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Atentado a Donald Trump

O diletantismo por trás da condenação das teorias da conspiração

Integrante do PSOL elabora tese cujo único objetivo é absolver as ações do imperialismo contra a humanidade

No artigo Teorias de conspiração, publicado pelo portal Esquerda Online, o sábio Valério Arcary, integrante do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), nos ensina que o mundo estaria dividido entre conspirações reais e teorias da conspiração. Isto é, entre conspirações que realmente aconteceram e conspirações que dizem que aconteceram, mas que não aconteceram de fato.

Até aí, Arcary apenas fez chover no molhado. É como se dissesse: no mundo, há informações verdadeiras e informações falsas. Ou: existem pizzas de boa e de má qualidade. Há lugares quentes e frios. Há bons jogadores de futebol e pernas de pau. Não quer dizer absolutamente nada.

O que importa, no final das contas, é: como distinguir as conspirações reais das falsas? Em que medida é importante fazer essa distinção?

A essa pergunta, Valério Arcary é incapaz de responder. Vejamos o que ele fala do caso do atentado contra Donald Trump, que serve de gancho para o seu artigo:

“Há duas ilações perigosas que não devem nos cegar. […] A segunda seria explicar o atentado como uma cabala. Um conluio da fração trumpista associada aos serviços de informação dos EUA. Essa hipótese não é razoável. O tema é delicado porque não temos o direito de ser ingênuos. A ligeireza de acreditar fácil demais é uma forma de inocência. Há até alguma elegância autêntica em uma atitude desarmada. Acontece que a força de uma ‘teoria de conspiração’ formulada, habilidosamente é que, sem qualquer esforço de comprovação, ela pode ser convincente. A influência perigosa de teorias de conspiração na esquerda existe. Trata-se de uma postura ingênua diante da avalanche de informação manipulada e fakenews [grifo nosso].”

Podemos resumir toda essa enrolação da seguinte forma: não houve um conluio porque não houve um conluio. Não é necessário provar que não houve conluio, basta a palavra de Valério Arcary, que é mais que suficiente para definir quando uma conspiração é real ou não! Mas e quando não tivermos o sábio Arcary por perto? Como determinar se uma conspiração é real ou não? Que princípios norteiam o arcarismo? Infelizmente, o psolista não nos responde.

A resposta é simples. Há conspirações que são incontestavelmente reais, como a de que o golpe militar de 1964 contou com a participação dos Estados Unidos. É incontestável porque há documentos desclassificados dos próprios sistemas de inteligência norte-americanos que comprovam isso. Isto é, é incontestável porque foi provado que a conspiração existia. Há conspirações, por outro lado, que são incontestavelmente falsas, como a de que a vacinação da COVID-19 seria parte de um plano da indústria farmacêutica para transformar as pessoas em jacaré. É falsa porque foi provado, a partir do momento em que ninguém se tornou um jacaré, que era falsa. Há, por fim, as conspirações que não foram ainda provadas como verdadeiras ou falsas. São justamente essas a que causam confusão.

Como exemplo desse último caso, podemos citar a ideia de que determinadas vacinas causariam morte por infarto. Há indícios? Sim. É razoável? Sim. Falta apenas um estudo mais rigoroso e controlado que apresente a questão de maneira efetivamente científica. Podemos também citar a ideia de que o aquecimento global é uma farsa, uma manipulação de empresas e governos poderosos. Há indícios disso? Sim. É razoável? Sim.

Que posição, então, tomar frente a esses casos?

A exata oposta àquela adotada por Valério Arcary. Há como provar que não houve um conluio no atentado a Trump? Não, de forma alguma. Nem mesmo o Estado norte-americano, que dispõe de milhares de peritos e investigadores, apresentou qualquer conclusão sobre o caso. Que dirá alguém como Arcary, que acompanha o caso, na melhor das hipóteses, pela imprensa. Descartar de imediato a possibilidade de uma conspiração é, portanto, aderir a uma postura religiosa, anti-científica.

Há, contudo, outra questão importante a ser levada em consideração. É preciso perguntar: a tese de que houve um conluio é razoável do ponto de vista da análise geral da situação política? Ela ajuda a esclarecer algum aspecto dessa situação? Se a resposta para ambas as perguntas for não, bastaria jogar as hipóteses em uma gaveta e arquivá-las junto aos demais casos considerados “sem solução”. Se a resposta para ambas as perguntas for sim, caberia a um analista não apenas não descartar as hipóteses, como utilizá-las para formar um quadro político mais geral.

A eventual participação do Serviço Secreto no atentado contra Donald Trump é bastante útil para que a esquerda reflita, por exemplo, sobre o papel das agências de inteligência. É possível confiar nelas? O que elas são capazes de fazer? É também útil para aferir a temperatura da situação política. Se de fato houve a participação das agências de inteligência, isso significa um avanço da situação política? Como Trump reagirá se acreditar que foi traído pelo serviço que supostamente deveria lhe proteger?

Como se pode perceber, ao descartar, por pura superstição, hipóteses de que determinados eventos foram causados por conspirações, Arcary fecha os olhos para o mundo em que vive, restringindo sua análise apenas aquilo que convencionalmente é considerado como crível. Tanto é assim que, no decorrer do texto, o psolista desenvolve a ideia de que a esquerda teria de aceitar que muitos eventos são obra do acaso:

“Acontece que há o lugar do acidental, do fortuito e aleatório. A história é uma sequência de lutas em que incide a necessidade, a enorme força de pressão dos interesses organizados, porém, dialeticamente, também, o acaso, a contingência, o imprevisto. Doenças matam (Tancredo Neves), aviões e helicópteros caem (Teori Zavascki, Ulysses Guimarães, Eduardo Campos), acidentes de carro acontecem (Juscelino Kubitschek), e malucos estão à solta (Adélio Bispo). Isso pode ser angustiante e perturbador, mas é assim”.

