Historiador e professor titular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Jaime Pinsky foi entrevistado pelo jornal Estado de S. Paulo para divulgar sua mais recente obra, o livro Os judeus – a luta de um povo para se tornar uma Nação, onde defende a tese de que uma suposta “identidade judaica” de 20 séculos teria como ápice a formação do Estado de “Israel”, apresentado pelo autor com um verniz um tanto romântico, resultado da “aspiração do povo judeu de ter um Estado para chamar de seu” durante o período. Um dos objetivos da obra, segundo o próprio autor, seria provar que “a ideia de que Israel é um fato [histórico] colonialista é uma bobagem sem tamanho, não tem nenhuma comprovação histórica”.
“A primeira coisa foi verificar se Israel é um Estado com raízes colonialistas, se Israel se aproxima por exemplo do que os belgas fizeram na África ou com o que os portugueses também fizeram na África. E eu deixo claro no livro que isso é uma besteira.”
Nesse momento, o leitor espera uma explicação sobre por que apontar “Israel” como “um Estado com raízes colonialistas” seria uma besteira, mas é brindado com a seguinte colocação de Pinsky:
“Eu também ressalto que o fator identidade nacional só surge no século 19 no mundo inteiro, isso acontece na Itália, na França e com os judeus não é diferente.
(…)
A ideia de um Estado nacional surgiu por pessoas que moravam nessa região (Polônia, Lituânia e Romênia), como é o caso do médico e ativista polonês Leon Pinsker e do jornalista austro-húngaro Theodor Herzl, que não morava nessa região mas também passou a achar que esta era a melhor solução para os judeus.
O Estado nacional é um fato histórico, eu mostro claramente no meu livro. Eu provo que a ideia de que Israel é um fato colonialista é uma bobagem sem tamanho, não tem nenhuma comprovação histórica.”
Não se sabe se a omissão da “prova” é uma tática de marketing destinada a levar o leitor a comprar o livro, mas o fato é que a entrevista promete, mas não entrega a evidência incontroversa de que “Israel” não guarda nenhuma relação com outros projetos coloniais empreendidos pelo capitalismo europeu no século XIX. Outra opção possível, para entendermos a razão de Pinsky afirmar que “Israel colonialista é uma bobagem” sem demonstrar o motivo, é que a afirmação não passa de uma tentativa desesperada de desmentir a realidade, especialmente quando o fato de que “Israel” é um projeto político colonial não vem dos opositores do sionismo, mas do próprio “pai” do movimento, o supracitado jornalista austro-húngaro Theodor Herzl, que não deixava margem para dúvidas quanto ao que estava defendendo:
“Você está sendo convidado a contribuir para a escrita da história. Isso não deveria assustá-lo, nem causar risos. Não está dentro de sua esfera habitual; não trata da África, mas sim de uma parte da Ásia Menor, não envolve ingleses, mas sim judeus. No entanto, se isso estivesse em seu caminho, já teria sido realizado por você mesmo. Então, como posso me dirigir a você, uma vez que este é um assunto fora do seu caminho? De fato, como? Porque é um assunto colonial [grifo nosso] e exige a compreensão de um desenvolvimento que levará vinte ou trinta anos. O senhor, Sr. Rhodes, é um visionário tanto em termos políticos quanto práticos… Quero tê-lo ao meu lado… para endossar a autoridade do plano sionista.”
Herzl deixa explícito em suas palavras que o projeto sionista era, desde seu início, uma iniciativa colonialista. A única diferença entre o plano de Rhodes para a África e o sionismo de Herzl era a escolha do território e do grupo dominante. Enquanto Rhodes via na África um campo fértil para expandir o domínio britânico, Herzl visava criar uma colônia judaica na Palestina, moldada segundo os interesses do imperialismo europeu. Essa conexão entre sionismo e colonialismo é irrefutável, ainda mais quando analisamos o contexto histórico e político em que essas ideias foram concebidas.
Ao contrário do que afirma o mal-informado Pinsky, a formação de “Israel” não teve como base uma suposta coesão comunitária judaica ou um romantismo nacionalista típico do século XIX. O que motivou o projeto sionista foi exatamente o desejo de replicar o que belgas, britânicos e outros imperialistas europeus fizeram em seus projetos de exploração e dominação.
O “Estado judeu” de Herzl era, em essência, um instrumento para estender o domínio europeu ao Oriente Médio, usando os judeus como peça central para ocupar a Palestina e estabelecer um ponto estratégico na Ásia Menor. Em meados do século XIX, a operação se justificava pela posição estratégica da Palestina, em um extremo do Mar Mediterrâneo onde a comunicação marítima entre o referido mar e o Oceano Índico era possível. Com a importância adquirida pelo petróleo para economia mundial, a partir do final do século XIX, o tema despertaria maior interesse do imperialismo.
Não é por acaso que o sionismo foi amplamente rejeitado pela maioria da comunidade judaica até os horrores do nazismo na Europa. Com a Segunda Grande Guerra, o projeto sionista encontrou terreno fértil para se materializar. Enquanto judeus desesperados buscavam refúgio em países como o Reino Unido e os Estados Unidos, foram sistematicamente impedidos de entrar nesses territórios.
Forçados a migrar para a Palestina, então sob mandato britânico, essas populações se tornaram involuntariamente ferramentas do colonialismo sionista. A criação de “Israel” não foi uma resposta orgânica a uma demanda histórica judaica, mas uma imposição brutal das potências imperialistas, apesar da fantasia criada pelo acadêmico da Unicamp.
Pinsky tenta reescrever a história para absolver o projeto sionista de seu caráter colonial e genocida. Sua tese de que “Israel” é uma exceção às práticas imperialistas do século XIX não é apenas equivocada, mas profundamente desonesta.
O historiador ignora deliberadamente os registros históricos, incluindo as palavras do próprio Herzl, que confirmam o caráter colonialista do sionismo. Sua obra parece servir exclusivamente ao propósito de defender o regime sionista, mascarando o genocídio do povo palestino como uma narrativa de autodeterminação judaica.
O objetivo real de “Israel” nunca foi a proteção do povo judeu, mas a erradicação da população palestina para criar uma colônia europeia no Mundo Árabe. Essa é a essência do projeto sionista e o verdadeiro motivo de sua existência. Ao tentar apagar essa realidade, Pinsky apenas reforça o papel do sionismo como ferramenta do imperialismo e do racismo colonial no Oriente Médio.