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Coluna

O desastre alemão

"A Alemanha, como principal motor econômico da Europa, não tem substituto, pelo menos no curto prazo"

A locomotiva econômica da Europa está enguiçada, e isso traz consequências.

A Alemanha atravessa uma profunda crise, que se entrelaça com a turbulência econômica e política, que atravessa a Europa como um todo. O Produto Interno Bruto (PIB) alemão cresceu 0,1% no terceiro trimestre de 2024 ante os três meses anteriores, e em relação ao mesmo período de 2023, recuou 0,3%, segundo o Destatis (escritório de estatísticas do país). A previsão dos principais institutos econômicos é que o PIB nacional em 2024, na melhor das hipóteses, se mantenha estagnado. A economia alemã já tinha tido o desempenho mais fraco no ano passado entre os países da Zona do Euro, apresentando queda de 0,3%. A desaceleração econômica está longe de ser o único problema: a economia alemã enfrenta mudanças demográficas importantes (baixa natalidade e envelhecimento da população), atraso na área tecnológica e a perda de espaço na economia, com a concorrência, principalmente, das empresas chinesas. 

Depois de oito anos seguidos tendo a China como principal parceiro comercial da Alemanha, recentemente os EUA assumiram essa condição. A soma das importações e exportações da Alemanha com os EUA (conhecida como corrente de comércio), superou recentemente a parceria comercial da Alemanha com a China. No ano passado a corrente de comércio Alemanha-China totalizou cerca de 253 bilhões de euros, e com os EUA chegou a 252,3 bilhões de euros, praticamente um empate. Mas, já no primeiro trimestre deste ano, os EUA se tornaram o maior parceiro comercial da Alemanha.  

Uma das razões estruturais para o fenômeno, é o fato de que a China vem agregando valor às suas exportações, produzindo bens cada vez mais complexos, o que colidiu com a estratégia da Alemanha, de vender também produtos de alto valor agregado. China, EUA e Alemanha, na ordem, são os três países com maiores volumes de exportação, no mundo. Há alguns anos, a Alemanha chegou à condição de maior exportador do mundo, baseada, dentre outros, no fornecimento de combustível barato às suas indústrias, pela Rússia.

Essa mudança estrutural no comércio exterior da Alemanha pode ser um fator complicador a mais na crise alemã, na medida em que o presidente eleito dos EUA, Donald Trump, já declarou que irá impor novas tarifas de comércio para os países europeus. A maior atratividade do mercado americano para as empresas alemãs, está ligada diretamente à estratégia industrial do governo norte-americano, visando incrementar a produção de tecnologias fundamentais, como semicondutores ou de baterias para automóveis elétricos. A previsão dos institutos econômicos, de crescimento da economia alemã, para este ano e ano que vem – respectivamente 0,3% e 0,8% – está bem abaixo da previsão para a Zona do Euro, que é de 1,4% para este ano e de 1,6% para 2025. O grave é que a crise econômica se entrelaça com uma instabilidade política brutal, que significou a demissão do ministro das finanças, no começo de novembro último, Christian Lindner (Partido Democrático Liberal, centro-direita), pelo primeiro-ministro, Olaf Scholz. 

Um dos desafios centrais para a Alemanha vem do atraso tecnológico, que está presente em muitas áreas. Por exemplo, a Alemanha possui uma das piores redes de telefonia celular da Europa e há muitas lojas que até hoje só aceitam dinheiro em espécie. No mercado de carros elétricos, o país enfrenta um grave declínio, após a retirada dos subsídios para o setor, em dezembro do ano passado, visando o corte de gastos. A VDA (Verband der Automobilindustrie, em tradução livre, União das Indústrias Automotivas), associação que congrega várias indústrias alemãs que atuam no ramo automotivo, estima que a queda nas vendas desses veículos no país, chegará a 14% neste ano. Outros fatores ajudam no declínio do mercado de carros elétricos no país: infraestrutura defasada, preços dos veículos elétricos nacionais, que são muito elevados em relação aos congêneres de outros países, especialmente China, e assim por diante.  

A Alemanha cometeu alguns erros estratégicos nos últimos anos: aumentou sua dependência da energia russa, investiu menos em infraestrutura digital do que deveria, gerou dependência também do aumento das exportações. Um sintoma muito visível da decadência da economia alemã é a crise da Volkswagen. A empresa anunciou no final de outubro um plano de demissões em massa, fechamento de unidades e a redução de salários em suas empresas e redução de salários em 20% em toda a Europa. Outras grandes empresas industriais alemãs, centenárias, também atravessam profunda crise. 

A Europa já está sofrendo os efeitos da crise na Alemanha, que foi o motor de crescimento do continente, durante muitas décadas. O país, que é um grande financiador da União Europeia, por exemplo, vem cortando gastos. Um dos efeitos da crise econômica na Alemanha é o próprio financiamento da guerra na Ucrânia, o qual fica agora mais difícil do país manter, em função da diminuição das margens orçamentárias. 

A Alemanha, como principal motor econômico da Europa, não tem substituto, pelo menos no curto prazo. O país tem 85 milhões dos 500 milhões de habitantes e representa quase 24% do PIB total da União Europeia.  A Alemanha atravessou um período de muita prosperidade econômica, entre 2005 e 2015, conhecido como “milagre alemão moderno”. Esse período foi caracterizado pelo gás barato fornecido pela Rússia e pela forte demanda de produtos da então eficiente indústria alemã, por parte de economias em forte crescimento, como China e Índia. Aparentemente, o “milagre alemão” terminou, o que impacta diretamente na saúde econômica e política da maioria da Europa. Tudo isso traz fortes consequências geopolíticas, que estarão no centro dos acontecimentos mundiais, nos próximos anos.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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