Em 1948 aconteceu a grande tragédia palestina, a Naqba, quando os sionistas realizaram a limpeza étnica de 800 mil palestinos em cerca de 80% do território do país e criaram “Israel”. A galiléia, histórica região onde viveu Jesus, onde se encontra a cidade de Nazaré, foi tomada neste mesmo ano. Curiosamente a cidade teve um tratamento especial diante do avanço das milicias fascistas dos sionistas, principalmente a Haganá.
Entre os meses de abril e outubro de 1948, toda a região da Galileia foi invadida. As maiores cidades galileias, Tiberíades, Safed, Acre e Nazaré, junto com todas as suas áreas rurais circundantes, caíram uma após a outra nas mãos das milícias sionistas. A primeira a cair foi Tiberíades, em 18 de abril de 1948; a segunda foi Safed, em 11 de maio; a terceira foi Acre, em 17 de maio; enquanto Nazaré caiu cerca de dois meses após Tiberíades, em 16 de julho de 1948, sendo a última da série de cidades conquistadas.
De acordo com a Resolução 181 da ONU de 29 de novembro de 1947, que dividiu a terra para Palestina e “Israel”, Nazaré deveria ter sido incluída na área destinada ao Estado palestino. Mas os sionistas não deixaram um hectare de terra para os palestinos na região norte, tomaram toda a Galiléia.
Mas Nazaré foi a única das quatro cidades mencionadas acima que sofreu poucos danos durante a guerra. Enquanto a população árabe de Tiberíades e Safed foi totalmente expulsa, assim como a maior parte da população de Acre, a população de Nazaré aumentou significativamente durante e após a guerra, chegando até mesmo a dobrar.
No censo de 1922, a população de Nazaré era de 7.424 pessoas; em 1932, subiu para 8.756; em 1945, era de 12.000; enquanto, em 1949, foi estimada pelo Ministro das Minorias, Bekhor Shitreet, entre 25.000 e 30.000 pessoas, mostrando que havia dobrado. Assim ela se tornou uma espécie de capital política e cultural dos palestinos que vivem dentro do Estado de “Israel” num regime de apartheid.
Por que Nazaré não sofreu a limpeza étnica?
A cidade Nazaré era continha uma forte oposição a principal liderança nacionalista palestina naquele periodo o Mufti de Jerusalém Amin al-Husseini. O prefeito, Iusuf Bei al-Fahum, era um importante líder desse setor de oposição. Em 1947, o Alto Comitê Árabe decidiu pela chamada de comitês em todas as cidades. Fahum decidiu se colocar contra, sua intenção era impedir que o Mufti e seus seguidores, bem como os líderes da Revolução de 1936, assumissem o controle da cidade. Isso fez com que os britânicos diminuíssem um pouco o contingente da repressão pois a maior organização árabe que resistia a partição não havia se formado ali.
Fahum então criou um comitê próprio para Nazaré. Logo após sua formação, o comitê começou a agir organizando uma força voluntária entre os habitantes locais, chamada de “Força de Proteção de Nazaré” (“Hamiat al-Nasirah”), sob a liderança de Diab al-Fahum, diretor do Departamento de Água da prefeitura. É difícil determinar o número exato ou mesmo a composição dessa força de proteção. No entanto, de acordo com ‘Atif al-Fahum, havia um número de beduínos da tribo árabe Sabarja, da região do Vale de Jezreel.
Além da organização e da força local de proteção, uma força adicional começou a se formar nos arredores de Nazaré sob o comando de Taufiq Ibrahim, conhecido como “Abu Ibrahim al-Saghir” (“o Jovem”). Este Abu Ibrahim era residente da aldeia de Indur, no vale de Jezreel, e havia comandado um dos grupos armados (fasel) durante a Revolução de 1936.
O número de recrutas sob o comando de Abu Ibrahim, que atuaram em Nazaré e na área circundante após a Resolução de Partição da ONU de novembro de 1947, era de cerca de 210 combatentes. Essa força estava diretamente subordinada ao Mufti, ou seja, ao principal setor político da luta contra os sionistas naquele momento. Esses dois grupos armados passaram por disputas, mas no entorno de Nazaré uma gigantesca limpeza étnica acontecia.
A maioria das grandes cidades, como Haifa, Tiberíades, Acre e Safed, havia sido capturada, o que pressionava Nazaré, principalmente devido aos milhares de refugiados que chegavam à cidade de todas as direções. E então começou o ataque a cidade, em 15 de julho, as forças de infantaria e o corpo blindado da Sétima Brigada continuaram avançando em direção a Nazaré, e em 16 de julho, enquanto o ataque à cidade ocorria, começou a conquista das aldeias de Saffuria, Iafa e ‘Ilut, além de todas as aldeias ao longo da estrada Nazaré-Tiberíades, do Monte Tabor e seus arredores.
Mas o que parece ter salvado Nazaré foi o medo de causar o fúria dos cristãos. Os comandantes sionistas, mesmo antes da conquista, tomaram o cuidado de preparar as forças envolvidas no ataque. As instruções para um tratamento especial em relação a Nazaré vieram do mais alto nível, de Ben-Gurion. Em uma carta enviada por ele em 15 de julho de 1948 a Igael Iadin, chefe da Divisão de Operações do Estado-Maior Geral, e a Moshe Carmel, comandante da Frente Norte, ele escreveu:
“Se Nazaré estiver prestes a ser conquistada, você deve preparar uma força especial, confiável e disciplinada… e evitar qualquer possibilidade de saque ou profanação de mosteiros e igrejas. Qualquer tentativa de saque por nossos soldados deve ser enfrentada com fogo implacável. Você deve informar como essa instrução foi executada.”
De uma cidade que contava com 12.000 habitantes antes da guerra, Nazaré passou a abrigar 25.000 moradores. De uma cidade economicamente bem estabelecida, com maioria cristã, tornou-se uma cidade inundada por refugiados vindos de todas as partes da Galileia e até mesmo de Haifa. Esses refugiados viviam nas condições mais precárias. Mas, apesar das dificuldades, Nazaré abriu seus braços para seu povo. Mosteiros, igrejas, mesquitas, escolas, hospitais e até mesmo residências particulares acolheram milhares de refugiados desamparados e ofereceram toda a ajuda que podiam. A maioria desse refugiados ainda vive hoje em Nazaré.
Os sionistas pouparam a cidade de Nazaré pois eles já estavam comprando uma guerra eterna com os muçulmanos ao realizar o seu projeto genocida na Palestina. Eles se apoiavam na propaganda imperialista para ter apoio de um setor dos cristãos. Mas para isso não poderiam ser violentos com os símbolos sagrados do cristianos, uma política que eles abandonaram ao longo das décadas.
Mas o caso de Nazaré mostra como a história da Palestina, a sua diversidade, permitiu resistir ao avanço sionista. E não foram só apenas os cristãos palestinos que resistiram ao sionismo, os judeus palestinos também eram contrários ao movimento, mas esse tópico será abordado em outro artigo.