O advogado e professor da Faculdade de Direito da USP Pierpaolo Cruz Bottini publicou, no último dia 29, um artigo de opinião no jornal Estado de S. Paulo defendendo a punição contra quatro jogadoras do time feminino do River Plate, da Argentina, presas no último dia 20 por ofensas raciais proferidas durante uma partida de futebol. Polemizando com o mesmo órgão de imprensa, Bottini diz que “não parece correta a opinião do jornal” ao caracterizar a prisão das atletas como “exagerada”. Defendendo a prisão das argentinas, o jurista destaca:
“O maior rigor não vem do acaso. Vem do reconhecimento institucional de um massacre histórico dos escravizados, da supressão da liberdade de milhões de pessoas, de torturas, estupros e mortes autorizados, protegidos pelo Estado, e fundados em um único elemento: a cor. Uma tragédia que não terminou com a Lei Áurea, que persiste em abordagens policiais, no bullying escolar, seleções de emprego, e em tantas frestas de um sistema aparentemente igualitário, mas acomodado sobre um racismo estrutural, que assola com violência silenciosa o cotidiano de suas vítimas.”
Ao defender o encarceramento das jogadoras do River Plate, cai em uma evidente contradição, expressa no fato simples, mas fundamental para desmascarar o argumento, de que das quatro atletas presas, três seriam consideradas “pardas” no Brasil e, em muitas classificações, reconhecidas como “negras”. Isso mostra a contradição em sua política: ao mesmo tempo em que denuncia a opressão sofrida pelos escravos, com supressão de liberdade e violência sistemática, Bottini endossa que o próprio Estado continue essa mesma prática de supressão violenta de liberdade, agora direcionada a mulheres pertencentes ao grupo étnico que ele diz defender. A prisão dessas mulheres não representa a tal “reparação histórica” que o jurista sugere, mas sim sua negação mais cínica.
Naturalmente, a prisão das jogadoras não é uma resposta à opressão da população negra, mas sua continuidade travestida de avanço moral com um verniz esquerdista. A máquina repressora do Estado, que hoje reprime a população pobre e explorada, ganha uma nova roupagem sob a política identitária: finge-se combater o racismo ao intensificar a repressão.
Esse método não combate a opressão; ao contrário, a atualiza com cinismo, permitindo que a violência seja vendida como progresso social. Assim, o identitarismo demonstra ser não a resistência ao fascismo, mas sua ferramenta, revestindo com um vocabulário esquerdista o endurecimento do poder punitivo que sempre favoreceu as classes dominantes e mais ninguém.
Se o objetivo de Bottini fosse genuinamente lutar contra a opressão da população negra, a última medida que ele poderia defender seria o encarceramento dessas mulheres em prisões que são verdadeiras filiais do inferno na Terra. Ao insistir em sua posição autoritária, Bottini revela que seu compromisso não é com uma suposta “reparação histórica”, mas com o fortalecimento da repressão estatal, que exerce uma violência nada silenciosa contra negros e pobres.
Essa é a verdadeira política defendida em sua argumentação: uma preocupação retórica com a história que disfarça a defesa de uma opressão no presente, dirigida pelas mesmas forças que historicamente subjugam os mais vulneráveis. Como que para confirmar que sua defesa não tem nenhuma relação com causas progressistas ou algo do gênero, o jurista conclui:
“A arena esportiva não é espaço de impunidade. Racismo é crime, dentro ou fora do campo. É preciso compreender a gravidade dessa prática sob pena de estendermos um tapete de conforto àqueles que, sob o manto do esporte ou da liberdade artística, colocam mais uma farpa no arame do racismo estrutural que amarra o País.”
Aqui, Bottini estende sua sanha autoritária à censura contra a liberdade de expressão e também as artes, demonstrando que tampouco existe uma consideração do autor pela defesa da lei, uma vez que a Constituição brasileira (no que ela ainda vale) defende ambos os direitos democráticos. A contradição é flagrante: ao defender que a arena esportiva “não é espaço de impunidade” e que o racismo deve ser combatido sob pena de perpetuar o “racismo estrutural”, o autor advoga por censura e mais repressão, como se centenas de milhares de negros jogados ao inferno das cadeias brasileiras por qualquer pretexto fosse pouco.
Ao fazer isso, se alinha com o verdadeiro racismo, fortalecendo sua face mais cruel e desumana no Brasil: o sistema prisional. Este, que é a maior instituição racista do País, é ignorado por Bottini, que, ao invés de denunciá-lo, opta por defendê-lo.