O resultado das eleições a cada dois anos gera um fenômeno tradicional da esquerda, a conclusão absurda que o povo é de direita. Não é a esquerda que é direitista, oportunista, faz acordos com os piores bandidos políticos do PSDB ou outros partidos. Na verdade, a culpa seria do povo, que seria fascista. Um dos expoentes dessa tese é Ricardo Nêggo Tom, colunista do Brasil 247, que publicou o texto O resultado das eleições municipais e a tendência fascista da sociedade brasileira.
Ele começa: “podem me tacar pedras, mas o povo trabalhador não tem tempo para saber sobre Marx, Engels ou o escambau da revolução bolchevista. Num país onde a educação é propositalmente sucateada para que os mais pobres não desenvolvam senso crítico e capacidade de avaliação do cenário social onde estão inseridos, isso tudo soa arrogante e presunçoso aos seus ouvidos, e eles respondem nas urnas à não compreensão desse esquerdismo terrivelmente acadêmico”.
Essa tese é totalmente absurda. Primeiro porque a esquerda abandonou completamente Marx e Engels. Os símbolos do comunismo foram abandonados, a cor do comunismo foi abandonada. Não se fala nem nos termos mais técnicos do marxismo, ditadura do proletariado, revolução, socialismo etc. Nem se fala das reivindicações tradicionais do marxismo, salário, trabalho, terra, direito ao armamento, liberdade de expressão etc. A esquerda em geral está muito longe de Marx e Engels. Quando ela está próxima, como o caso do PCO, o crescimento é gigantesco, 900% de votos a mais para prefeitos mesmo com toda a perseguição.
O problema todo é que há pouco Marx, pouco Lênin, mas muito identitarismo. A esquerda aparece falando dos temas mais absurdos como cotas para trans, empoderamento feminino, mais repressão para conquistar a libertação e outras loucuras do identitarismo. Isso, sim, não tem popularidade nenhuma. Quando o povo podia escolher entre o fascista e o sindicalista que liderou as greves que levaram ao fim da ditadura, escolheu este, mesmo com toda a campanha imperialista contra Lula. Por que dois anos depois teria virado fascista?
Não é direita que fala de costumes, é a esquerda
Ele segue: “porém, enfrentamos um outro fenômeno que a esquerda não tem avaliado como determinante em sua queda de popularidade: a pauta moral e de costumes”. Toda a questão é que quem começou a levantar essa política foram os identitários, ou seja, a direita dos EUA, o Partido Democrata, e seus aliados como Macron, Olaf Sholz, Starmer, o PSDB etc. A esquerda entrou nesse balaio e está afundando com esses que são os maiores inimigos dos trabalhadores do mundo. A extrema direita cresce não como agente da “pauta dos costumes”, ela cresce como reação.
O autor afirma: “o pânico moral estabelecido na sociedade, por meio da conclamação de uma luta do bem contra o mal, tendo o comunismo como o diabo papão que corrompe criancinhas e as incentiva a mudar de sexo, usar drogas e votar na esquerda, o indivíduo pobre que ganha pouco, citado no parágrafo anterior, esquece que a sua principal carência é financeira, abraça a causa divina da defesa moral da sociedade e dos valores cristãos e passa a acreditar que Deus, através da extrema-direita, destruirá os pervertidos e imorais e transformará a nação brasileira num paraíso onde jorra leite e mel”.
Aqui fica clara a total incompreensão de Nêggo Tom. Não é questão de pânico moral. A esquerda de fato aparece como o demônio que quer mudar o sexo das crianças e usar drogas. O PSOL, por exemplo, defende coisas absurdas como cotas para trans, banheiro unissex nas escolas, mudança de sexo para crianças etc.
Ele então fala que o povo esquece a carência financeira, isso é um absurdo, não há como esquecer isso. Quem abandona a questão econômica é a esquerda. A luta tradicional por aumento de salário, direitos trabalhistas, terra, estatizações etc. fica totalmente posta de lado. Para o operário, a esquerda aparece como os amigos do PSDB que defendem os trans e não falam nada do trabalhador. Quando era Lula na eleição, os trabalhadores compreendiam que ele é um operário que defende os operários. Mas quando é outro esquerdista, isso não fica claro, pois não é o principal da campanha política.
Ou seja, aqui aparece a tese absurda do esquerdista pequeno burguês. A derrota da esquerda não é culpa da esquerda, que está totalmente desconectada do povo, é culpa do povo. O povo sempre está errado, esse é o cerne da mentalidade pequeno burguesa. A realidade é o oposto. Os trabalhadores estão corretos, a esquerda deve mostrar o caminho de luta para os trabalhadores; apresentando uma política correta ela certamente ressoará e agrupará a classe operária. Para as eleições, controladas pela burguesia, é difícil o resultado, mas certamente é possível ir muito melhor do que a esquerda faz atualmente.
Ele segue: “uma prova de que a crise é também psiquiátrica, e que o pânico moral rende muitos votos. Em Porto Alegre, Jesse Sangalli, do PL, foi o campeão de votos para a Câmara Municipal, defendendo o conservadorismo e os valores da direita. O que nos sugere um dilúvio de mais quatro anos na política local, com a provável reeleição do negacionista climático Sebastião Melo”. Depois de crise de pânico ele fala em crise psiquiátrica. A luta política agora pode ser resolvida com medicina e não com uma política correta. Será que o PT foi mal porque não se colocou frontalmente contra Eduardo Leite, o maior inimigo dos gaúchos, ou por causa da epidemia psicótica de Porto Alegre?
Ele conclui: “a votação de Pablo Marçal e o circo protagonizado por alguns de seus eleitores, que se ajoelharam nas ruas pedindo para que Jesus desse a vitória ao ladrão da cruz, digo, ao ladrão de bancos, e salvasse a cidade do comunismo de Guilherme Boulos, prova que o fundamentalismo fascista religioso é uma das principais ideologias políticas do país nesse momento”.
A votação de Marçal mostra a revolta e no momento da revolta o que é necessário? Marx e Engels, os grandes teóricos da revolução operária. Não adianta se esconder na caverna por causa do “surto fascista psicótico” do povo. Se o povo está revoltado, o momento é fértil para crescer a esquerda combativa, mas isso passa longe da cabeça dos esquerdistas pequeno-burgueses apavorados com o espantalho do bolsonarismo.