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Coluna

O corte de gastos do pacote fiscal irá penalizar os mais pobres

A medida é muito impactante, não apenas pelo número de pessoas atingidas, como pelo efeito cumulativo, nos médio e longo prazos.

O governo anunciou, no final de novembro um pacote de corte de gastos obrigatórios, através do qual pretende economizar, entre 2025 e 2030, R$ 327 bilhões. Entre as principais propostas do pacote estão a redução do abono salarial e um teto no índice de reajuste anual do salário-mínimo. O pacote trouxe várias medidas, porém a pancada principal do pacote que foi aprovado em dezembro no Congresso Nacional, acabou sendo reservada para o salário-mínimo. Pela proposta que foi aprovada, o salário-mínimo não crescerá em termos reais, na proporção da variação do PIB (de dois anos anteriores), mas passa a ter um teto de crescimento, de 2,5% independentemente do crescimento da economia. Em princípio, o corte pode parecer modesto porque manteve o ganho real, apenas limitando o seu crescimento. Porém, a medida é muito impactante, não apenas pelo número de pessoas atingidas, como pelo efeito cumulativo, nos médio e longo prazos.

Serão afetados não apenas os trabalhadores que recebem o mínimo nacional, mas também os que ganham até três salários-mínimos, no qual se encontra a maioria esmagadora dos assalariados. É conhecido que, quando o salário-mínimo aumenta, ele empurra a escala salarial, beneficiando trabalhadores que estão imediatamente acima, na pirâmide salarial. O salário-mínimo impacta, direta ou indiretamente, a renda de quase 60 milhões de pessoas, entre ativos e aposentados. A mudança na política de reajuste do salário-mínimo, leva a que o principal ônus do corte de gastos aprovado no Congresso, recaia sobre aposentados e pensionistas, assim como os beneficiários de programas sociais vinculados ao salário-mínimo, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e o Abono Salarial.

A previsão da equipe econômica é de que a nova regra do salário-mínimo possa realizar uma economia de R$ 109,8 bilhões entre 2025 e 2030, o que representa um terço da estimativa total da economia com o pacote, de R$ 327,1 bilhões. Como o total do arrocho previsto diminuiu com as mudanças propostas por deputados e senadores, o peso das mudanças no salário-mínimo, sobre o total a ser obtido com o pacote, possivelmente tenha se aproximado de 40%. Segundo o Ministério da Fazenda, as alterações realizadas no pacote pelo Congresso Nacional, reduziram em R$ 2 bilhões a economia de recursos prevista inicialmente para 2025 e 2026. A expectativa era inicialmente que o arrocho iria reduzir as despesas em R$ 71,9 bilhões nos dois anos, valor que foi revisto para R$ 69,8 bilhões. Isso significa que a mudança na política de reajuste do salário-mínimo, aumentou o seu peso na economia a ser obtida pelo conjunto das medidas.

O salário-mínimo atual está em R$ 1.412. Com a fórmula anterior de correção (INPC + variação do PIB), o salário-mínimo iria R$ 1.521. Com a nova política o valor irá para R$ 1.515, ou seja, uma diferença de R$ 6. Essa diferença, é pequena, equivale a dois litros de leite na maioria das regiões. Porém, ela incide sobre a renda de 60 milhões de brasileiros, sem contar o efeito sobre o BPC e sobre o Abono Salarial. Ou seja, o efeito multiplicador decorrente da diminuição do reajuste do salário-mínimo, será grande. Por exemplo, segundo cálculos do governo, com a nova proposta para o salário-mínimo, o governo economizará, somente em 2025, cerca de R$ 2,3 bilhões. É que para cada real de aumento do salário-mínimo, é gerada uma despesa de aproximadamente R$ 392 milhões em aposentadorias e benefícios sociais. Só de aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que recebem até um salário-mínimo, são 27 milhões de pessoas.

Portanto, apesar de, individualmente, a diferença ser pequena no valor do salário-mínimo, com a nova proposta, tanto pelo seu efeito multiplicador, quanto pelo impacto em cinco ou 10 anos, a retirada do direito foi muito significativa. Só na previdência social, a projeção de economia ano a ano é a seguinte:

2025: R$ 2,2 bilhões
2026: R$ 9,7 bilhões
2027: R$ 14,5 bilhões
2028: R$ 20,6 bilhões
2029: R$ 27,8 bilhões
2030: R$ 35 bilhões
Esses recursos deixarão de ir para o bolso dos aposentados e pensionistas – e serem gastos no consumo de alimentos, roupas, e serviços em geral – para gerar as condições fiscais para transferir 6% ou 7% do PIB, a cada ano, para os banqueiros.