O interessante dessa lista de “teorias da conspiração” é que todos os casos se assemelham ao de Trump. Nem se comprovou que houve uma conspiração, nem se comprovou que não houve. Não haveria porque, portanto, afirmar categoricamente que foram obra do acaso. Fato é, contudo, que todas essas mortes tiveram um significado político importante. A morte de Tancredo Neves influiu diretamente na formação do primeiro governo civil após 21 anos de ditadura militar, uma das transições mais importantes da história nacional. A morte de Eduardo Campos ocorreu durante as eleições e possibilitou um crescimento meteórico da candidatura de Marina Silva (à época, no PSB), em um momento no qual a burguesia se preparava para dar um golpe de Estado contra a presidenta da República, Dilma Rousseff. Teori Zavascki era simplesmente o relator da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), um dos mais importantes pilares de sustentação do referido golpe de Estado.

O caso de Juscelino Kubitschek é certamente o mais grotesco. Não apenas o ex-presidente do Brasil era uma pessoa indesejada pelo regime, a ponto de ser considerado uma pessoa que poderia “influenciar seriamente a estabilidade do Cone Sul”, segundo uma carta do serviço secreto chileno, como, em 2013, a Comissão Municipal da Verdade de São Paulo concluiu que Juscelino Kubitschek foi assassinado. Por fim, é realmente difícil acreditar que Adélio Bispo fosse simplesmente um “maluco à solta” que tenha agido sozinho. Além de todas as inconsistências sobre a própria facada, há vários outros indícios de que a história toda foi muito mal contada. Tanto chama a atenção o fato de que a Família Bolsonaro não recorreu para que Bispo pegasse a mais dura pena de prisão, como também que ninguém sabe a fonte que sustenta o seu advogado.

O que Valério Arcary demonstra, ao se debruçar sobre todos esses casos, é que, no final das contas, nenhuma conspiração pode existir. Desconfiar de que as versões oficiais ocultem interesses escusos seria algo inadmissível. Ou seja, as únicas conspirações sobre as quais valeria à pena se deter são aquelas que, de tão escandalosas ou mal organizadas, acabaram se revelando em plena luz do dia.

O que Arcary propõe, portanto, é o abandono de qualquer exercício analítico. Para ele, a análise política se resumiria a assumir como verdade aquilo que é “óbvio”. Ou, melhor dizendo, aquilo que a grande imprensa diz que é óbvio.

Alguém que pretenda efetivamente analisar o mundo em que vive deveria ter uma outra postura. É preciso levar em consideração, acima de tudo, que há uma fonte inesgotável de conspirações, que Arcary faz questão de ignorar: a dominação imperialista. É a ditadura dos monopólios, é o interesse do grande capital, que faz com que haja uma quantidade infinita de conspirações mundo afora. É o fato de que um punhado de ricos precisa esfolar os povos de todo o mundo para manter os seus privilégios que faz com que seja necessário conspirar em larga escala contra o povo. Que seja necessário manipular, confundir e esconder.

O psolista pensa o oposto. Segundo ele, o normal não seria desconfiar que, no mundo inteiro, vigoram as tentativas do grande capital de impor sua vontade por meio de conspirações. Quem pensa assim não estaria sendo racional, mas sim paranoico:

“Mas há, também, a pressão de padrões de pensamento da mente humana como o viés de confirmação que, em máximo grau, alimenta fantasias paranoicas e persecutórias. Trata-se de um enviesamento psicológico: a tendência de nos lembrarmos de informações que confirmam nossas crenças. Uma compulsão ou desejo de construir uma correlação imaginária ou falsas associações entre dois eventos”.

Veja bem, leitor! Se você anda desconfiado de que o mundo está cheio de conspirações, a culpa não é do Departamento de Estado norte-americano, que deve ter uma faculdade dedicada somente ao planejamento de golpes de Estado. Trata-se apenas de um “enviesamento psicológico”! E, como tal, algo que deveria ser abandonado. Em outras palavras, Arcary grita: confiem cegamente no que a CIA diz!

Arcary continua, argumentando que:

“O assassinato de Leon Trotsky no México, em 1940, por Ramon Mercader, um catalão que recebeu treinamento da NKVD soviética, foi um dos crimes mais monstruosos do século XX. Essa conspiração marcou o destino da corrente inspirada no programa do internacionalismo revolucionário. Se existe uma corrente na esquerda que deve ser consciente que conspirações existem, essa corrente é o trotskismo. Por isso mesmo, os trotskistas não podem sucumbir ao perigo do pensamento conspirativista. Uma interpretação catastrofista da realidade associada a uma mentalidade paranoica é uma caricatura grotesca do marxismo”.

Os trotskistas, nos ensina Arcary, não deveriam acreditar que o mundo está repleto de conspirações. E, portanto, deveriam ignorar, nas análises, quais são os interesses das classes sociais. Diz ele: “a pergunta ‘quem se beneficia?’ não é, portanto, suficiente para retirar conclusões”. É a repetição da ideia de que as coisas acontecem simplesmente porque acontecem. O que, em última instância, nos leva a uma única possível conclusão: não existe luta de classes, os eventos políticos são todos obras do acaso.

Não há, portanto, como intervir na luta de classes. Para Valério Arcary, a política é apenas um filme a ser visto do sofá, do qual ninguém pode intervir.

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