Na última sexta-feira (30), o jornalista norte-americano Glenn Greenwald, conhecido por sua defesa das liberdades democráticas, lembrou em seu perfil oficial no X uma série de publicações feitas pelo Partido dos Trabalhadores (PT) em 2017, criticando duramente o então recém-indicado ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes. Tirado da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (que ocupou no período da repressão aos secundaristas paulistas, entre 2015 e 2016), durante o governo fascista de Geraldo Alckmin (à época no PSDB), Moraes fora nomeado pelo presidente golpista Michel Temer (MDB) ao cargo de ministro da Justiça, sendo indicado pelos golpistas ao cargo de ministro do STF, após a suspeita morte de Teori Zavascki, em 2017.
Em sua publicação, Greenwald demonstra sem margem para dúvidas que o PT, que agora parece defender fervorosamente o ministro e suas práticas, há poucos anos via em Moraes uma “ameaça à democracia”, conforme os dizeres do perfil oficial da agremiação. A crítica era direta, mostrando a insatisfação com um ministro que, na visão da época, representava um risco para as liberdades democráticas no Brasil, ainda traumatizado pela ofensiva da direita e pelo golpe de Estado de 2016.
Em outra das publicações exibidas por Greenwald, o PT acusava a censura de ser “mais um atentado à democracia perpetrado pelo ilegítimo governo golpista que hoje ocupa o poder”. A mensagem estava acompanhada de um link para uma matéria intitulada Moraes censura entrevista de Eugênio Aragão ao site do PT. Nessa época, o partido não poupava críticas, taxando Moraes (acertadamente) de ser um agente de um governo ilegítimo, que havia ascendido ao poder por meio de um golpe contra a presidenta Dilma Rousseff.
O que mais impressiona não é apenas a mudança de postura em si, mas a velocidade com que o PT a empreendeu. O que vemos aqui é um claro exemplo de oportunismo. No auge do golpe de 2016, quando o PT estava na mira da burocracia judicial, Moraes era um inimigo. Suas ações eram vistas como parte de uma estratégia maior para silenciar vozes dissidentes e consolidar um regime golpista, no que estavam certos.
O partido não poupava críticas, e com razão: as práticas autoritárias de Moraes representavam, de fato, um perigo para qualquer movimento popular que buscasse resistir ao avanço do golpe.
Mas o que aconteceu nos anos seguintes? Por que o PT e grande parte da esquerda brasileira, que antes via em Moraes um inimigo, agora o aplaude e defende? A resposta é simples: conveniência política.
A esquerda pequeno-burguesa, incapaz de se firmar como uma força independente e com isso, de confrontar a burguesia de maneira consequente, encontrou em Moraes um “aliado” de ocasião, um baluarte contra aquilo que considera ser uma ameaça maior: o bolsonarismo. O apoio a Moraes, com isso em mente, não é fruto de uma convicção firme em defesa dos princípios que a esquerda deveria representar, mas sim de uma necessidade tática oriunda do medo e da inação.
A lógica é simples: “o inimigo do meu inimigo é meu amigo”. Diante do avanço das forças reacionárias de extrema direita, representadas por Jair Bolsonaro e seus seguidores, a esquerda, temerosa e desorientada, se agarrou a qualquer figura que pudesse representar uma barreira, ainda que temporária, contra essa ameaça.
Esse pragmatismo cego, no entanto, tem um custo alto. Ao abraçar Moraes e suas práticas autoritárias, a esquerda pequeno-burguesa confunde as bases populares e desarma a classe trabalhadora na luta contra a burguesia e o imperialismo. O que poderia ser uma oportunidade para fortalecer uma oposição popular e classista ao regime burguês se transforma em mais uma demonstração de subserviência e capitulação.
A política de “mal menor”, tão comum na esquerda brasileira, revela sua face mais traiçoeira nesse episódio. Em vez de construir uma alternativa política independente, mobilizando os trabalhadores e as massas populares contra a política golpista e seus resultados (dos quais o bolsonarismo é um dos melhores exemplos), a esquerda opta por se alinhar com setores do regime que, em última análise, servem ao mesmo grupo social responsável, tanto pela queda da presidenta Dilma, quanto pela ascensão de Jair Bolsonaro e da extrema direita.
Ao fazer isso, ela envia um sinal confuso para a classe trabalhadora: que é aceitável abrir mão de princípios em nome de uma suposta aliança contra e inimigo comum. Essa “unidade”, porém, é ilusória e, no final, serve apenas para reforçar as tendências fascistas já presentes no regime.
Ao apoiar figuras como Moraes, o que a esquerda pequeno-burguesa está fazendo é fortalecer um regime que se voltará contra ela e contra os trabalhadores novamente. A história já nos mostrou, repetidas vezes, que confiar na burguesia para defender os interesses populares é um erro fatal.
Moraes, assim como qualquer outro representante do judiciário burguês, não tem compromisso com as liberdades populares ou com os direitos dos trabalhadores. Sua preocupação é manter a ordem estabelecida, garantir que o poder da burguesia não seja contestado de forma significativa, e para isso ele está disposto a silenciar qualquer voz que se oponha a essa ordem, seja de direita ou de esquerda. A estratégia atual de apoiar Moraes em nome de uma suposta luta contra o fascismo bolsonarista é não apenas equivocada, mas suicida.
Ao cair na armadilha do oportunismo, a esquerda pequeno-burguesa abre mão de sua capacidade de liderar uma verdadeira luta de classes e a partir de bases seguras, apoiada no povo, fazer o enfrentamento político ao bolsonarismo. Ao invés de reforçar as próprias fileiras, no entanto, as direções da esquerda se contentam em ser aliados dos setores mais poderosos da burguesia, o imperialismo que derrubou o PT e controla o STF, esperando que eles resolvam os problemas que, na verdade, são eles mesmos os causadores.
O resultado dessa política de conciliação é o enfraquecimento da capacidade de resistência dos trabalhadores, dos estudantes e das massas populares. Quando a esquerda se alinha com figuras como Moraes, ela está, na prática, desarmando os trabalhadores, tanto ideologicamente quanto politicamente.
O caminho para a verdadeira solução dos problemas dos trabalhadores e da esquerda não passa por alianças espúrias com setores da burguesia, mas sim pela construção de uma força política independente, que se apoie na mobilização e do povo brasileiro. Somente assim será possível derrotar tanto o bolsonarismo quanto seus “pais”, tucanos como Alexandre de Moraes e outros representantes dos interesses da burguesia, e do imperialismo.