No artigo Trump condenado nos EUA facilita condenação de Bolsonaro no Brasil, publicado no Brasil 247, o articulista Aquiles Lins nos apresenta e ideia de que, agora que o ex-presidente norte-americano Donald Trump foi condenado por supostamente fraudar documentos contábeis, o ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro (PL) estaria ainda mais perto da cadeia.
A tese de Lins é tão ingênua que sequer pode ser chamada de infantil. O jornalista argumenta apenas que: “a condenação deste importante integrante da extrema-direita internacional cria macro condições políticas para que o extremista brasileiro Jair Bolsonaro também seja responsabilizado pelos crimes que cometeu por aqui”. Segundo ele, o veredito contra o republicano seria “uma resposta institucional que abre precedente para julgamentos e condenações de outros crimes cometidos por ele. Pode servir de contorno, impondo limites à atuação do extremismo”.
Em primeiro lugar, não se trata de uma resposta contra “o extremismo”. Se, de fato, a decisão do júri nova-iorquino tivesse marcado uma mudança na orientação política dos tribunais norte-americanos, a primeira coisa que deveríamos ver é uma mudança no regime político no sentido de condenar o espetáculo macabro que o Estado de “Israel” está apresentando na Faixa de Gaza perante o mundo inteiro. Não há nada mais “extremista” que queimar pessoas vivas e desmembrar crianças e depois ainda justificar tais crimes de guerra. E o que foi que os Estados Unidos disseram, perante seu “filhinho problemático” Benjamin Netaniahu? Ora, que isso é normal, pois os Estados Unidos também fizeram coisas parecidas no Afeganistão e no Iraque!
Alguém realmente leva a sério que haja uma “reação institucional” ao tal “extremismo”?
O julgamento de Trump nada teve a ver com “extremismo”. Não foi uma tentativa de pôr freios à extrema direita em si. Foi um processo como qualquer outro na política burguesa: um escândalo de corrupção, como acontece todos os dias no Brasil e como o próprio regime brasileiro forjou para condenar o presidente Lula à prisão. Trump foi condenado por ter falsificado uns documentos que teriam servido para acobertar um caso amoroso com uma atriz pornô. Ponto final.
Ah, dirá o sábio Aquiles Lins, mas essa condenação foi apenas um pretexto do regime político para conseguir emparedar a extrema direita! Se é fato, não faz sentido, pois o próprio Trump é julgado por questões que poderiam estar diretamente relacionadas ao tal “extremismo”. Ele é acusado de liderar uma insurreição no dia 6 de janeiro de 2021, mas tal processo segue estagnado. Não há nem um consenso em tornar crime a atividade da extrema direita, nem mesmo de condenar Trump em um processo no qual ele possa ser condenado a muitos anos de cadeia.
Como Aquiles Lins vive em seu próprio mundo e não procura sequer ler um jornal para saber o que de fato os representantes do regime político pensam acerca da condenação de Trump, ele não sabe que nem a burguesia norte-americana comemorou, de fato, o veredito. Foi uma vitória de Pirro para ela. Não servirá para retirar o republicano das eleições, aumentará a polarização política e, por fim, sequer deverá levar a algum tipo de pena antes das eleições presidenciais. Até mesmo o jornal O Globo, uma espécie de periódico norte-americano escrito em português, afirmou que Julgamento mais importante de Trump será na urna, reconhecendo os limites em si da condenação do republicano.
Aquiles Lins, no entanto, tem uma resposta para isso! Diz ele: “diferentemente do Brasil, mesmo condenado, Donald Trump poderá disputar a eleição e governar, se vencer, inclusive se estiver preso”. Traduzindo: diferentemente dos Estados Unidos, se condenado, Jair Bolsonaro não poderá disputar as próximas eleições, nem governar. De fato, mas não por causa da Constituição Federal, mas sim por causa do atual regime jurídico brasileiro, no qual os juízes fazem suas próprias leis, inclusive à revelia da Constituição. Não fosse isso, mesmo alguém preso poderia concorrer às eleições. Toda a esquerda denunciou, em 2018, a ilegalidade que foi a cassação da candidatura de Lula pela Justiça Eleitoral.
O raciocínio de Lins, portanto, é o de que, uma vez que Trump foi condenado nos Estados Unidos, Bolsonaro poderá ser preso no Brasil e, assim, expurgado de uma vez por todas do regime político. Considerando que Bolsonaro já foi declarado inelegível por duas eleições presidenciais pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a ideia de Lins demonstra, antes de qualquer coisa, um medo imensurável do retorno da extrema direita ao governo.
O maior problema é que todo esse medo de Lins faz com que ele se apegue às mais absurdas ilusões. Por que, afinal, Donald Trump foi condenado? Porque o setor mais importante da burguesia norte-americana, que controla os grandes bancos e os grandes monopólios industriais, não quer que Trump vença as eleições. Os Estados Unidos estão imersos em uma profunda crise, de modo que, para um setor do imperialismo, que, ao que parece, é majoritário, é preciso ir para uma política de “tudo ou nada” em torno da figura do genocida Joe Biden. E no Brasil, quem o imperialismo quer que governo?
Ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos, onde a briga entre Trump e Biden expressa a briga entre dois setores da burguesia, no Brasil, não há um candidato burguês que se oponha a Jair Bolsonaro e que tenha condições de governar. A única força social capaz de governar o País além do bolsonarismo neste momento é o Partido dos Trabalhadores e sua maior liderança, o presidente Lula. Acontece que, na medida em que a crise imperialista se aprofunda, Lula está cada vez mais distante daquilo que o grande capital precisa para o Brasil. Em artigo publicado na edição de ontem (31) do jornal O Estado de S. Paulo, a burguesia diz com todas as letras: o governo brasileiro optou por integrar o “Eixo da Revolta” – isto é, o bloco de inimigos do imperialismo.
Essa situação, em que o imperialismo precisa desesperadamente de um governo brasileiro que esteja alinhado com sua política genocida internacional e em que a “direita tradicional” não tem um único candidato com capacidade de vencer uma eleição e governar o País, fez com que o grande capital pusesse em marcha uma operação de reaproximação com o bolsonarismo. Há várias provas dessa reaproximação, como a “fritura” do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que aumentava os antagonismos entre o grande capital e o bolsonarismo, e o tratamento da imprensa ao ex-presidente, que passou a ser extremamente cordial.
As ilusões de Aquiles Lins são as ilusões de um pequeno burguês que, ao perceber que o bolsonarismo é uma força cada vez mais ameaçadora, se apega a algo quase que religioso: à ideia de que o santo Joe Biden, que está promovendo o assassinato de crianças na Faixa de Gaza, irá salvar o Brasil da extrema direita.