No dia em que o Brasil completava 524 anos de sua descoberta por navegadores portugueses, o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) publicou uma mensagem atacando a história nacional:
⚓️ Há 524 anos os portugueses desembarcaram no Brasil, mas na época mais de 3 milhões de indígenas já viviam no país.
🇧🇷 É importante resgatar as nossas origens e olhar para trás com uma visão mais crítica para fazer justiça pelo nosso passado e entender o futuro. pic.twitter.com/ARVOvtUYL1
— PSDB 🇧🇷 (@PSDBoficial) April 22, 2024
É uma completa falsificação histórica. Em primeiro lugar, não havia três milhões de índios no ano de 1500. Seria economicamente impossível. De acordo com o primeiro censo brasileiro, realizado em 1872, no final do Império Brasileiro, havia menos de 10 milhões de habitantes. Não seria possível, portanto, que, em quase 400 anos de desenvolvimento, o Brasil possuísse uma população apenas três vezes maior que a quantidade de índios que viviam praticamente na Idade da Pedra.
Para efeitos de comparação, o estado do Rio Grande do Norte inteiro tem 3,4 milhões de habitantes. E é um estado com dezenas de universidades, públicas e privadas; centenas de escolas; fábricas de setores diversos e uma capital com quase um milhão de habitantes. É impossível acreditar que os índios, antes de 1500, sobrevivendo da caça e da pesca, fossem capazes de formar uma sociedade mais populosa que a sociedade potiguar.
A ideia de roubo de terras também não corresponde à realidade porque o índio brasileiro era seminômade. Além disso, uma parte da população nativa foi rapidamente incorporada às vilas construídas pelos colonizadores. Um grande exemplo dessa integração é a cidade de São Paulo.
É óbvio que, ao longo dos anos, houve alguns conflitos, houve violência, houve mortes. No entanto, os portugueses nunca perpetraram nada parecido com um genocídio. Durante um longo período, a relação que havia era uma espécie de escambo: os índios trocavam mercadoria com os portugueses e vice-versa.
O que houve é que a sociedade dos índios, por ser muito mais primitiva do que a portuguesa, foi assimilada em alguns casos e, em outros, entrou em colapso diante da pressão da presença de uma sociedade mais desenvolvida. O PSDB quer, na verdade, criar uma mitologia, com o claro objetivo de jogar lama na história nacional.
O mais interessante disso tudo é justamente que o PSDB, que se mostra tão preocupado com a colonização brasileira, é o partido mais colonialista no Brasil. É o partido que privatizou a Companhia Vale do Rio Doce, que privatizou a Telebrás e que abriu o caminho para a privatização da Petrobrás. É o partido que ama tanto o próprio País que arrasou a economia em nome dos interesses dos grandes bancos, ao ponto de ser responsável pela morte por fome de 300 crianças por dia durante o governo FHC.
Ainda que houvesse alguma verdade na versão contada pelo PSDB, seria algo que aconteceu há 524 anos. O Brasil é um país constituído, formado, é uma das forças mais importantes na economia e na política mundial. Não há sentido algum olhar para trás e apontar a criação do País como se fosse produto de algum pecado original, de alguma monstruosidade, como é o caso do Estado de “Israel”.
Curiosamente, o êxodo de 800 mil palestinos – isso, sim, com farta documentação histórica – não comove o PSDB.