O suposto planejamento de golpe do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus comparsas militares ainda repercute das formas mais esquisitas possíveis, numa tentativa de defender uma abstrata “democracia”. O conteúdo dessa campanha contra Bolsonaro é na realidade uma defesa do Judiciário como um aparato de repressão de inimigos políticos, algo que deveria preocupar o conjunto da esquerda brasileira.
Tomaremos como exemplo um artigo que supostamente seria de esquerda, por estar em um órgão de esquerda, mas que é assinado por Weiller Diniz, que tem passagens na IstoÉ e outros veículos da imprensa burguesa. Sem cometer o erro de julgar um livro pela capa, porém, entraremos no mérito da discussão levantada pelo colunista.
Em seu texto “Na boleia do golpe”, publicado no portal Brasil 247, Diniz faz uma espécie de crônica de gosto muito duvidoso, narrando vários episódios da suposta tentativa de golpe envolvendo os militares.
O jornalista procura comprar o golpe de Pinochet, no Chile, com a tentativa de Bolsonaro:
“O caos provocado pelos caminhoneiros foi decisivo para o cavalo de pau que atropelou a democracia no Chile. A primeira greve – outubro de 1972 – fundiu o país e criou as condições para o golpe de Estado no ano seguinte, derrubando Salvador Allende. O itinerário foi cuidadosamente traçado pelos sindicatos patronais, com óleo na pista e muita fumaça de insurreição, até fabricar uma crise que provocasse a intervenção militar.”
No entanto, de acordo com Diniz, a tentativa de Bolsonaro seria menos organizada:
“Sob a condução do capitão Bolsonaro o Brasil era uma carreta desgovernada. A doutrina da banguela gerencial era generalizar o caos.”
Diniz faz essa comparação também para atacar diretamente os caminhoneiros, um dos setores mais mobilizados na defesa de Bolsonaro nos últimos anos, com manifestações que pararam as estradas. Lucas Rotilli Durlo é mencionado no texto como um dos líderes caminhoneiros da “conspiração sobre rodas”.
O autor não coloca claramente, mas o que fica subentendido é uma defesa da repressão desses “caminhoneiros golpistas”, todos grandes conspiradores, inimigos da nação e defensores do golpe. Devemos lembrar que nos últimos anos a direita sempre defendeu duríssima repressão para esses manifestantes que pararam as estradas pelo Brasil.
Após uma longa explanação sobre as grandes ameaças dos milicos, Diniz coloca de forma mais clara a política da burguesia para o bolsonarismo:
“Pequena parte da cúpula do comboio golpista está na cadeia depois da conspiração capotar com o desembarque dos comandantes do Exército e da Aeronáutica. Mas a fila vai andar. Milhares de caroneiros, massa de manobra da urdidura, se embrenharam no atoleiro judicial e foram sentenciados no STF [grifo nosso]. Outros ficaram à beira da estrada e alguns fugiram. A trama pela anistia deu marcha-à-ré e os seguidores do ‘fuhrer’ (condutor em alemão) tupiniquim veem Bolsonaro, acovardado, mendigar por um perdão que não virá. Os gravíssimos processos contra ele engarrafam as vias do STF e penas quilométricas o aguardam [grifo nosso]. É uma via sem saída.”
Aqui, o colunista se posiciona abertamente em defesa da repressão pelo aparato do Judiciário, nas mãos do Supremo Tribunal Federal, declarando que as penas virão para o ex-presidente de uma maneira ou de outra. Trata-se de uma defesa da perseguição judicial dos inimigos políticos, uma defesa aberta da arbitrariedade.
O STF tem se colocado como se fosse um grande defensor da “democracia” e conta, inclusive, com apoio de um setor grande da esquerda brasileira. O que temos visto nos últimos tempos é uma sequência de arbitrariedades, de perseguição política e de condutas criminosas para prender aqueles que “atentam contra a democracia” ou, melhor dizendo, atentam aos interesses da burguesia golpista.
É sempre necessário lembrar que Bolsonaro não é o candidato preferido da burguesia e nem nunca foi. Chegou ao governo federal com o apoio parcial da burguesia, que procurou manobrar o seu governo de todas as maneiras possíveis. E sabemos também que Bolsonaro foi escolhido por falta de opção, por conta de um total esfarelamento da política da direita tradicional como o PSDB, que já não consegue mais eleger ninguém.
O que se vê aqui é a burguesia procurando se livrar de um adversário político e de todo um setor – os bolsonaristas – através da repressão judicial. O STF chegou a criar o “crime de pensamento”, indiciado Bolsonaro e mais de 30 pessoas por supostamente planejarem um golpe com assassinato de Lula, seu vice e Alexandre de Moraes.
É o aprofundamento de um regime de total arbitrariedade, uma terra onde a lei é o STF, na figura de Moraes, principalmente. Não há mais lei ou Constituição, que protejam os direitos políticos, de manifestação e de expressão. Hoje é o STF quem decide o que pode ou não pode ser dito, quem pode ou não pode participar da política.
A esquerda, completamente iludida e sem perspectiva política, adota essa política de apoio integral ao Judiciário golpista por não ter uma política concreta de enfrentamento do bolsonarismo e da extrema direita. Não faz um chamado às ruas, não se trava uma luta política, não constrói uma imprensa para combater diretamente os bolsonaristas. O que fazem, na prática, é apoiar a frente ampla com a direita para derrubar o bolsonarismo através da prisão.
Além do erro de fortalecer o Judiciário e a direita golpista, aumentando a repressão que virá ainda mais forte na esquerda, essa defesa da prisão como método de luta política só joga lenha na fogueira da extrema direita. Bolsonaro se coloca claramente como um candidato antissistema, alguém que está contrário à ordem e isso fortalece sua campanha, passando a se tornar uma vítima do Estado. A esquerda que apoia as instituições golpistas se desmoralizam cada vez mais com a população por defender os métodos repressivos do Judiciário.
Voltando ao texto, de um colunista que nem de esquerda deve ser, fica evidente que é uma grande manobra da burguesia e a esquerda cai como patinho. Por que a esquerda deveria adotar a posição de um jornalista que teve grande passagem na imprensa burguesa? O histórico de Weiller Diniz aponta justamente que a política defendida no texto é a política da direita, da burguesia, dos grandes jornais. A posição da esquerda jamais deveria ir de encontro com o que diz a Veja, a IstoÉ e os mais tradicionais com a Globo, Folha, Estadão, etc.
O regime de arbitrariedades no País só aumenta e Diniz se coloca claramente como um defensor do crime de opinião, do crime de se manifestar. Esse tipo de jornalista não deveria ser levado a sério por ninguém que defenda os direitos democráticos, por ninguém que defenda a luta dos trabalhadores e suas organizações, por ninguém que defenda os direitos políticos plenos de se manifestar.
Que Bolsonaro é um fascista, todos já sabemos. Mas não é através da perseguição judicial que devemos travar a luta dos trabalhadores contra a extrema direita e nem contra a direita.