O jornalista e colunista do Brasil 247 Alex Solnik publicou intitulado Eu tenho medo de Pablo Marçal, criticando o candidato do PRTB de uma maneira tão esquisita que mais o favorece do que o atrapalha. Afinal, o que poderia ser melhor para um candidato com as características citadas por Solnik do que um esquerdista que escreve no Brasil 247 dizendo “tenho medo dele”, reproduzindo ainda uma fala que 22 anos atrás, levou a atriz direitista Regina Duarte a ser alvo de chacota? O jornalista explica a razão do seu medo:
“Ele chama o dia da votação, o dia 6 de outubro, não de o dia da democracia, um dia de festa, um dia alegre, mas o dia da vingança, vingança é sangue, é morte, nunca ouvi político algum chamar o dia da eleição de ‘o dia da vingança’”.
A colocação Solnik mostra porque, mesmo tendo conseguido eleger Lula, a esquerda continua na defensiva, em uma crise aguda e ameaçada de ter um dos piores resultados eleitorais desde o fim da ditadura militar (1964-1985). Com a população submetida a uma severa pressão, é uma loucura falar em “dia da democracia”, especialmente quando essa palavra detestável é usada para encobrir os mais diversos crimes contra os direitos democráticos. Mais fora da realidade ainda é falar em “dia de festa, dia alegre”.
O “dia de festa”, se existe para alguém, existiria no máximo para a burguesia. Ocorre que, dado as explosões das manifestações do fim cada vez mais próximo da sociedade burguesa, nem mesmo essa classe social está disposta a “dias de festa”. As “escolhas difíceis” que a classe dominante tem recorrido com uma frequência maior do que certamente gostariam demonstram que o mundo tampouco está “alegre” para eles, que dirá para os oprimidos?
Com os pífios reajustes salariais concedidos pelo governo, incapazes de recuperar o poder de compra roubado por seis anos de governos golpistas, com o desemprego real ainda muito elevado e pressionando os trabalhadores ocupados e ainda, sem perspectiva de melhora, a última coisa que a população quer é “dia de festa”. Uma família operária normal não quer ver outra coisa, mas uma solução para o impasse político.
Isso se expressa de maneira confusa, por meio de um demagogo que é acima de tudo um aspirante a servo, de fato, só que desse “sistema”, isto é, da “democracia”, do regime tutelado pelo STF e ditadores da estirpe de Alexandre de Moraes. Marçal foge de debater o problema do STF, a PL da Anistia e temas do gênero como o diabo foge da cruz, por ser na realidade um candidato da terceira via, mas se aproveita desse sentimento generalizado da população, especialmente entre as parcelas mais pobres.
Esse papel já foi desempenhado pela esquerda. Oriundo da luta dos trabalhadores contra a Ditadura Militar, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva é um reflexo disso. Metalúrgico com um dedo a menos devido às péssimas condições de trabalho dos operários brasileiros, desde que começou a disputar eleições, Lula é um elemento totalmente diferente dos demais candidatos com quem concorreu, seja para o governo do estado, seja para eleições presidenciais.
O posicionamento de Solnik, ao tratar com escárnio o termo “dia da vingança” usado por Marçal justamente para posicioná-lo como expressão das aspirações transformadoras do povo, revela o quão distante a esquerda pequeno-burguesa está dos interesses populares. O que o jornalista defende é a continuidade de um sistema que o povo rejeita em sua essência.
A crítica ao uso da palavra “vingança” é, na realidade, uma crítica ao desejo legítimo de transformação que a classe trabalhadora e os setores mais empobrecidos expressam. Esse desejo não é por uma mera mudança de governo, mas por uma ruptura com o regime que há décadas se sustenta às custas de sua exploração.
“Já tenho uma certa idade”, continua Solnik, “já vi muita coisa nessa vida, mas confesso que me assusto toda vez que vejo seu rosto mal escanhoado, seus olhos que ameaçam fuzilar quem cruza seu caminho, é um cara que me assusta mais que Bolsonaro, porque é mais inteligente, mais organizado”. É quase como dizer “votem em Marçal!”.
O medo que Solnik afirma sentir diante de Marçal, no entanto, é o medo de quem se apega à estabilidade de um regime em putrefação. O Estado brasileiro, gerido por uma casta de burocratas corruptos e parasitários, serve aos interesses de uma burguesia cuja única preocupação é retardar ao máximo sua derrocada final e manter seu poder sobre a vida social, a economia e a política.
Esse regime decrépito, blindado pela ditadura judicial e outras instituições antidemocráticas, não oferece qualquer alternativa real ao povo, que naturalmente os odeia e quer ver alguém disposto a enfrentá-los, para por um fim à opressão que aflige a maioria da população. A esquerda que Solnik representa, ao se recusar a enxergar a falência do sistema, acaba por fazer parte desse teatro de horrores.