Mais uma vez a Folha de São Paulo, a mesma que apoiou a ditadura no Brasil e o golpe em Dilma Rousseff, saiu em defesa de duras punições contra o “racismo”. Em coluna publicada no dia 27 de setembro, a jornalista Marina Izidro defendeu a postura da Espanha ao prender o torcedor Samu Chukwueze, do Villarreal, por conta de ofensas raciais proferidas contra Vini Jr. Em um jogo contra o Real Madrid no ano passado.
A condenação, no entanto, não foi “exemplar” o suficiente, já que para a colunista, seria necessário que o torcedor do pequeno clube espanhol fosse para a cadeia, o que não aconteceu após um pedido de desculpas e uma reabilitação. No entanto, o torcedor ficará 3 anos sem comparecer a estádios de futebol.
No entanto, apesar de o torcedor não ter ido parar atrás das grades, o fato de que agora a Espanha esteja começando a punir seus cidadãos por gritos e injurias raciais, animou a colunista, que pediu por mais punições, sem esconder que as punições são praticamente todas contra torcedores que enfrentaram o Real Madrid, principal equipe de futebol europeu, clube símbolo da monarquia espanhola e da ditadura franquista.
“Mas fato é que algo está mudando e atos racistas por lá agora têm consequências. Foi a terceira condenação penal nos últimos meses por injúrias raciais contra jogadores do Real Madrid. Dá para fazer mais em termos de punições? Sem dúvidas.”
O que vemos aqui é um típico posicionamento de direita. É a ideia de que a solução para a sociedade é a cadeia. Na cabeça dos direitistas, qualquer coisa que ataque moralmente uma sociedade tão perfeita quanto a nossa, é motivo para se colocar milhares de pessoas pobres nos calabouços da burguesia. Não se trata de defesa do fim do racismo ou de luta contra a extrema direita.
Anos atrás, antes de a esquerda capitular de maneira generalizada para todas as posições direitistas, era comum escutar “você está defendendo bandido” quando nos colocávamos contra a prisão de menores de idade ou quando nos colocávamos contra punições de décadas de cadeia para quem houvesse cometido crimes como assassinato, estupro e sequestro. Hoje a direita já percebeu o caminho para implementar seu programa. Basta começar com crimes que chocam a esquerda, como injurias raciais ou crimes especiais contra mulheres, os LGBT e outras ditas minorias. Quando isso acontece, no entanto, a senha para se tentar impedir a defesa dos direitos civis básicos da população é a mesma da direita de uns anos atrás: “você está defendendo racista”, “você está defendendo estuprador” ou “você está defendendo um fascista”.
No entanto, vemos que os mesmos órgãos que antes queriam colocar toda a população atrás da grade e se escondiam atrás de “você está defendendo bandido”, são os mesmos que hoje dizem “você está defendendo racista”.
Prova disso é que a colunista da Folha não quer que a parcela da população que sofre com esse tipo de injúrias se mobilize e coloque um fim na situação. Para a colunista, é necessário que quem controle tudo seja a polícia, como é dito no trecho a seguir: “Vinicius tornou-se protagonista de uma luta cuja responsabilidade de liderar mudanças não é dele.”.
Para além de pedir cadeia para os injuriadores nos estádios, a colunista também reclama das punições brandas para os clubes de futebol e, pior ainda, elogia o estado do Reino Unido que aprovou uma lei que persegue torcedores que cometam injurias mesmo quando estes se encontrem fora dos estádios de futebol, ou melhor dizendo, quando os torcedores publiquem alguma coisa na internet.
Não se trata de luta contra o racismo. O que vemos aqui é uma pura luta contra a população civil mundial. Enquanto pede por mais punições na Europa, a colunista já aponta para o que deve acontecer aqui no Brasil. Sempre foi um sonho da direita tachar os torcedores, principalmente os torcedores de torcidas organizadas, como “bandidos”. Para o leitor que não tem contato com torcidas organizadas, fica o convite para se aproximar de alguma e ver o nível de repressão contra esses torcedores por parte da polícia. Tomemos São Paulo como um exemplo: os torcedores não podem entrar com bandeirões; os torcedores não podem utilizar sinalizadores; não é permitido o consumo de bebidas alcoólicas dentro dos estádios; os torcedores não podem cantar músicas consideradas homofóbicas; torcedores de torcidas organizadas ou com camisetas de torcidas organizadas não podem ficar fora dos locais determinados pela polícia.
Fora isso, torcedores são submetidos a inúmeros controles por parte da polícia que fiscaliza todos seus materiais, revista suas roupas e faz exigências completamente absurdas, como a que a torcida do Corinthians sofreu recentemente por parte da polícia cearense em jogo válido pelas quartas de final da Sul-americana contra o Fortaleza, na qual a polícia exigiu da torcida que deixasse o estádio aos 35 minutos do segundo tempo, após viagem de pelo menos dois dias de ônibus, ingressos caros e revistas e humilhações já descritas por parte da polícia.
