”, relatou na época.
Decidido a transformar essa ideia em realidade, Phalke realizou uma viagem de 2 semanas para a Inglaterra, que na época exercia domínio colonial sobre a Índia através do império britânico. Lá, Phalke aprendeu algumas técnicas de filmagem que, já em solo indiano, o ajudaram a iniciar suas experimentações na produção de pequenos curtas para atrair a atenção de patrocinadores.
Além disso, ele também se valeu de outros meios para angariar recursos e financiar sua atividade artística, chegando inclusive a penhorar alguns de seus bens e de sua família. Uma vez conseguidos os recursos, ainda faltava a Phalke decidir qual história contaria em seu filme, em acordo com o seu objetivo de retratar a cultura indiana na sétima arte.
Sua família lhe sugeriu que o enredo deveria ser atrativo para as classes médias indianas. Ele procurou então na mitologia hindu os elementos que comporiam a história, resolvendo por fim recontar a história de Harishchandra, figura mitológica presente em textos clássicos da cultura indiana, como Ramayana e Mahabharata, epopeias datadas de antes de cristo e escritas em sânscrito, uma língua morta de origem indo-ariana.
As gravações ocorreram em um estúdio montado na casa de Phalke, tendo sido completadas em 6 meses e 27 dias. O elenco para o filme foi recrutado por meio de anúncios espalhados por Phalke, tendo esbarrado em dificuldades que sobrevinham principalmente pelo caráter de tabu que a atividade dramatúrgica tinha na sociedade indiana, sobretudo para as mulheres.
Prova disso foi que não se conseguiu encontrar candidatas aptas para os papéis femininos, e a produção do filme acabou recorrendo a atores do sexo masculino para interpretá-los. Dentre esses se destacou o ator Anna Salunke, na pele da rainha Taramati, que acabou construindo carreira no cinema e se consagrou em outros papéis femininos.
O roteiro, escrito por Phalke a partir de registros escritos e também de adaptações teatrais dos mitos hindus, conta a história do Rei Harishchandra e da Rainha Taramati que, atendendo a pedidos de seus súditos, embarcam com seu filho Rohitashva em uma viagem para caçar provisões para o reino. Contudo, durante a viagem eles se deparam com uma situação inusitada que leva o rei a ser confrontado pelo respeitado guru Vishvamitra, acabando por perder a posse de seu reino para ele, sendo proscrito juntamente com sua família.
Eles enfrentam muitas dificuldades durante o exílio, e o filho do rei falece, enquanto a rainha é acusada de assassinato. A narrativa termina com Harishchandra sendo submetido à sua maior e derradeira provação, a qual vem por consolidar sua figura mitológica.
Do material original de Raja Harishchandra rodado em 1913, que consistia em 4 rolos de vídeo totalizando mais de mil metros, uma parte foi perdida, tendo sido conservados 3 rolos, de aproximadamente 30 minutos de duração, que se encontram mantidos no Arquivo Nacional de Filmes da Índia, na cidade de Pune, e também em versão digitalizada, disponível gratuitamente na internet.
A obra, de produção e narrativa relativamente simples quando comparadas às produções cinematográficas modernas, teve conquanto um legado fundamental para a expansão da indústria de cinema na Índia, hoje conhecida como Bollywood (aglutinação de Bombay e Hollywood), e que atualmente ocupa, estritamente em termos de receita econômica, o 2º lugar em todo o mundo e, em termo de número absoluto de filmes produzidos, o 1º lugar.