Candidata pelo PSOL ao cargo de vereadora de Fortaleza, Rafaella Florencio publicou no sítio Esquerda Online um artigo intitulado A crise ministerial, o impacto para o povo negro e o desafio da Nova Ministra dos Direitos Humanos, Macaé Evaristo, trazendo uma verdadeira defesa da barbárie disfarçada de “proteção das mulheres”, na esteira da recente crise envolvendo o ex-ministro Silvio Almeida. A autora inicia com uma defesa protocolar da presunção de inocência ao dizer que “o ex-ministro tem o direito a uma investigação justa, sem condenação prévia, e é fundamental que o processo seja conduzido com transparência, respeitando o devido processo legal”. Entretanto, fora essa frase, o restante do texto é dedicado a assumir como verdade incontestável as alegações de uma denunciante que sequer formalizou uma acusação.
De imediato, Florencio defende a “solidariedade” à Anielle Franco como “imperativo moral e político”, antes mesmo de qualquer investigação séria. Diz a psolista:
“A denúncia de que Anielle Franco e outras mulheres foram alvo de assédio sexual trouxe à tona uma tristeza que ultrapassa as vítimas diretas, atingindo também todos aqueles que lutam por igualdade e justiça social. Este não é apenas mais um episódio de violência de gênero; é um reflexo cruel das múltiplas camadas de opressão, do patriarcado ao racismo, que afetam diariamente as mulheres, especialmente as negras. A solidariedade a Anielle Franco, ministra da Igualdade Racial, é um imperativo moral e político. Não se trata apenas de apoiar sua luta, mas de reafirmar que as violências contra as mulheres não podem ser relativizadas ou silenciadas.”
O problema não é prestar solidariedade a quem a mereça, mas sim utilizar essa suposta solidariedade como ferramenta para condenar alguém sem provas – pior ainda, uma figura pública que, como a própria Florencio admite, deveria ter o direito a uma investigação justa. Florencio joga Silvio Almeida aos leões, ignorando que a presunção de inocência deveria ser um princípio central e inegociável, principalmente em casos sensíveis como este.
O que se vê no texto de Florencio, de fato, é uma ode à condenação sumária, método mais associado à Idade Média do que a qualquer regime democrático. A psolista até afirma que “a presunção de inocência é um pilar que não pode ser ignorado, mas tampouco podemos ser condescendentes com qualquer forma de assédio”. Este “mas”, contudo, é um recurso retórico típico de quem entende a complexidade de se atacar algo, mas está decidido a fazê-lo, no caso, a defesa de uma aberração que enfraquece a civilização e nos empurra para tempos obscuros, quando a culpa era presumida e a ampla defesa, um detalhe irrelevante.
Ora, se a presunção de inocência é um pilar que “não pode ser ignorado”, o que justifica a sequência de ataques velados a Silvio Almeida, baseados exclusivamente em uma acusação informal? O mesmo vale para a “solidariedade” a Franco.
Em essência, a frase de Florencio faz uma defesa demagógica da presunção de inocência para logo relativizá-la com um “mas” estratégico, que revela o verdadeiro objetivo: não há compromisso real com o devido processo legal. Assim como na Idade das Trevas, o acusado é tratado como culpado até que, por um milagre, se prove inocente, mesmo que isso raramente aconteça quando já se decidiu a culpabilidade de antemão.
Florencio segue defendendo a implementação de uma política ainda mais autoritária, quando afirma: “a criação de mecanismos de afastamento preventivo, seguidos por investigações independentes, é uma medida que deveria ser adotada de imediato. Além disso, é essencial que essas apurações sejam realizadas por instâncias externas ao ambiente onde as denúncias ocorreram, garantindo a imparcialidade e a justiça do processo”.
Esta frase, além de soar superficialmente “progressista”, esconde o perigo mortal que representaria a implementação de tal política. O que Florencio sugere aqui não é justiça, mas sim a capitulação à política identitária que tornará o governo refém de forças “independentes”. Ceder a esse tipo de chantagem, tal como sugerido, seria fatal para um governo como o de Lula, apoiado nas forças populares. Silvio Almeida, se culpado, deve ser julgado conforme os ritos legais normais, estabelecidos por representantes do povo, e não por instâncias externas que respondem a interesses obscuros.
O que Florencio defende, na prática, é fortalecer uma estrutura ditatorial, que não visa outra coisa senão a repressão de qualquer forma de dissidência política. Os identitários dizem combater um regime opressor, mas a realidade é que não fazem mais do que fortalecer o mesmo regime autoritário que afirmam criticar.
Como resultado, quem sai prejudicado? Certamente não serão os partidos da burguesia, via de regra, inatingíveis para o aparato repressivo e pela propaganda negativa, salvo uma situação excepcional de desagregação interna. Serão os representantes da classe trabalhadora que, desprovidos de defesa, verão seus quadros devorados por esse mecanismo repressivo, agora envernizado com um manto de “justiça”.
Não por acaso, essa mesma política de “mecanismos preventivos” e “investigações independentes” tem sido aplicada com grande sucesso pelos regimes burgueses, especialmente quando o objetivo é eliminar a oposição política. Assim como no caso da corrupção, onde os partidos da direita burguesa não sofrem nenhum problema em conviver com corruptos, ao contrário do que ocorre no campo da esquerda e das representações dos trabalhadores, essa prática será devastadora.
O que está em jogo aqui não é apenas a defesa de Silvio Almeida, mas a preservação das conquistas civilizatórias que até mesmo a burguesia progressista, em tempos menos reacionários, ajudou a construir. A presunção de inocência, o devido processo legal e a imparcialidade das investigações são princípios que não podem ser relativizados, sob pena de pavimentar o caminho para o fascismo que Florencio e outros dizem combater. A defesa intransigente desses princípios não é uma questão do também identitário Silvio Almeida, mas uma necessidade para a manutenção de qualquer regime que ainda possa minimamente se chamar democrático.
O que Florencio e sua defesa apaixonada pela barbárie realmente fazem é abrir uma avenida para que o fascismo avance, sem encontrar resistência significativa. A esquerda, se não se atentar para isso, será a principal vítima desse processo.
Ao ceder ao identitarismo e relativizar princípios fundamentais como o devido processo e a presunção de inocência, ela se coloca na posição mais vulnerável possível, enquanto seus inimigos continuam a reforçar suas fileiras com a solidez que lhes é característica. Em nome de uma suposta “justiça social”, Florencio e outros contribuem para o fortalecimento da barbárie medieval, que não libertará a mulher do assédio e tampouco libertará qualquer oprimido de qualquer opressão.