Em artigo publicado no portal Brasil 247 no último dia 2, o jurista Maurício Rands defende que “do ponto de vista técnico-processual, [o ministro do Supremo Tribunal Federal] Alexandre Moraes cometeu pelo menos um acerto e um erro em suas últimas decisões”, avaliou. Segundo Rands, o acerto reside na forma de intimação, por meio de publicações na rede social, um argumento insólito, visto que não é amparado por leis, como deve ser a relação do Estado com os cidadãos em um regime orientado pelo Estado democrático de direito, mas por acórdãos (decisão colegiada de um tribunal) e resoluções, ou seja, por uma burocracia constituída sem respaldo popular algum. Diz Rands:
“Do ponto de vista técnico-processual, o ministro relator Alexandre Moraes cometeu pelo menos um acerto e um erro em suas últimas decisões no Inquérito 4957. As críticas processuais foram basicamente duas. A primeira foi quanto à opção do ministro pela intimação de Elon Musk, ‘Twitter International Unlimited company’, ‘T. I. Brazil Holdings LLC’, ‘X Brasil Internet ltda.’, ‘Starlink Brazil Holding Ltda.’ e ‘Starlink Brazil Serviços de Internet Ltda’, ‘inclusive por meios eletrônicos’, em sua expressão. Trata-se de intimação de pessoas jurídicas, além da pessoa física Elon Musk, sobre uma decisão que pode ser feita por meios combinados. Pela ciência tomada pelos advogados constituídos nos autos. E também pelos meios eletrônicos, que incluíram a postagem da intimação na própria plataforma X. Quando um réu manobra para evitar ser citado, o direito processual prevê a citação por hora certa e, sucessivamente, por edital. No caso desse Inquérito 4957, a tentativa de evadir-se das decisões judiciais está documentada. Logo, o ministro poderia intimar as partes por edital, do qual a postagem pode ser um sucedâneo. Note-se que todas as PJs envolvidas estão incorporadas no Brasil, têm CNPJ indicado nos autos e, portanto, representantes e endereços no Brasil. Podem ser intimadas por todos os meios admitidos em direito. Entre os quais os meios eletrônicos. Como dispõe a Resolução 693/2020, do STF, que altera a Resolução 661/2020. Como se vê no acórdão do STJ, de 12/9/23, ‘a citação por meio eletrônico, quando atinge a sua finalidade e demonstra a ciência inequívoca pelo réu da ação penal (…) não pode ser simplesmente rechaçada, de plano, por mera inobservância da instrumentalidade das formas’ (STJ – AgRg no HC: 764835). Ou na decisão do STF no Inq: 4923 DF, publicada em 27/01/2023. Vê-se, pois, que a intimação das PJs pelas redes sociais nesse caso do inquérito 4957 já vinha sendo admitida pelo STF e pelo STJ. Ademais, por força do art. 239 do CPC, ‘o comparecimento espontâneo do réu ou do executado supre a falta ou a nulidade da citação’. Depois que o STF postou a intimação da decisão de Alexandre de Moraes no perfil do STF mantido na rede X, o próprio Elon Musk e as PJs deram declarações e postaram ‘memes’ reagindo ao conteúdo da intimação. Atraíram, assim, a aplicação do art. 239 do CPC por terem agido como se espontaneamente tivessem se informado da decisão judicial. Não se pode tecnicamente, por tais motivos, considerar ilegais as intimações determinadas por Alexandre Moraes na própria rede X.”
Como se vê, a única lei de fato citada pelo jurista é o art. 239 do Código de Processo Civil (CPC), o que em si é algo estranho, visto que o Inquérito 4957 é um processo criminal, pertencendo à alçada de outro código, o Código de Processo Penal (CPP). Isso, no entanto, é secundário perto do fato exposto pela argumentação de Rand, que é a falta de uma lei que autorize a repressão estatal a tomar determinada ação feita, isso, sim, uma ilegalidade.
Segundo o artigo 5º, inciso II da Constituição Federal, “ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei“. Conhecido como princípio da legalidade, o inciso é uma defesa do cidadão, estabelecendo que a relação entre o Estado e o indivíduo será orientada por leis previamente estabelecidas.
Trata-se de um princípio basilar do Estado democrático de direito, “democrático” porque as leis são estabelecidas por representantes eleitos pelo povo (e não por uma burocracia) e “de direito” para limitar a ação estatal a estas leis. Nada mais estranho a este modelo de organização do Estado, portanto, do que as loucuras lavajatistas cometidas por Moraes e defendidas por Rand.
O padrão de atuação defendido pelo jurista como “um acerto” é o mesmo visto em outro período histórico, durante a transição entre o feudalismo e o capitalismo, com as monarquias absolutistas, que faziam qualquer loucura a título de combater os inimigos políticos.
O Estado democrático de direito, baseado em um regime constitucional, com leis elaboradas por representantes eleitos pelo povo e limites definidos à ação estatal foi uma reação aos horrores da época, para que jamais voltassem a se repetir, porém, é exatamente o padrão de ação do Judiciário brasileiro e que ganhou seu ponto máximo de arbitrariedade com Moraes. Eis o que está defendendo o autor, expressando a opinião de setores desorientados da esquerda pequeno-burguesa e aparentemente, acometidos por uma amnésia coletiva, que os impede de lembrar quem sempre paga mais caro quando o reino das arbitrariedades se estabelece e cobra sua conta: a esquerda, em particular, os setores ligados à mobilização dos trabalhadores, estudantes e os movimentos sociais, em geral.