O que se espera com essa pseudopolítica de luta contra o racismo é aumentar a perseguição aos torcedores de futebol, que nada mais são do que uma parte significativa da classe operária mundial. Além disso, buscam educar a parcela desavisada da população no sentido de que a única coisa a se fazer é a repressão.
O debate, no entanto, é antigo. Alguns anos atrás o PCO polemizou com a direita e a esquerda pequeno-burguesa ao se colocar ao lado das torcidas organizadas contra a criminalização dos chamados “cantos homofóbicos” nos estádios. Na ocasião, o Partido lutava para convencer a esquerda de que era necessário levantar a palavra de ordem de “Fora Bolsonaro”. Ao mesmo tempo que o restante da esquerda parecia não se importar com o governo fascista de Bolsonaro, tentava criminalizar o que era cantado nos estádios de futebol. O tempo passou, veio a pandemia e a esquerda continuou contrária à palavra de ordem em questão, até que após agressões de bolsonaristas contra enfermeiras levou a torcida do Corinthians a entrar em confronto com os bolsonaristas na Avenida Paulista. Ou seja, muito antes de que a esquerda pequeno-burguesa pensasse em reagir, os torcedores tachados de “bandidos”, “homofóbicos” e sabe-se lá quais mais pechas escolhidas pela direita, se levantaram contra o bolsonarismo.
Não se deve combater o racismo, a homofobia, a xenofobia, o machismo e todas essas práticas que demonstram um atraso cultural e intelectual por parte da população com repressão. A esquerda sempre defendeu que essa luta se travasse através da política, da educação da população. Nem mesmo o fascismo deve ser combatido com repressão estatal, visto que quem comanda o estado não é a esquerda, mas sim a própria direita, que na primeira oportunidade vai deixar de perseguir aqueles que fazem cantos racistas e vai começar a perseguir aqueles que se colocam contra a política do imperialismo.
“Vai começar” é modo de dizer. Já está acontecendo. Anos atrás, a Fifa, a mesma que hoje aposta na política de repressão contra os chamados “
O que a direita realmente espera conseguir com essas punições é calar os torcedores que querem se manifestar contra a queda na qualidade de vida e a política de fome e de morte da burguesia.
No começo deste ano, a UEFA, órgão que controla o futebol na Europa, puniu a torcida do Légia Varsóvia com o fechamento do setor do estádio em que sua torcida organizada ficava por conta de cantos ofensivos contra a equipe AZ Alkmaar e pelo uso de sinalizadores. A torcida do clube vem sofrendo a alguns anos por conta de se associar sua imagem à extrema direita, ao racismo e ao antissemitismo. No entanto, o que realmente incomodou a UEFA alguns anos atrás foram os protestos por parte da torcida contra a entidade do futebol europeu, além de um mosaico que relembrou a morte de mais de 160 mil crianças durante a invasão nazista à Polônia. Além disso, mosaicos com a sigla “ACAB” (All cops are bastards – todos os policiais são bastardos) são muito frequentes no meio da torcida.
O caso do Légia Varsóvia serve para demonstrar que, em primeiro lugar, há gente de extrema direita, de direita, de esquerda e de extrema esquerda no meio das torcidas e que as punições por opinião nos estádios, acabam por prejudicar justamente as manifestações de esquerda.
Além disso, outra entidade que vem promovendo uma campanha “contra o racismo” é a Fifa, órgão máximo do futebol no mundo. Porém, toda a preocupação contra o racismo não bastou para expulsar de jogos oficiais Israel, que está neste momento cometendo o principal ato racista do século, com o extermínio de toda a população palestina e árabe no geral. Sua política, pelo contrário, serve para proteger Israel, que também faz parte da UEFA, sendo que nem mesmo se encontra na Europa.
Também se faz necessária uma outra reflexão: é papel da esquerda e daqueles que lutam contra as chamadas “opressões” a luta por um “castigo exemplar”? Essa ideia que poderia ser muito bem do próprio Bolsonaro, não pode ser a de alguém que se diz de esquerda. A esquerda, historicamente, sempre lutou contra “castigos exemplares” contra a população.
Essa ideia da direita é a de que através de um castigo que choque a população, seria possível impedir que novos crimes aconteçam, pois os indivíduos tachados de bandidos ficariam com medo de sofrer a mesma punição. Na prática, o que vemos é uma brutalidade generalizada contra a população, sem que o crime deixe de ser cometido. Prova disso é o combate às drogas, que só retirou direitos da população, ao mesmo tempo em que o consumo de drogas se generalizou por toda a sociedade.
Por fim, a colunista termina seu artigo comparando o uso do estado para punição a jogadores com a organização de grevistas nas minas da Inglaterra. É preciso lembrar que os inimigos dos grevistas são os mesmos dos torcedores de futebol. Além disso, a própria Folha de São Paulo nunca foi favorável a nenhuma greve, comemorando como se fosse um gol em final de Copa do Mundo a promulgação das leis trabalhistas por parte do governo de direita que ajudou a colocar no governo após o golpe em Dilma Rousseff.