Estamos a pouco menos de um mês do aniversário do 8 de janeiro, a data da invasão dos prédios dos três poderes pela turba direitista. Manifestações foram convocadas na última terça-feira para reivindicar a prisão de Bolsonaro e para barrar qualquer tentativa de anistia aos envolvidos nas depredações. Os atos, aos que parece, não conseguiram grande adesão e tinham pouca gente jovem.
Enquanto isso, Bolsonaro vai sendo cozido em banho-maria, sem pressa, e os “baderneiros” e “defecadores” são julgados a toque de caixa por “crime coletivo” e condenados a longas penas. Um comentarista de canal progressista do YouTube, em discussão sobre a dosimetria aplicada pelo ministro “Xandão”, que condenou uma mulher de 67 anos de idade a 17 anos de prisão, pensou por alguns instantes e deu o veredicto: “A mulher defecou! 17 anos, sim. É justo”.
Na decisão de Moraes, fica claro que ela disse que defecou e sujou o banheiro do STF:
“Em vídeo que circulou nas redes sociais, a denunciada é chamada por Fátima e identificada como uma moradora de Tubarão que estava ali quebrando tudo. A denunciada, por sua vez, grita e comemora, dizendo: ‘É guerra’. Afirma, ainda, que teria defecado no banheiro da Suprema Corte, sujando tudo, e encerra a gravação bradando que vai pegar o Xandão”.
O que mais incomodou o comentarista progressista foi a defecação. É nojento, escatológico ou o que for, mas a pena não parece proporcional. A propósito, em junho deste ano, foi aprovada mudança no Código Penal para aumentar a pena para dano ao patrimônio público e obras de arte, que sai de detenção de 6 meses a 3 anos e multa, para detenção de 1 a 3 anos, além da multa.
A esquerda pequeno-burguesa, diante do ocorrido, adotou exatamente o mesmo tom da crítica feita pela burguesia, que se incomoda com a “baderna”, ou seja, com a forma da manifestação. Esse ponto merece um dedo de reflexão.
Mutatis mutandis, essa mesma esquerda lamenta a morte em massa dos palestinos, mas não defende a resistência armada, representada pelo Hamas e outros grupos, que não hesita em chamar de terroristas ou de fanáticos “islâmicos”, fazendo coro com a burguesia. Lamenta igualmente a morte de israelenses, criando falsa equivalência entre um lado e outro. Mais uma vez, o problema é a forma.
Na imaginação desse pessoal bacana e descolado, sempre é possível resolver tudo numa boa conversa “civilizada”. Assim, o 7 de outubro seria uma provocação de malucos que não sabem conversar – e Netanyahu estaria “apenas” reagindo com certa mão pesada.
Esses mesmos companheiros bem-educados são os primeiros a elogiar o Lula quando ele dá espaço aos adversários dentro do governo. É o “estadista”, o governante que resolve tudo no diálogo. O problema é que, muitas vezes, não resolve absolutamente nada.
Talvez fosse mais proveitoso para os objetivos da esquerda questionar o conteúdo político dos adversários, não exatamente a forma de sua manifestação. A direita dita “civilizada” só é menos grotesca que a “Fátima de Tubarão” na forma de se expressar. Condenar a forma da manifestação popular, em vez de criticar o seu conteúdo, é colaborar com o inimigo, ou seja, com a direita “limpinha”, que adora se passar por “gente fina” e faz política em jantares requintados, congressos, simpósios e outras coisas chiques do gênero.
A propósito, revolução também faz um pouco de bagunça, suja a sala, tira os móveis do lugar. Criminalizar o adversário pela forma da manifestação pode ser um tiro no próprio pé. De resto, a esquerda coxinha, com sua obediência às regras de etiqueta, parece não estar empolgando a juventude.