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Direitos democráticos

Não há ‘meia’ liberdade de expressão

A experiência da Ditadura Militar ensina o que acontece quando o reino da censura se impõe

Em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, o ex-deputado Fernando Gabeira se apresenta como mais um inimigo da liberdade de expressão, na medida em que enuncia que “a liberdade do lobo é a destruição do cordeiro.” (“Liberdade ilusória, liberdade real”, 26/4/2024). “Numa sociedade pluralista vista por ele [Isaih Berlin]”, continua o colunista do Estadão, “a liberdade pode entrar em choque com a igualdade, segurança e outros valores de coesão comunitária e social. Neste caso, não se pode garantir à liberdade qualquer tipo de prioridade absoluta.”

O debate todo é um tanto abstrato e confuso, mas fazendo um esforço para considerá-lo normal, caberia o questionamento sobre qual igualdade real haveria em uma sociedade onde a uns o direito de se expressar é permitido e a outros não. Ainda, dado o fato de que se enfrentou contra contra a Ditadura Militar (1964 a 1985) na juventude, Gabeira conheceu na pele o que é um regime que abdica da liberdade em favor de uma suposta “segurança”.

As premissas fundamentais estão presentes no sistema filosófico de Karl Popper, que, por sua vez, embasaram as chamadas Doutrinas de Segurança Nacional, levantadas como um alicerce ideológico das ditaduras militares que eclodiram no subcontinente durante os anos 1950 e 1970. Se, naquela época, a questão da segurança nacional era usada para que todas as liberdades democráticas fossem suprimidas com a desculpa de que só alguns, chamados “subversivos” eram atingidos, atualmente, uma ditadura judicial é usada para cercear as liberdades democráticas de todos e, ironia das ironias, para a defesa da “democracia”.

“Recentemente”, continua Gabeira, “esse debate eclodiu na Escócia em torno do Hate Crime Act (ato contra o discurso do ódio). A autora de Harry Potter, J. K. Rowling, insurgiu-se contra a lei e desafiou ser presa na terra onde o Iluminismo floresceu. Ela parece não aceitar que algumas palavras podem ajudar a matar, sobretudo jovens transgêneros. Eles são o alvo de oposição de Rowling.”

Tendo aprendido o truque com os sionistas, Gabeira e virtualmente todos os identitários levantam o argumento de que “palavras ajudam a matar”, porém não o demonstram de maneira concreta, simplesmente porque é impossível. Palavras não conseguem matar, apenas transmitem ideias, que podem ser boas ou ruins.

Atribuir à autora britânica e sua luta por liberdade de expressão a responsabilidade por homicídios (que, são antes de tudo, um fenômeno da crescente crise social produzida pelo imperialismo) é uma carteirada moral, dedicada a pressionar uma posição contrária a não se manifestar. Trata-se de um recurso amplamente utilizado pelo sionismo e que revela o quanto Gabeira se tornou direitista na velhice.

Como que percebendo em um lampejo o que está de fato defendendo, Gabeira lembra que “a ausência de uma discussão mais clara permite à censura uma latitude que ela não pode ter”. No entanto, fica evidente que o ex-deputado não se opõe à existência da censura. Uma determinada “latitude” da restrição ao direito democrático seria, na visão do jornalista, tolerável, o que, na sociedade burguesa, significa que os operários e demais setores da classe trabalhadora estariam na “latitude” errada, enquanto a burguesia e seus articuladores políticos, protegidos para defenderem o que quiserem.

“No entanto, tive a oportunidade de ver pessoas incitando os generais a aderirem a uma virada de mesa, chamando-os de covardes e melancias por obedecerem aos resultados legais das eleições. A conclamação aberta a um golpe militar pode até ser permitida nos EUA, mas deveria sê-lo no Brasil, vitimado por golpes inúmeras vezes em sua história?”

O problema não reside nos inúmeros golpes que o País sofreu ao longo do século XX e agora, no século XXI, mas no nível da brutalidade dispensada ao povo brasileiro, que tornam os direitos democráticos fundamentais à vida social, facilmente atropelados no Brasil. Nos EUA, o nível do desenvolvimento e a herança da Revolução Americana colocaram um freio às tendências repressivas da burguesia daquele país, que, como bem lembra Gabeira, se vê obrigado a tratar a questão com um cuidado que não se estende ao Brasil ou nenhum outro lugar. Gabeira continua:

“Os neonazistas podem ser tolerados nos EUA, mas deveriam sê-lo na Alemanha, lançada numa tragédia sem fim por essa corrente política? Mesmo nos EUA, qualquer alusão a um ato terrorista, qualquer indício de preparação de algo nesse sentido, é imediatamente reprimido.”

O fato de “qualquer alusão a um ato terrorista” ser “imediatamente reprimido” é, antes de tudo, uma evidência de que, mesmo nos EUA, a liberdade de expressão não é um valor sólido. Contudo, o caso lembrado pelo ex-parlamentar é ótimo para desmascarar a tese idealista de que “a liberdade do lobo é a destruição da ovelha” ou que “palavras podem ajudar a matar”. Finalmente, neonazistas fizeram sua manifestação e um impressionante total de zero judeus sofreu qualquer tipo de reação negativa pelo fato.

Não é a liberdade de expressão que ataca as conquistas civilizatórias do iluminismo e fortalece as forças do atraso, mas o contrário. Se, para Gabeira, “escravidão, tortura e perseguição racial” são um problema, a própria história do jornalista deveria servir para lembrá-lo que a liberdade de expressão é uma arma para enfrentá-los.

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