As propostas do pacote são tão polêmicas, que votaram contra o projeto, os deputados do PSOL, um parlamentar do PC do B (Orlando Silva) e três deputados do Partido dos Trabalhadores (PT). Os deputados do PT votaram contra a alteração no salário-mínimo, as mudanças no Abono Salarial e em relação ao adiamento da reforma dos supersalários. A deputada Natália Bonavides, do PT-RN, em artigo publicado no dia 23 de dezembro, justificou porque votou contra a PEC que integra o pacote de ajuste fiscal do governo, juntamente com mais dois deputados do seu partido. No arrazoado que desenvolveu justificando o voto contrário, a deputada denunciou a influência do grande capital financeiro no processo legislativo. Segundo ela, o capital financeiro manipula boa parte dos parlamentares, em defesa de seus interesses e contra a classe trabalhadora.

A pressão exercida pelo sistema financeiro, e por todos os seus influentes tentáculos na sociedade, impede o governo de enfrentar as questões macroeconômicas fundamentais, como é o problema da dívida pública. A despesa primária do governo central no acumulado até novembro apresentou aumento real de 4,6%, em relação ao mesmo período de 2023, equivalente a R$ 90,0 bilhões (a preços de novembro de 2024). Esse aumento real se explica, em grande parte pelo pagamento de benefícios previdenciários (crescimento real de R$ 29,0 bilhões), pelo pagamento de precatórios (aumento real de R$ 14,1 bilhões), pelo pagamento de despesas com créditos extraordinários, majoriamente em decorrência de créditos para combater a as enchentes no Rio Grande do Sul (aumento real de R$ 14,3 bilhões) e pelas despesas com BPC da LOAS/RMV (crescimento real de R$ 14,1 bilhões).

Considerando a receita total do período e as transferências por repartição de receitas e as despesas, o resultado primário do governo central, no acumulado em 12 meses até novembro, foi de -R$ 192,5 bilhões. Um aumento de 66,96% no déficit primário, em relação ao déficit verificado no mesmo período de 2023, de R$ 115,3 bilhões.
A despesa primária acumulada em 12 meses, em percentual do PIB, em novembro último, estava em 19,87%. As despesas com transferências para pessoas – aposentadorias e pensões do RGPS, aposentadorias e pensões dos servidores públicos civis e militares, seguro-desemprego e abono salarial, BPC da LOAS/RMV e Bolsa Família –, totalizaram, no acumulado em doze meses, 12,33% do PIB em novembro de 2024. As despesas com transferências para estados e municípios estavam em 5,12% do PIB em novembro de 2024, em valores acumulados de 12 meses.
Já a evolução da dívida pública federal (DPF) no período recente mostra que, em outubro de 2024 ela totalizava R$ 7,10 trilhões, cerca de R$ 552,6 bilhões acima do registrado no mesmo período em 2023. Do total da DPF, 95,4% (R$ 6,7 trilhões) se referem à dívida pública mobiliária federal interna (DPMFi) e 4,6% (R$ 325,2 bilhões), são relativos à dívida pública federal externa (DPFe).

O déficit primário do governo federal foi, em 12 meses até novembro, de R$ 192,5 bilhões. O déficit aumentou em R$ 90 bilhões em relação ao mesmo período do ano anterior, um aumento expressivo, decorrente de: maiores despesas com maiores pagamentos de benefícios previdenciários, pagamento de precatórios, maiores despesas com combate à calamidades (principalmente enchentes no Rio Grande do Sul) e por despesas com BPC.
Por outro lado, nos primeiros oito meses de 2024, o Brasil enterrou R$ 870 bilhões no pagamento de juros da dívida, impressionantes 7,7% do PIB. Ou seja, o déficit primário, isto é, o déficit decorrente de gastos sociais e operacionais, sobre o qual a imprensa comercial martela diariamente, equivale a 1,7% do PIB em 12 meses até novembro, período no qual ocorreram gastos extraordinários, como o atendimento às enchentes no Rio Grande do Sul. Mas os juros da dívida, também em 12 meses atingem 7,7% do PIB, 4,5 vezes mais. Para efeito comparativo, as despesas previstas com o Programa Bolsa Família, que impede mais de 55 milhões de brasileiros de morrerem de fome, é de R$ 167,2 bilhões para este ano, cerca de 19% do valor que o país gastou com alguns milhares de rentistas nos primeiros oito meses de 2024.

Os quase R$ 900 bilhões gastos seriam para os “serviços” da dívida, portanto, incluindo pagamento de juros e amortizações. Amortização da dívida deveria ser o pagamento gradual não apenas dos juros incidentes, mas também do pagamento gradual ou imediato, do principal da dívida. A amortização da dívida permitiria, ao fim de determinado período, a quitação do compromisso. Mas isso não acontece no Brasil. O estoque da dívida só cresce, apesar de o país pagar o maior volume de juros em proporção ao PIB, do mundo. A projeção é que a dívida bruta do governo geral, que inclui todos os poderes da União, estados e municípios, deve atingir 76,6% do PIB ao final deste ano. No entanto, o senso comum, é que a dívida pública cresce por causa dos gastos primários do governo, com a Previdência Social ou com os gastos sociais.

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